A Sociedade Brasileira de Hansenologia aponta que não existia nenhum embasamento científico para o isolamento no intuito de controlar a transmissão da doença. Sabia-se apenas que o contágio era feito de indivíduo doente para indivíduo sadio. Porém, os meios de transmissão ainda não estavam totalmente claros.
Atualmente, os casos ainda são muitos. Em 2016, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 143 países reportaram 214.783 casos novos de hanseníase, o que representa uma taxa de detecção de 2,9 casos por 100 mil habitantes. No Brasil, no mesmo ano, foram notificados 25.218 casos novos, uma taxa de detecção de 12,2 a cada 100 mil habitantes. Esses parâmetros classificam o país como de alta carga para a doença, sendo o segundo com o maior número de casos novos registrados no mundo. O Morhan aponta que uma das maiores dificuldades para essa diminuição é o preconceito, ainda muito latente.
##RECOMENDA##Segundo Erving Goffman, pesquisador autor de "Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada" (1988), cada sociedade estabelece para seus membros os atributos que ela considera como comuns, aceitáveis. O autor complementa que as relações sociais são mediadas por esses atributos e quando somos apresentados a alguém, a pessoa é avaliada segundo tais códigos sociais e categorias específicas.
Quando esse "estranho" não corresponde aos padrões e códigos, logo é enquadrado numa categoria rebaixada, sendo classificado como inferior. Goffman relaciona três tipos de estigma. Em primeiro lugar, as chamadas ‘abominações do corpo’ – relativo às várias deformidades físicas. Em segundo, as culpas ou distúrbios de caráter mental. E, finalmente, os estigmas de raça, nação, religião.
A ‘lepra’ se enquadraria no primeiro tipo de estigma. Mesmo nem todos os doentes apresentarem sintomas aparentes da doença (lesões físicas). Mesmo assim, o passado histórico e sua referência bíblica a caracterizam como uma ‘abominação do corpo’.
Os olhares da sociedade distanciavam cada vez mais os internos de uma realidade próxima a normalidade. Ao mesmo tempo em que essas práticas de exclusão iam sendo impostas, táticas de resistência eram inventadas cotidianamente por esses doentes para escaparem dessa rede de exclusão. Muitos não aguentavam a vida dentro do hospital-colônia e fugiam.
Thiago Flores, diretor do Morhan, alega que tudo não passou de uma crime de estado, além da dor e sofrimento. "O brasil desde 1968 não poderia mais seprar compulsoriamente pessoas com hanseniase e nem isolar os seus filhos. Mas ao contrário da lei, até o ano de 1986 as pessoas com hanseníase eram obrigadas a viverem isoladas nas colônias do país", denunciou.
Frei Guido, o homem mais respeitado da Mirueira
Quadro do Frei Guido pendurado na sede do Centro Social da Mirueira. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
O religioso franciscano Frei Guido Fiekers contriu a hanseníase quando participava de uma caravana missionário no norte do Brasil. Ele decidiu se tratar e logo foi transferido para a então Colônia da Mirueira. Passou a morar na Vila dos Casados do hospital. O Franciscano encontrou uma realidade desafiadora, um ambiente de pobreza, cenário de grandes dramas sociais.
O alemão deu início a uma ação pastoral interna. Realizava celebrações na própria residência, catequizava e ajudava na alimentação de alguns carentes. Ele optou por permanecer na Colônia mesmo depois de sua liberação hospitalar. Em 1967, é nomeado Capelão do Sanatório Padre Antônio Manoel, passa a morar junto ao pórtico principal do hospital, próximo a igreja, numa pequena casa, depois reformada e designada Residência do Capelão. Reformou a entrada da igreja, com intuito de facilitar aos doentes com sequelas motoras, o acesso aos atos religiosos ali celebrados.
Frei Guido também foi responsável por ajudar os pais a localizar os filhos afastados. Muitas vezes doava terrenos para que as famílias pudessem buscar as crianças e começar uma nova vida. Fundou uma escola no bairro da Mirueira porque os filhos dos internos não podiam estudar nos colégios tradicionais por causa do preconceito. Havia, naquele tempo, medo de contágio e isso causava uma forte discriminação e rejeição aos que de alguma forma eram atingidos pela doença.
Frei Guido criou em março de 1970 a Escola Centro Social da Mirueira, que oferecia material didático, fardamento e merenda a seus alunos. Em 31 de maio de 1980, Frei Guido vem a falecer de infarto em sua residência, dentro do Hospital da Mirueira. Dois anos depois, a Escola fundada por ele, recebe o nome de Grupo Escolar Frei Guido.
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Não há respeito nem a memória dos enterrados no cemitério do hospital Atualmente o Hospital Geral da Mirueira, apesar de ainda ser considerado referência no atendimento à hanseníase, também realiza o tratamento para recuperação do alcoolismo.
O enfermeiro Randal Medeiros, coordenador do Morhan Recife. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens
Para Randal Medeiros, coordenador do Morhan, o tratamento para os hansenianos deixa a desejar. Ele aponta que o centro médico não disponibiliza as melhores condições para os pacientes.
"Não há ambulatório estruturado, o local de internação é precário e pode perceber que as alas de hanseníase ficam bem no fim do hospital. Eles agoram atuam na questão do álcool porque é o que dá mais dinheiro. A gente percebe que há um abandono por lá, o mato muito grande e parece que a história vai se apagando aos poucos", destaca Randal.
No cemitério, onde as memórias deveriam ser preservadas com dignidade, o cenário de abandono é visível. Lápides com muitas pixações, sem os devidos nomes dos que já partiram. O mato tomou conta do local que parece não passar por uma obra de preservação há anos. O local do velório não existe mais.
Apesar do abandono, os pacientes que restaram fazem questão de serem enterrados lá. Querem descansar ao lado de seus companheiros de vida. A gestão do hospital coloca a culpa no município e vice-versa. Não bastasse o sofrimento cometido contra essas pessoas em vida, a morte também parece ser uma dificuldade.
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"O passado presente presente e a dor do afastamento pela hanseníase"
"Helena Bueno, afastada de seus pais no dia do nascimento"
"Achei que nunca mais ia rever meus filhos", assume mãe
"Maus-tratos e abusos eram práticas comuns no orfanato"