A eleição colocou o Congresso em clima de "fim de feira". O que antes era considerado um risco agora é admitido por líderes do Legislativo ouvidos pelo Estadão/Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado): os parlamentares devem deixar a análise de projetos polêmicos e reformas estruturantes para o ano que vem, enquanto se concentram na disputa de outubro e tentam atrair votos em seus redutos políticos.
Além de novas reformas terem sido praticamente enterradas, pautas de interesse do presidente Jair Bolsonaro (PL) também têm sido deixadas pelo caminho. Na semana passada, o governo sofreu uma derrota dupla na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado - senadores esvaziaram a reunião do colegiado e derrubaram a votação da reforma tributária e do projeto que flexibiliza o porte e a posse de armas de fogo no País.
##RECOMENDA##O próprio funcionamento do Congresso Nacional está em marcha lenta, com a Câmara dos Deputados e o Senado permitindo registro de presença de forma virtual e sessões semipresenciais, em que os parlamentares não precisam estar em Brasília para participar. Com isso, muitos aproveitam para percorrer seus redutos, em ritmo de campanha.
Uma das prioridades de Bolsonaro, o chamado pacote ambiental, que inclui projetos sobre temas como regularização fundiária, agrotóxicos e mineração em terras indígenas, parou após pressão de ambientalistas e de artistas. O próprio presidente da República admitiu o clima desfavorável ao citar essas propostas e as reformas econômicas. "O Parlamento dificilmente vai avançar em qualquer pauta importante no corrente ano", disse Bolsonaro durante uma entrevista.
Mas não são apenas os projetos de interesse do Planalto que estão emperrados. A oposição também enfrenta dificuldades. Na Câmara, foi rejeitado na semana passada um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do projeto das fake news, que criminaliza a disseminação de desinformação na internet e endurece regras para o funcionamento de redes sociais.
Em vitória para a ala governista, a proposta de acelerar a tramitação não passou por oito votos - foram 249 apoios, quando eram necessários 257. Caso o pedido fosse aprovado, o PL estaria pronto para ser votado no plenário.
Colegiados
O período eleitoral também afetou o funcionamento das comissões do Congresso responsáveis por analisar as propostas antes do plenário. A Câmara vem adiando a instalação desses grupos desde fevereiro. O Senado está com os colegiados em funcionamento, mas projetos de interesse dos parlamentares continuam sendo analisados diretamente pelo plenário, esvaziando o trabalho das comissões.
A discussão das regras e do Orçamento de 2023 só deve ocorrer após a eleição de outubro, já com a escolha do presidente e dos parlamentares definida nas urnas. Segundo parlamentares, a Comissão Mista de Orçamento (CMO), responsável por deliberar sobre os recursos federais, só deve ser instalada depois das eleições.
"No ano eleitoral, o pessoal não quer muito assumir uma comissão porque está preocupado em correr nas suas bases eleitorais para conseguir voto", disse o deputado Capitão Augusto (PL-SP), vice-líder do partido do presidente Jair Bolsonaro na Câmara.
O governo tentará aprovar algumas propostas por meio de medidas provisórias. Congressistas apontam a possibilidade de o Executivo agir para tentar incluir propostas de interesse próprio no conteúdo dessas medidas, como a MP que regulamenta o teletrabalho e a que autoriza empresas a adotarem programas como redução de jornada de trabalho e salários, estendendo flexibilizações iniciadas na pandemia.
O impasse eleitoral atingiu ainda as reformas tributária e administrativa. As duas propostas devem ficar penduradas e terão de ser negociadas por quem for eleito em outubro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), adotou a reforma tributária como bandeira de sua gestão à frente da Casa, mas enfrenta dificuldade até entre aliados para fazer o projeto andar.
Governistas querem fazer com a reforma tributária o que o ex-presidente Michel Temer (MDB) fez com a reforma da Previdência, deixando a discussão pronta para votação no mandato presidencial seguinte. "O que temos de estoque daqui para frente só são pautas que nos permitam diálogo e consenso", declarou o senador Carlos Viana (PSD-MG), líder do governo no Senado.