“Sente aí, puxe uma cadeira”, convida Seu José Marinho. O tempo passa mais devagar no número 334 da Rua Velha, no Centro do Recife, onde, há 40 anos, o velho barbeiro mantém praticamente intactos a decoração e os móveis originais da fundação de seu salão. Alheio à correria da cidade, ele acredita que “tudo mudou, menos a Rua Velha” e aguarda pacientemente a chegada dos clientes na porta do estabelecimento, sediado no térreo de um pequeno edifício conjugado.
“Não tem nada de moderno nessas casas. Até as casas que eram para gente pintar, feito você vê aqui no prédio, não estão pintadas, por causa da molecagem que risca”, comenta Marinho. Um dos poucos negócios que permaneceram funcionando na Rua Velha, o Salão Marinho, segundo seu fundador, deve a manutenção de suas atividades à sua experiência na arte da barbearia. “Esse tipo de negócio caiu muito. Só sobreviveram aqueles que já têm um certo conhecimento e clientes fixos, principalmente numa rua como essa. Não chega ninguém, está vendo?”, aponta para os comércios vizinhos.
##RECOMENDA##
Cinquentenárias, cadeiras do barbeiro são atração a parte. (Chico Peixoto/LeiaJá/Imagens)
Nem sempre foi assim. A pompa e a elegância do ofício da barbearia foram justamente as razões que atraíram Seu Marinho para a profissão. “Eu tinha uns 18 anos e trabalhava no Art-Palácio (antigo cinema). Em dia de chuva, enquanto eu estava todo molhado, carregando um monte de coisa pesada, vi um grupo de barbeiros saindo da sessão, todos de paletó e gravata e os sapatos engraxados. Aí pensei: vou aprender essa profissão”, lembra.
Elegância: barbeiros atendiam seus clientes com trajes finos. (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)
O jovem Marinho juntou os trocados que ganhara no cinema e comprou os equipamentos necessários. “Tesoura, máquina manual e navalha. Cheguei na casa da minha tia, que ficava em Cavaleiro, arrumei um pano, uma cadeira e botei no terreiro. ‘Quer cortar o cabelo’, chamava todo menino que passava, todos pobres”, conta. Naquele dia, Marinho atendeu seus três primeiros clientes. “O pai de um deles veio me perguntar quanto era e respondi que ainda estava aprendendo e ele desse quanto pudesse. Aí ele me entregou uma certa quantia e fiquei tão contente…”, completa.
Fazendo o gostava, demorou apenas uma semana para que Marinho, por intermédio da irmã, conseguisse seu primeiro emprego como barbeiro. “Ela comentou, num salão que frequentava, que eu estava começando a trabalhar como barbeiro. A dona me chamou para trabalhar lá. Peguei uma sacola, botei minhas coisas e quando cheguei lá, não sabia nem movimentar a cadeira, então passei o dia todo vendo os outros a manusearem”, brinca. Depois, viriam passagens em barbearias nas Ruas da Conceição, da Matriz, até a mudança para o negócio próprio, na Gervásio Pires. “Três anos depois, o dono pediu o prédio e todos os lojistas tiveram que sair. Com os 3,5 mil cruzeiros que ganhei dele, me mudei para a Rua Velha”, conclui.
No atual endereço, acompanhou as mudanças da cidade e da moda, dos cabeludos hippies ao atuais “lumberssexuais”, como são conhecidos os rapazes que adotam o estilo lenhador, com a barba grande e bem cortada. “Na década de 1960, quase mudei de profissão. O pessoal só queria cabelo grande sem barba, por causa de Roberto Carlos. Isso atrapalhou todo mundo”, lembra. Deixando ele próprio a tradicional bata branca dos antigos barbeiros de lado, Seu Marinho acredita que os novos modismos masculinos voltam a impulsionar o ramo. “Tem muita gente nova. A maioria desses salões não sabe desenhar barba direito. Nossa diferença é que fazemos cortes mais tradicionais”, afirma.
De pai para filho
Filho mantém a tradição de José Marinho, priorizando cortes tradicionais. (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)
O estilo mais discreto do corte é o que atrai o militar da reserva Erastro Trajano ao Salão Marinho, do qual é cliente há cerca de 15 anos. Para ele, o estabelecimento guarda intacta uma parte de sua história. “Minha sogra morou aqui na Rua Velha, então era caminho vir para cá. Muitas vezes dividi meus problemas com Marinho. Temos uma relação de confiança, não tem problema de sair daqui e ele espalhar as coisas”, conta. Para muitos outros clientes, a cadeira Ferrante de 50 anos de idade, funciona também como divã. “Muitos me dizem: ‘Marinho, vou falar uma coisa a você porque não tenho com quem desabafar’. Eu nunca disse a ninguém. Infelizmente, virei baú”, comenta Marinho.
Seu Marinho: o barbeiro da Rua Velha
[@#video#@]
Com a espuma própria para barbearia, Erastro aguarda por Hélio Marinho. “Hoje em dia, o que me atrai é um serviço mais calmo. Além disso, o filho dele mantém uma linha mais tradicional”, comenta. Com problemas na vista, Seu Marinho só frequenta o Salão duas ou três vezes por semana, legando ao filho a incumbência de tocar o negócio. “Eu continuo porque desde pequeno ele me ensina a barbearia, aprendi e gostei da profissão. Muito bom ”, comemora.