Tópicos | Policlínia Lessa de Andrade

O preconceito que fala alto e faz calar. Mesmo depois de tantas lutas e campanhas de conscientização, a discriminação continua a rodear os portadores do vírus HIV, em pleno ano de 2014. Se personalidades como Freddie Mercury, Renato Russo e Michel Foucault – vítimas da Aids – assumiram a infecção e ampliaram o debate sobre o tema, anônimos se fecham em suas próprias realidades e convivem lado a lado com a doença e o silêncio. 

Há oito anos, a aposentada que pediu para ser identificada apenas pelas iniciais - J.D. - descobriu-se soropositiva. Sem ter certeza de como contraiu a doença, J.D. suspeita fazer parte do grupo de mulheres que é infectado pelo próprio parceiro. Mesmo após a morte do marido, decorrente de um transplante de fígado, a mulher de 47 anos continuou com a incerteza, mas nunca comentou em casa sobre a enfermidade. 

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“Uma vez contei para uma amiga que pensei ser confiável. Em outro dia, a encontrei num restaurante e percebi os olhares diferentes, dela e  das pessoas que a acompanhavam”, relatou, enquanto aguardava a medicação entregue na Policlínica Lessa de Andrade, no bairro da Madalena. Ao pegar o remédio, J.D. retirou os comprimidos da embalagem e os depositou em outro recipiente, sem nenhuma inscrição, totalmente branco, para evitar o conhecimento dos familiares. 

Segundo a mulher, a vida de um portador de HIV é normal como a de qualquer outra pessoa. “Precisa, claro, respeitar os horários dos remédicos, não pode passar de jeito nenhum. Mas as pessoas desconhecem demais a doença e falam muito”. Enquanto conversava com a equipe do Portal LeiaJá, um parente de J.D. chegou ao local e a entrevista precisou ser interrompida. “Eu disse que vim ao nutricionista. Me desculpem, preciso ir”, falou em voz baixa a senhora, em despedida.

Política do sigilo - O paciente Cícero dos Santos se mostrou mais aberto e até aceitou ser fotografado enquanto pegava os comprimidos, sem o rosto à mostra. Para ele, que descobriu ter o vírus HIV há 10 anos, quebrar o silêncio poderia prejudicar suas relações profissionais. “Trabalho em comércio. Se as pessoas descobrem, se afastam, perco clientes. Só dois amigos sabem, não contei pra ninguém da família. Não sei se vale a pena. Alguns amigos soropositivos dizem que foi melhor, já outros perderam contato para sempre”, revela. 

Mensalmente, ele vai ao Lessa de Andrade para garantir os remédios. São três de uma só vez, à noite, antes de dormir. “Me sinto normal. Nunca tive efeito colateral ou algo do tipo”. Perguntado sobre relacionamentos afetivos, Cícero se esquivou e disse que não “tem mais tempo para isso”. Outro rapaz, que exigiu anonimato, foi incisivo: “se as namoradas descobrem, saem correndo”. 

Números – De acordo com o último balanço da Divisão de Atenção às DST/Aids da Prefeitura do Recife, de 1984 a maio de 2013, 7.704 casos da doença foram notificados. 

Segundo o chefe da Divisão, Ewerton Marinho Pedrosa, a epidemia no Brasil é concentrada em grupos específicos, sendo os mais vulneráveis mulheres e homens que fazem sexo com homens (HSH). “As doenças sexualmente transmissíveis estão muito ligadas à população das periferias, de baixa escolaridade, onde o nível de desemprego é alto. Estes determinantes sociais influenciam, por isso promovemos intervenções de conscientização principalmente nestas áreas”, explicou Pedrosa, ao citar que a população negra ainda é a mais atingida.

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