Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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A Economia e a Natureza

Gustavo Krause, | qua, 05/06/2013 - 14:24
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Os modos de produção engendrados pela humanidade – capitalista ou socialista – foram (e são) cruéis com a natureza.

 

Ambos repousam sobre duas falácias: o crescimento econômico é um bem, a qualquer preço, e a natureza é recurso inesgotável capaz, portanto, de suportar o produtivismo arrogante e o consumismo ofegante.

 

Em outras palavras, o engano esteve e está na suposição de que o que é bom para nós é bom para o mundo

 

Resultado: o mundo está mais para o congestionamento do que para a amplidão do vazio (não sou eu quem afirma, é Herman Daly, Prêmio Nobel de Economia).

 

Mudar a convicção de que o que é bom para o mundo há de ser bom para nós, é dificílimo. A razão é simples: não dá para resolver os problemas com a mesma mentalidade que os criou (não sou eu quem afirma, é um gênio chamado Einstein).

 

A sociedade industrial é sedentária e gulosa; seu metabolismo perdulário; alimenta-se exageradamente de energia e matérias-primas; produz bens que são úteis e “calorias inúteis”, nocivas ao meio ambiente e à qualidade de vida; sua lógica férrea é predadora.

 

Para ilustrar a lógica do industrialismo, basta registrar o que está por trás do gesto prosaico de um consumidor ao beber, em Londres, uma latinha de coca-cola: a bauxita é extraída na Austrália e cada tonelada purificada transforma-se em meia tonelada de óxido de alumínio; em grandes quantidades, o óxido de alumínio atravessa dois oceanos e é fundido na Suécia ou Noruega em lingotes de dez metros de alumínio; em laminadoras na Alemanha, os lingotes são aquecidos e prensados até atingir uma espessura de trinta centímetros e, uma vez laminados a frio, são  novamente prensados até atingir espessura dez vezes mais finas e, então, enviados à Inglaterra; moldadas, as folhas transformam-se em latas que, depois de meticuloso processo, recebem água, xarope aromatizado, fósforo, cafeína e gás de dióxido de carbono; o açúcar vem da beterraba francesa; o fósforo, de Idaho, nos EE.UU; a cafeína, da indústria química; o papelão da embalagem é extraído da madeira de florestas tropicais; em minutos, o consumidor bebe a coca-cola e, em segundos, joga a lata fora, transformando-a em lixo, ou seja, num grande e duradouro problema.

 

A cada bem produzido pela sociedade industrial, corresponde uma trajetória semelhante que pode deixar enormes “pegadas ecológicas” ou carregar pesadas “mochilas ecológicas”.

 

Não há como sair desta encruzilhada sem mudar profundamente as idéias e a lógica dominantes; sem alterar, por conseqüência, os padrões de produção e de consumo; sem compreender que a natureza é um “capital” constituído de recursos, sistemas vivos e serviços do ecossistema e, não apenas, uma “externalidade” como conceitua a teoria econômica clássica.

 

É bem verdade que existem transformações em curso.

 

Porém, o caminho é longo. E não há outro, senão a reinvenção do futuro.

 

Para tanto, é importante chacoalhar as verdades estabelecidas e abandonar as idéias velhas sem medo do livre-pensar que é admitir: (a) o mundo sustentável já existe, basta olhar os ritmos e os processos da natureza; (b) é preciso construir a economia biomimética aquela que imita a natureza ao respeitar seu funcionamento, valorizar os seus serviços, tornar o “mundo fabricado” cada vez mais parecido com o “mundo nascido”, utilizar crescentemente os “materiais renascidos”; (c) a economia biomimética é aquela que produz cada vez mais com cada vez menos insumos; (d) a economia biomimética é aquela que repousa no principio segundo o qual a vida funciona, a natureza otimiza e a estupidez pessimiza.

 

De outra parte, cabe incorporar as idéias novas à política e à economia. Corajosamente, James Tobin, prêmio Nobel de economia, proclama: “a maximização do PIB não é um objetivo adequado da política” e, na mesma linha, o economista Roberto Reppeto vai mais longe ao afirmar: “pelo sistema atual de contabilidade nacional um país pode esgotar seus recursos naturais, destruir todas as suas florestas, erodir o solo, poluir os lençóis de água, exterminar peixes e animais silvestres, mesmo assim a sua renda nacional não será afetada enquanto estes ativos estiverem desaparecendo. Os resultados podem ser ganhos ilusórios em renda e perdas permanentes em riqueza”. 

 

Finalmente, cabe reverter a grave tendência que permeia as percepções equivocadas e que pode comprometer a construção do nosso futuro comum: o obscuro a gente acaba vendo cedo ou tarde; o óbvio parece que demora um pouco mais.

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