Perfil Dona Nilza

por Karolina Pacheco | ter, 06/03/2012 - 13:03
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Mulher

Dona

Nilza

“A minha mãe nunca trabalhou na vida. Ela sempre dependeu dele (do pai). E aquilo ali me angustiava. De vê-la pedir e ele perguntar aquela clássica pergunta: ‘pra quê? ’. Aí eu disse: esse ‘pra quê’ não vai ter na minha vida”. 

 

A angústia que dona Adilza sentiu dentro de sua própria casa, enquanto adolescente, foi a motivação que a levou a buscar sua própria identidade e independência. Em meados da década de 60, quando em Barreiros, sua cidade natal, a sociedade patriarcal dominava e regia as famílias, ela optou por fazer seu próprio caminho.

Aos 23 anos Adilza Machado Freire, recém formada em técnico agrícola, mudou-se com sua família para a cidade. Seus pais, Iracema e Manoel, acreditavam que em Recife os cinco filhos teriam mais possibilidades de vencer na vida. A capital pernambucana oferecia a possibilidade de estudo e emprego para ela e pros seus irmãos. O sonho de Adilza era fazer odontologia, porém o curso de secretariado pareceu mais acessível, já ela tinha que trabalhar para garantir o sustento. O curso de odontologia necessitava de dedicação integral, enquanto  que o Secretariado a permitia mesclar estudo e trabalho.

Foi assim que trabalhando como secretaria na IBM Brasil, empresa localizada no centro do Recife, Adilza lutou por sua idependência. Comprou carro e apartamento. Nessa época ela tinha se apaixonado pelo homem que viria ser o pai de suas filhas. Para morar com ele, fez questão de que o apartamento fosse comprado por ela. Seria uma garantia de segurança para o futuro incerto. Aos 35 anos engravidou da primeira filha, Érica, e o relacionamento familiar era excelente. Na segunda gravidez se separou. Não aguentou conviver com o marido, que era alcoólatra. Sozinha e com duas meninas ela foi a luta e hoje se sente realizada.

A senhora veio de Barreiros, uma cidade pequena, numa época que as mulheres não se viam ainda como autossuficientes. Como você avalia isso?

Poucas pessoas em Barreiros saíam para estudar. Ficavam por lá, casavam, os filhos ficavam ali... e daquele marasmo da vida não saiam. Naquela época que eu vivi a independência era difícil. Hoje é mais fácil, você tem sua independência, ganha seu dinheiro. Todo mundo trabalha novo, os locais para trabalhar já estão mais abertos pras mulheres, não é difícil como meu tempo. Mas aí eu fui à luta pra vencer, eu não aceitava estar dependendo de ninguém.

A senhora contou que sonhava em ser independente. Como planejou sua vida?

Eu não queria depender de ninguém. Eu sempre fui à luta. Casamento de pedir não era pra mim. Eu queria ter. Então primeiro me estruturei, pra depois ter a pessoa, paquerar... Quando me estruturei, que eu podia ter minhas filhas, ser independente, qualquer filho que eu tivesse eu podia sustentar independente da outra pessoa ajudar ou não, eu podia manter as minhas filhas.

Quando eu me separei estava grávida de cinco meses da segunda filha. Eu disse ‘não dá mais’. Naquela época eu não entendia muito, mas Deus me ajudou e o levou pra Manaus. Eu me livrei dele estar na minha porta todo dia, me criando problemas. Na época morávamos os três. E eu com Fabíola na barriga. Ele tinha esse problema, bebia muito. Eu não bebo, nem fumo. Na minha casa não tem bebida. Não gosto de fumo, nem de bebida e ele fazia as duas coisas: bebia e fumava, chegava tarde. Eu não tinha a segurança, ele tinha muitos amigos, eu me via como segunda opção. No começo tudo era fácil, eram flores. Depois as flores começam a cair, os espinhos começam a nascer.

Depois que a senhora se viu sozinha. O que pensou?

Eu tinha duas filhas e me garantia. Eu sabia que poderia cuidar delas e sustentá-las. Dali pra frente era impraticável ter mais filho. Principalmente pela idade. Já fui ter filho madura pra eu poder ter direito, nasci no interior, numa vida muito presa. Eu não conhecia tudo, então eu precisava viver primeiro. Fui trabalhar, comprei carro, apartamento, fiz minhas economias para ter o meu lugar... fui trabalhando e vivendo. Então, quando ele se foi não podia me ver no mundo perdida, por mais que eu estivesse sem eixo. Eu tinha que olhar por mim e pelo que eu tinha. Se eu botei no mundo, eu tinha que assumir. Eu não ia num lado nem do outro da família buscar nada. Eu me virava com o que eu tinha.

Como foi pra senhora sustentar as duas filhas, sozinha? Teve alguma dificuldade?

Menina gasta muito mais do que menino. E ainda tive problemas na época de Collor, de meu dinheiro ficar retido e eu tive que me virar. Até bolo, empada. Eu fiz salgadinho e fui vender no Parque da Jaqueira com elas (as filhas) pequenas. Em alguns momentos batia a dúvida e eu pensava ‘será que dá ou não dá?’. Mas tinha que dar. Se não acreditasse em mim eu podia contar com quem? Não podia contar com ele. Felizmente tinha meu emprego e minha casa.

Hoje a senhora é aposentada. Goza de tranquilidade na vida. Está satisfeita e se sente feliz?

Isso pra mim é uma vitória. Hoje se me perguntarem "como é que a senhora se sente?", eu digo ‘realizadíssima. Por lutar, por ter duas filhas e hoje as duas estarem formadas. Fazer as coisas que elas quiseram fazer. Fizeram exatamente o que elas escolheram. Eu disse ‘cada uma vai fazer o curso que quer fazer e não aquilo que eu gostaria de ter feito. Eu preciso de profissionais realizadas e não frustradas’. Fiz secretariado porque eu tinha que ter como me sustentar. E elas não, cada uma fez aquilo que queria fazer. Criei minhas filhas com independência. Hoje eu digo pra elas: ‘Vocês primeiro trabalham, se autossustentam. Depois vocês casam’. Foi o que deu certo pra mim. Depender de pensão alimentícia pra mim era a pior coisa do mundo.

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