'Garimpeiros' do rio Guaire vivem do esgoto de Caracas

Bryan, de 23 anos, se emociona ao resgatar das águas negras um brinco dourado

| ter, 13/03/2018 - 17:20
Compartilhar:

 

Foto: FEDERICO PARRA Um homem busca objetos valiosos nas águas do rio Guaire, em Caracas, em 1º de fevereiro de 2018 Um homem busca objetos valiosos nas águas do rio Guaire, em Caracas, em 1º de fevereiro de 2018

O rio Guaire, destino do esgoto de Caracas, recebe diariamente dezenas de jovens em busca de joias perdidas para vender. Conseguir ouro é o sonho, mas um pedaço de fio de cobre já ajuda a diminuir a fome.

Bryan, de 23 anos, se emociona ao resgatar das águas negras um brinco dourado. Grupos de jovens como ele e inclusive crianças se concentram desde cedo em diferentes pontos do rio sujo que cruza a capital venezuelana, com a esperança de ter um golpe de sorte.

"Você tenta sobreviver. A situação está difícil", diz Bryan à AFP nas margens do Guaire, mostrando orgulhoso o que espera que seja uma joia. Mergulhados até a coxa, sem proteção, os "mineiros", como se autodenominam, colocam as mãos na água e esquadrinham até o entardecer entre os resíduos arrastados pelo rio.

Muitos carregam no pescoço um frasco de plástico, onde guardam as peças que pescam. Um anel de ouro de cinco gramas foi a melhor descoberta de Bryan em seis meses de imersões, mais rentáveis que seus empregos como padeiro e pedreiro.

Por uma peça como essa, conta, joalheiros e sucateiros pagam ao menos sete milhões de bolívares, 30 dólares no mercado negro. A renda mínima legal é de cerca de 6,5 dólares por mês nesse câmbio, que marca vários setores da economia. Mas eles podem passar semanas sem encontrar algo de valor.

"Às vezes paro de comer para dar comida a minha filha de três anos", conta. A alguns metros de distância, urubus se alimentam entre montanhas de lixo flutuante.

"Você se torna imune"

A possibilidade de infecções é uma ameaça. Bryan levanta suas mãos sujas e mostra uma pequena ferida no dedo, causada por um prego. A primeira vez que entrou no rio, ficou doente. "Passei três dias na cama, com febre. Depois você se torna imune ao Guaire", relata.

Ele deixou de trabalhar como padeiro e ajudante de construção ao ver como seu salário evaporava por uma hiperinflação que o FMI projeta em 13.000% para este ano. Segundo a ONG CENDA, que monitora o custo de vida, são necessários 20 salários mínimos para cobrir a cesta básica, difícil de completar, além disso, pela grave escassez de alimentos básicos e remédios.

A renda mínima (salário mais um vale-alimentação) permite comprar no máximo três quilos de carne de vaca. A pobreza afeta cada vez mais pessoas. À medida que as condições socioeconômicas se deterioram, os "mineiros" proliferam no Guaire e em outras correntes de águas residuais de Caracas.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) situava em 32,6% a pobreza e em 9,5% a pobreza extrema na Venezuela em 2014. Não cita estatísticas oficiais desde então, mas uma nova queda do PIB de 16,5% em 2017, segundo o FMI, faz temer uma situação pior.

Segundo um estudo das principais universidades do país, a pobreza extrema escalou para 61,2% em 2017, enquanto o governo a estima em 4,4%. Antonio, de 19 anos, diz que foi um dos primeiros "mineiros" a se lançar no canal, há três anos, e que "cada vez há mais gente" tentando a sorte dessa forma.

Ele denuncia que com frequência grupos de "mineiros" são detidos por militares da Guarda Nacional, transportados em veículos para controle da ordem pública e liberados horas depois. "Nos extorquem. Avaliam o que levamos e tiram de nós", assegura.

Quando chegam as chuvas, o rio cresce - chegando a transbordar em alguns casos - e torna a busca impossível. Em uma cheia súbita, "um colega foi levado pelo rio, e não voltamos a vê-lo", conta Antonio.

| | | Link:
Compartilhar:

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando