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A Justiça Federal do Rio de Janeiro deferiu uma liminar proibindo o presidente Jair Bolsonaro (PL) a usar o termo “lepra” e seus derivados para se referir à hanseníase e pessoas acometidas pela doença. A decisão é do juiz Fabio Tenenblat, da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e atende a uma ação impetrada pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN). A decisão liminar foi tomada no último sábado (15) e o LeiaJá teve acesso ao documento.

Em passagem por Chapecó, no dia 20 de dezembro do ano passado, o presidente usou os termos “lepra” e “leproso” em seu discurso. “Quem já leu ou viu filmes daquela época, quando Cristo nasceu, o grande mal daquele momento era a lepra. O leproso era isolado, distância dele. Hoje em dia, temos lepra também, continua, mas o mundo não acabou naquele momento”, afirmou na ocasião, ao tratar sobre a “demora da ciência” diante de algumas doenças.

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De acordo com a ação impetrada pela MORHAN, “desde 1995 com a Lei nº 9.010, a utilização dos termos 'lepra' e 'leproso' está proibida pois remota à discriminação sofridas pelas pessoas atingidas pela Hanseníase ao longo da sua história.” O documento, assinado pelo advogado do movimento Carlos Nicodemos, pede que o presidente se abstenha do uso dos termos, bem como outros membros da gestão federal, e estipula uma multa de R$ 50 mil por dia em caso de descumprimento.

“A violação a Lei Federal está concretizada pela fala do Presidente, que ainda desrespeita a dignidade humana das pessoas atingidas pela hanseníase, a memória dessa comunidade e causa retrocesso na luta de seus direitos”, alega a ação.

A decisão

Na decisão, o juiz Fabio Tenenblat atende parcialmente a ação proibindo o uso dos termos e determinando que seja instaurada uma investigação caso servidores federais o façam. Contudo, o juiz nega a aplicação de multa.

“Há perigo de dano na não observância da terminologia oficial prevista na Lei nº 9.010/1995, considerando a histórica dívida que a sociedade tem com as pessoas atingidas pela hanseníase e, mais do que isso, os abalos psicológicos causados pelo uso de termos estigmatizantes e discriminatórios por autoridades públicas”, argumenta o juiz na decisão.

"Deixo, por ora, de estabelecer multa, pois não há sentido em se presumir que haverá reiteração no descumprimento da legislação por parte de autoridades federais", emenda o magistrado.

O MORHAN

O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase foi fundado em 1981, como uma associação civil, e hoje tem como finalidade “promover medidas educativas que visem à prevenção, diagnóstico precoce, tratamento, reabilitação, promoção social, conscientização, preservação e resgate da cidadania da pessoa atingida pela hanseníase, objetivando a sua completa reintegração social”. O MORHAN é coordenado nacionalmente por Artur Custódio.

A Sociedade Brasileira de Hansenologia aponta que não existia nenhum embasamento científico para o isolamento no intuito de controlar a transmissão da doença. Sabia-se apenas que o contágio era feito de indivíduo doente para indivíduo sadio. Porém, os meios de transmissão ainda não estavam totalmente claros.

Atualmente, os casos ainda são muitos. Em 2016, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 143 países reportaram 214.783 casos novos de hanseníase, o que representa uma taxa de detecção de 2,9 casos por 100 mil habitantes. No Brasil, no mesmo ano, foram notificados 25.218 casos novos, uma taxa de detecção de 12,2 a cada 100 mil habitantes. Esses parâmetros classificam o país como de alta carga para a doença, sendo o segundo com o maior número de casos novos registrados no mundo. O Morhan aponta que uma das maiores dificuldades para essa diminuição é o preconceito, ainda muito latente.

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Segundo Erving Goffman, pesquisador autor de "Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada" (1988), cada sociedade estabelece para seus membros os atributos que ela considera como comuns, aceitáveis. O autor complementa que as relações sociais são mediadas por esses atributos e quando somos apresentados a alguém, a pessoa é avaliada segundo tais códigos sociais e categorias específicas.

Quando esse "estranho" não corresponde aos padrões e códigos, logo é enquadrado numa categoria rebaixada, sendo classificado como inferior. Goffman relaciona três tipos de estigma. Em primeiro lugar, as chamadas ‘abominações do corpo’ – relativo às várias deformidades físicas. Em segundo, as culpas ou distúrbios de caráter mental. E, finalmente, os estigmas de raça, nação, religião.

A ‘lepra’ se enquadraria no primeiro tipo de estigma. Mesmo nem todos os doentes apresentarem sintomas aparentes da doença (lesões físicas). Mesmo assim, o passado histórico e sua referência bíblica a caracterizam como uma ‘abominação do corpo’.

Os olhares da sociedade distanciavam cada vez mais os internos de uma realidade próxima a normalidade. Ao mesmo tempo em que essas práticas de exclusão iam sendo impostas, táticas de resistência eram inventadas cotidianamente por esses doentes para escaparem dessa rede de exclusão. Muitos não aguentavam a vida dentro do hospital-colônia e fugiam.

Thiago Flores, diretor do Morhan, alega que tudo não passou de uma crime de estado, além da dor e sofrimento. "O brasil desde 1968 não poderia mais seprar compulsoriamente pessoas com hanseniase e nem isolar os seus filhos. Mas ao contrário da lei, até o ano de 1986 as pessoas com hanseníase eram obrigadas a viverem isoladas nas colônias do país", denunciou.

Frei Guido, o homem mais respeitado da Mirueira

Quadro do Frei Guido pendurado na sede do Centro Social da Mirueira. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O religioso franciscano Frei Guido Fiekers contriu a hanseníase quando participava de uma caravana missionário no norte do Brasil. Ele decidiu se tratar e logo foi transferido para a então Colônia da Mirueira. Passou a morar na Vila dos Casados do hospital. O Franciscano encontrou uma realidade desafiadora, um ambiente de pobreza, cenário de grandes dramas sociais.

O alemão deu início a uma ação pastoral interna. Realizava celebrações na própria residência, catequizava e ajudava na alimentação de alguns carentes. Ele optou por permanecer na Colônia mesmo depois de sua liberação hospitalar. Em 1967, é nomeado Capelão do Sanatório Padre Antônio Manoel, passa a morar junto ao pórtico principal do hospital, próximo a igreja, numa pequena casa, depois reformada e designada Residência do Capelão. Reformou a entrada da igreja, com intuito de facilitar aos doentes com sequelas motoras, o acesso aos atos religiosos ali celebrados.

Frei Guido também foi responsável por ajudar os pais a localizar os filhos afastados. Muitas vezes doava terrenos para que as famílias pudessem buscar as crianças e começar uma nova vida. Fundou uma escola no bairro da Mirueira porque os filhos dos internos não podiam estudar nos colégios tradicionais por causa do preconceito. Havia, naquele tempo, medo de contágio e isso causava uma forte discriminação e rejeição aos que de alguma forma eram atingidos pela doença.

Frei Guido criou em março de 1970 a Escola Centro Social da Mirueira, que oferecia material didático, fardamento e merenda a seus alunos. Em 31 de maio de 1980, Frei Guido vem a falecer de infarto em sua residência, dentro do Hospital da Mirueira. Dois anos depois, a Escola fundada por ele, recebe o nome de Grupo Escolar Frei Guido.

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Não há respeito nem a memória dos enterrados no cemitério do hospital Atualmente o Hospital Geral da Mirueira, apesar de ainda ser considerado referência no atendimento à hanseníase, também realiza o tratamento para recuperação do alcoolismo.

O enfermeiro Randal Medeiros, coordenador do Morhan Recife. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Para Randal Medeiros, coordenador do Morhan, o tratamento para os hansenianos deixa a desejar. Ele aponta que o centro médico não disponibiliza as melhores condições para os pacientes.

"Não há ambulatório estruturado, o local de internação é precário e pode perceber que as alas de hanseníase ficam bem no fim do hospital. Eles agoram atuam na questão do álcool porque é o que dá mais dinheiro. A gente percebe que há um abandono por lá, o mato muito grande e parece que a história vai se apagando aos poucos", destaca Randal.

No cemitério, onde as memórias deveriam ser preservadas com dignidade, o cenário de abandono é visível. Lápides com muitas pixações, sem os devidos nomes dos que já partiram. O mato tomou conta do local que parece não passar por uma obra de preservação há anos. O local do velório não existe mais.

Apesar do abandono, os pacientes que restaram fazem questão de serem enterrados lá. Querem descansar ao lado de seus companheiros de vida. A gestão do hospital coloca a culpa no município e vice-versa. Não bastasse o sofrimento cometido contra essas pessoas em vida, a morte também parece ser uma dificuldade.

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Zilda Pereira da Silva, 69, não se lembra do começo de sua vida. A primeira recordação é ao acordar no Instituto Guararapes, que ficava localizado no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife. O preventório é para onde as crianças afastadas dos pais eram encaminhadas pelo Estado. Atualmente a sede do instituto está sob responsabilidade da Igreja Católica e o orfanato não funciona mais.

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Ela chegou por lá ainda bebê e diz que no início a rotina era normal. Eles podiam brincar, tinham aulas e conviviam bem. Mas, bastava uma criança fazer algo fora da curva que ela já era espancada e castigada de forma severa. Nas palavras de Zilda é possível perceber que ela ainda não sabe a gravidade do que passou naquele local, quando estava sob responsabilidade do governo. Afirma não ser sido humilhada, mas conta que era torturada pelas mulheres que trabalhavam no local.

“Elas batiam nas nossa cabeça, esmurravam, e nos colocavam no milho para rezar”, detalhou. Um episódio que aconteceu no Instituto Guararapes causa problemas até hoje para Zilda, décadas depois. Ela estava no balanço brincando com os colegas e um garoto atirou em sua direção uma lata de doce, daquelas de ferro. “Ela pegou em cheio no meu dos meus peitos. Sangrou muito e inflamou, eu me lembro. Como ninguém tratou até hoje sou prejudicada, já fiz cirurgia e tomo muitas medicações porque dói muito, minha filha”.

Entrada do antigo Instituto Guarrapes, na Várzea. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

A aposentada nunca conseguiu conhecer a sua mãe. Parece que a história se repete em círculos. Ela também foi uma filha afastada dos braços maternos e imagina até hoje como teria sido uma vida diferente caso tivesse o apoio de uma mãe. Quando ficou mais velha descobriu como a mãe morreu e o trauma só aumentou.

“Foi assim minha filha, ela vivia aqui dentro da Mirueira internada. Aqui eles casavam e tinham filhos porque só podiam conviver entre eles. Ela não sabia que estava grávida e mandaram ela pra uma hospital daqui de Paulista. Ela chegou lá e eles viram que ela ia ter o bebê. Mas olharam o prontuário dela e viram que era hanseniana. Não sei se ficaram com medo, mas não fizeram nada e ela continuou sangrando. Mandaram a minha mãe de volta para a Mirueira e ela, não sei ao certo, não conseguiu parir. O meu irmão nasceu deformado e morreu. Ela também morreu, muito jovem”, chora Zilda ao argumentar que a mãe não teve os cuidados necessários que um ser humanos precisa.

Zilda conseguiu sair do Instituto Guararapes só aos 18 anos e foi morar com uma familiar. Ela entrava escondido no hospital para conversar com o pai e teve tempo de conhecê-lo. Sua vida também girou em torno da região do bairro da Mirueira e é assim até hoje. Casou, teve filhos, uma delas também foi diagnosticada com hanseníase, mas se tratou e vive saudável. Ela nunca conseguiu criar os filhos devido as condições financeiras. “Meu sonho era tê-los criado, mas não deu. Pelo menos estão bem e com saúde”, disse aliviada, enquanto se despede e pergunta se a entrevista pode ajudá-la de alguma forma.

Zilda também participa de reuniões com outros filhos separados com o intuito de lutar por uma indenização pelos danos causados pela seu afastamento dos familiares. Ela exita em culpar o estado, o hospital ou a direção do Instituto Guararapes. Acredita que tudo acontece por um motivo e que deus só dá o fardo para quem pode aguentar. Mas, se questionada sobre as violências sofridas por toda uma vida, as memórias ressurgem e ela fala como se tudo tivesse acontecido ontem.

Casa onde funcionava a antiga maternidade do Hospital da Mirueira. Hoje o local foi reformado e é utilizado para fins administrativos. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Ao entramos no hospital, atualmente com cerca de 11 hectares de terra, nos deparamos com um local que parece não ter fim. É imenso. Ladeiras, igrejas, muito mato e funcionários para todos os lados. No fim da rua principal fica o espaço destinado aos últimos moradores que também são pacientes. Ficaram por lá porque já são idosos e não têm mais familiares dispostos a cuidar da enfermidade. Do período da compulsoriedade ainda residem na área asilar 23 pacientes.

Já aposentada, Maria José de Souza, 70, chegou no auge de sua vida ao hospital. Não se lembra com clareza dos números, mas desconfia que tinha vinte anos. Ela estava grávida da terceira filha, as duas primeiras já não tinham convivência com ela e foram morar em São Paulo com a família do pai.

Diagnosticada com hanseníase, ela sabia que ao ter o neném não poderia ficar com a filha para criar, um sonho antigo. Mas também não imaginava que ela lhe fosse tirada exatamente no mesmo dia em que nasceu. Ela conta que pariu na maternidade da Mirueira e só conheceu a criança um mês depois, após conseguir uma licença e ir visitá-la na Várzea. E foi assim por anos. Visitas esporádicas e uma relação abalada.

Maria José recebe ligações às vezes das filhas, mas é nas novelas que se apega. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Ela mora sozinha uma casa simples dentro do condomínio ‘Gil de Campos’, onde pacientes mais antigos residem. Recentemente pintou a casa toda de cor de rosa para ficar charmoso. Por muito tempo fez questão de cozinhar sua própria comida, mas pelas limitações físicas Maria José aguarda rotineiramente pela alimentação que já vem preparada da enfermaria. Recebe ligações às vezes das filhas, mas é nas novelas que se apega. “Gosto de assistir porque é a única coisa que me restou para fazer”, disse.

Durante a tarde, conversa com o vizinho na calçada e observa a antiga praça onde viveu momentos marcantes ao lado dos amigos também internos. Ela se locomove com uma cadeira de rodas improvisada feita de madeira e com rodinhas de poltronas de escritório. É da cama para a porta de casa e vice versa todos os dias. O tom de saudosismo e os olhos marejados aparecem quando ela relembra as décadas passadas.

“Aqui tinha festa para toda época do ano. A gente vivia isolado, mas tinha muitas pessoas, mais de 400. Era uma cidade, tinha festa de são joão, nessa época mesmo as bandeirinhas já estavam penduradas por aí. Tinha quadrilha, comida e muita música. A gente era feliz, apesar de tudo. Hoje em dia é assim. Um silêncio absoluto”, destacou Maria.

Única fotografia mais jovem que guardou. Nessa época ela já estava internada na Mirueira. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Um pouco mais a frente da casa de Maria José, na praça que hoje se encontra mal cuidada, uma senhora tira um pano do bolso e enxuga a testa de tanto suor. Ela está vestida com uma roupa azul e chapéu para se proteger do sol forte, quando o relógio se aproxima das 15h. Caminha de um lado para o outro limpando o mato com uma vassoura de jardim metálica e ao ser chamado diversas vezes por uma das colegas, prefere não olhar e continua o serviço.

Após a insistência, Carmem Lúcia Cavalcanti, 54, decide parar por alguns segundos e topa conversar um pouco desde que não a atrase nos afazeres. Ela trabalha como ajudante de serviços gerais no Hospital da Mirueira há mais de trinta anos. Coleciona histórias do que já fez pelo local e diz que é feliz trabalhando na colônia, apesar do salário ser pouco e atrasar muito.

Prefere ser chamada de ‘Cainha’ porque não gosta do seu nome. Ela nasceu na Paraíba e ainda muito garota sua família descobriu que ela tinha hanseníase. Foi morar na ala dos doentes no Instituto Guararapes porque não podia ficar mais em casa para não passar a doença aos irmãos.

Cainha trabalha no hospital há mais de trinta anos. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O pai descobriu a doença quando retornou no quartel e foi transferido para a Mirueira. “Ele não podia ficar com a gente porque o tratamento só era feito se ele estivesse internado. A mãe de Cainha tinha cinco filhos, dois deles também fizeram o procedimento médico e o resultado deu positivo para hanseníase. Clóvis e Cainha foram ainda jovens morar no preventório, na Várzea.

“Se eu tivesse um filho hoje com esse mesmo problema eu nunca internaria eles lá. Foi a pior fase da minha vida”, relembrou. Ela chegou com oito anos e saiu aos 19. O discurso é o mesmo de quase todos que passaram por ali. Sofrimento, tortura e muitos castigos.

Antigo pavilhão onde ficavam os dormitórios no Instituto Guararapes. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Os quartos das crianças com hanseníase era isolado dos outros para não correr o risco da disseminação da doença. Cainha também sempre sofreu de esquizofrenia e precisava tomar remédios controlados. Quase sempre fazia xixi na cama e como castigo, dormia no chão porque a cama estava molhada.

Quando recebia visitas da mãe, sempre chorava e pedia para voltar para casa. Anos afastada da família, Cainha garante que não houve um dia sequer que não sonhou com a volta para a casa. No ano em que o pai já estava melhor de saúde, comprou uma casa no bairro da Mirueira e trouxe a esposa e parte da família. “Foi quando a minha mãe veio buscar a gente, eu e meu irmão”.

Ao reencontrar a família dos vinte anos em diante, sentiu o que era um vínculo familiar pela primeira vez. Conseguiu ainda jovem um emprego no Hospital da Mirueira, onde ela e seu pai se tratavam.

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Antônio José Cisneiros ainda criança no preventório. Foto: Arquivo Pessoal

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Antônio José foi afastado dos pais e só conviveu três meses com a mãe. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Antônio José Cisneiros, 75, passou doze anos da vida no Instituto Guararapes. Foi mais uma criança separada da mãe e do pai, que permaneceram internados no hospital. Só conviveu com a mãe por três meses, ela veio a falecer noventa dias após ele sair do orfanato. Conversava com ela pessoalmente e nunca se esqueceu das lembranças daquele tempo.

Passou anos morando na rua e passando fome, após ser retirado do orfanato por uma suposta tia, que o fazia de empregado. Vendeu jornal, fez biscaite e a vida só melhorou quando aprendeu a dirigir e um conhecido lhe ofereceu um emprego para trabalhar de motorista. Ele foi empregado pelo governo do estado e passou a dirigir o carro do Hospital da Mirueira.

Ao lado da filha Irene Lopes, 49, José relembrou as etapas vencidas de sua trajetória. Conviveu com o pai durante alguns anos quando dirigia para o hospital e guarda ótimas lembranças. O tempo que passou no Instituto Guararapes ainda provoca arrepios pelo tratamento que sofreu.

Irene ao lado do pai. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens

Thiago Flores, diretor nacional do Morhan, Diretoria Jurídica e Diretoria de Filhos Separados, luta também para que os filhos afastados ganhem uma indenização do governo. “É aos moldes da Indenização da Lei 11.520/07, ao qual indeniza todas as pessoas com hanseníase no Brasil que foram separadas compulsoriamente, essa luta tem 9 anos e ninguém ainda foi indenizado, não existe ainda a lei. Alguns filhos já entraram na justiça pedindo danos morais, mas o tempo é um dificultador, a maioria dos magistrados consideram que os "crimes" estão prescritos.”, explicou.

Pai de cinco filhos e casado desde 1964, Antônio ainda espera receber a indenização em vida. "Quando chega dia de finados, eu venho ao hospital para acender velas. Eles estão enterrados aí. Esse dinheiro não vai pagar o sofrimento, mas é justo que a gente receba pelos danos", comentou. 

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Deitado em uma cama dentro da enfermaria para hansenianos no Hospital da Mirueira, o aposentado José Ancelmo, 80, é integrante do pequeno grupo que restou por lá. Um papel ofício colado na parede ao seu lado o identifica de longe. Com letras escritas por um hidrocor preto, qualquer pessoa ao entrar na sala já sabe quem é aquele senhor. O procedimento é praxe para todos pacientes, mas não precisaria estar ali como auxílio para o lembrete. Todos no hospital conhecem seu Ancelmo e sua história de vida. Carismático e muito querido, o senhor é lembrado pela lucidez e simpatia para conversar com qualquer um, conhecido ou não.

Ancelmo é cego desde os 38 anos e também não pode mais se locomover sozinho. Por causa das consequências da hanseniase, precisou amputar os dois pés e as mãos ficaram sequelados e com tremores constantes. Ele está bem acomodado com uma fralda descartável e parece até que voltou a ser criança. Não fosse a tonelada de histórias que carrega, poderia voltar a ser um bebê.

Ele aproveitou a vida ao máximo até quando sua saúde permitiu. Gostava de tomar chopp em barzinhos, ouvir Nelson Gonçalves e dançar. A vida era um barato para Ancelmo, que antes mesmo de iniciar a conversa já canta versos que o fazem lembrar dos tempos da boemia, no centro do Recife.

Senhor,
Aqui estou eu de joelhos
Trazendo os olhos vermelhos
De chorar, porque pequei

Senhor, 
Foi um erro de momento
Não cumpri o mandamento
O nono de vossa lei

Senhor,
Eu gostava tanto dela
Mas não sabia que ela
A um outro pertencia

Perdão,
Por este amor que foi cego
Por esta cruz que carrego
Dia e noite, noite e dia

Senhor,
Dai-me a vossa penitência
Quase sempre a inconsciência
Traz o remorso depois

Mandai,
Para este caso comum
Conformação para um
Felicidade pra dois...

É nas letras da canção 'Novo Mandamento', de Cauby Peixoto, que a memória se faz viva e presente. A juventude bem aproveitada orgulha Ancelmo, que também adorava dançar. 

Ancelmo entrou no hospital aos 16 anos, mas passou períodos morando nos arredores da região da Mirueira, quando tinha melhora. Depois adoecia novamente e aí voltava.  Ele é natural da Paraíba e nasceu na roça. Desde os cinco anos já aparentava estar doente, mas a família não sabia ao certo o que poderia ser. Um dia seu primo montou com ele em um cavalo e foram a um povoado próximo para o atendimento médico. 

Quando relembra deste dia, o senhor lamenta a humilhação sofrida. O médico explicou o que ele tinha e falou na frente de todos que ao retornar para sua casa, todos seus pertecens precisavam ser separados, até mesmo o copo de água. "Voltei chorando muito no cavalo, nunca tinha sido tratado daquele jeito", lamentou.

"Era 1954. Estava em casa sofrendo muito e meu cunhado me levou em Serra Branca. Fiquei aguardando o atendimento. O dono da farmácia me colocou logo na frente da fila porque eu estava muito doente. O médico mandou logo eu me afastar. Perguntou se eu tinha mãe ou pai. E continou escrevendo em um papel. Ele me entregou a receita médica e tinha que tomar cinco injeções todos os dias e eu saí chorando. Quando eu cheguei em casa e contei a minha mãe, ela disse para eu não me preocupar", detalhou Ancelmo.

Registro de um aniversário de Ancelmo. Ele canta ao lado de uma amiga. Foto: Arquivo Pessoal

Anos depois foi transferido para se tratar no Hospital Geral de Mirueira e entre as saídas e retornos, fez muitos amigos, conquistou corações e repensou a vida. “Sou internado há 64 anos e estou vivendo mais alegre e feliz”, disse.

Ancelmo conhece cada esquina do hospital. Mesmo após as reformas com o passar dos anos, ele ainda sabe onde cada instalação fica. Frequenta atualmente o centro espírita porque foi na religião que encontrou paz. 

Casou duas vezes. Com a segunda esposa, que também estava internada na colônia, teve uma filha. A criança nasceu no dia 8 de março de 1965 e no mesmo dia foi enviada ao preventório, como era o costume da época. . “Eu me arrependo de colocar a minha filha lá, mas não havia outra maneira. Eu já estava com uma condição física ruim e minha família era toda sertaneja, não tinha ninguém para tomar conta dela", afirmou. 

A pequena Dolores Anselmo Barbosa passou os primeiros anos de vida na Várzea. Os pais conseguiam tirar a licença vez ou outra para encontrá-la. Os internos podiam sair do hospital por algumas horas ou alguns dias. Bastava fazer os exames e ser detectado que estava “negativo”. O médico dava uma licença que valia mais do que qualquer outro documento. Esse papel dizia o tempo que os pacientes podiam ficar na rua. “Era um documento que se a gente fosse chamada atenção na rua, podíamos mostrar e ficava tudo bem", disse ele.

Na conversa, Ancelmo relembra o primeiro encontro com a filha, aos quatro anos. Ouça abaixo:

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Quando a criança completou onze anos, ele teve uma melhor condição e tirou a filha daquele local. "Ela não ficou aqui e foi morar na casa do meu enteado em Santo Amaro", contou. Atualmente, ele e Dolores são próximos. Ela está com 54 anos e visita o pai na Mirueira com frequência. O neto vai ao hospital todos os dias para dar banho no avô. "Logo mais ele chega por aí, o meu netinho Diego Anselmo", falou.

A saudade de casa sempre foi grande, mas a necessidade do tratamento era uma realidade "Esse era o mundo de todos internados. Era aqui. Aos poucos foram se espalhando. Uns pediam alta e iam embora. Outros a família vinha buscar e outros partiam para um mundo melhor. A vida é boa de se viver, só quem não sabe viver a vida é quem sofre muito. Eu não sofro".

Clique nas fotografias abaixo para ter acesso às reportagens:

"O passado presente presente e a dor do afastamento pela hanseníase"

"Helena Bueno, afastada de seus pais no dia do nascimento"

"Achei que nunca mais ia rever meus filhos", assume mãe

"Maus-tratos e abusos eram práticas comuns no orfanato"



"Isolamento desnecessário não controlou surto de hanseníase"

Maria José em sua casa no bairro da Mirueira. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

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A aposentada Maria José Nascimento, 71, hoje vive cercada de seus oito filhos. Embora muitos tenham casado e constituído família, eles não saíram das redondezas do bairro onde vive a mãe. Ela gosta de ter todos eles próximos para se reunirem nos fins de semana, na laje de um dos filhos. O desejo de manter essa proximidade com os herdeiros remonta às décadas passadas, em que foi obrigada a se afastar dos maiores amores de sua vida ao ser diagnosticada com hanseníase.

Maria José é natural de Escada, cidade localizada na Zona da Mata Sul de Pernambuco, distante 60 quilômetros do Recife. Trabalhou por muitos anos na roça, capinando e plantando principalmente macaxeira e batata. De família humilde, casou-se ainda muito jovem e foi morar no Recife ao lado do esposo. Com ele teve nove filhos; posteriormente, um deles faleceria. A aposentada lembra que não tinha boas condições financeiras para cuidar da saúde e começou a sentir fortes dores no corpo ainda jovem.

Foi em diversos hospitais, postos e clínicas e ninguém sabia o que ela tinha. As dores não eram constantes, ela apareciam em períodos e podiam sumir, também. "Sentia um formigamento, parecia que tinha algum bicho andando pelos meus braços, sabe. Era um queimor danado", descreveu a aposentada. 

O marido decidiu que a família se mudaria para o Rio de Janeiro por mais opções de trabalho. Mesmo com dores, Maria José ficou alguns meses por lá trabalhando como doméstica nas casas de família. A viagem não fez bem. Os fortes sintomas voltaram e ela não conseguia sequer andar. Ficou de cama e os seus ossos doíam bastante. Os filhos ajudavam a dar banho, preparar a comida, mas todos queriam saber qual a solução para tamanho sofrimento da mãe.

O companheiro dela a abandonou e mandou todos de volta para o Recife. Na capital pernambucana, Maria foi instruída a procurar o Hospital da Restauração, referência em tratamento médico na Região Metropolitana do Recife. Não demorou muito para que de lá ela fosse transferida para o Hospital Geral da Mirueira, em Paulista, também chamado Sanatório Padre Antônio Manuel, na época. O diagnóstico confirmou a hanseníase, então lepra. Ela não sabia o que era a doença e nem desconfiava da existência do leprosário, local onde os pacientes eram isolados da convivência externa.

A colônia da Mirueira funcionava como uma micro-cidade e foi fundada em 1941 para atender às recomendações do Serviço de Profilaxia da Lepra. Projetado com ruas, praças, templo religioso, prefeitura, escola, área de lazer, além dos complexos médicos necessários, o local era símbolo do isolamento social dos acometidos pela doença em Pernambuco.

"Em Mirueira, sítio pitoresco, que fica em Beberibe, no extremo da zona rural do Recife, o govêrno nacional construiu uma cidade, provida de todas as instalações necessárias para o fim humano a que se destina. Parques de diversão, cinema, campos de cultura, a vida que se pode viver nas grandes cidades, fora dos recolhimentos e dos hospitais, em contacto com a natureza e a civilização, os doentes vão ter ali".

No dia 9 de julho de 1941, o jornal Folha da Manhã publica a nota acima acerca das obras de construção do Hospital-Colônia da Mirueira, inaugurado 17 dias depois, em 26 de agosto de 1941.

Fotografia antiga do Hospital da Mirueira. Foto: Acervo do Hospital Geral da Mirueira

Em 1970, quando chegou ao hospital, Maria José acrescenta que se assustou com o que viu. As pessoas estavam muito piores do que ela, muitas delas já deformadas, sem membros e fragilizados psicologicamente. O ambiente do hospital, por ser isolado, facilitava com que ela conhecesse a fundo a realidade de outros pacientes que por ali estavam há anos, muitos desde jovens.

"Muitos diziam a versão bíblica de que era um castigo para o corpo, outros falavam que era um problema de saúde herdada da família e diziam que era muito contagioso. Muita desinformação", lamentou Maria. 

Ao descobrir do que se tratava a “lepra”, parte de sua família virou as costas e não ofereceu suporte. Ela só tinha o pai e a mãe, essa última doente de cama e sem condições de oferecer muita ajuda. O pai foi o responsável por acolher as nove crianças no interior do Estado enquanto ela estava internada sem poder ter contato com ninguém do mundo externo.

“Meu pai não ganhava bem, não era aposentado e nada. Trabalhava no interior para cuidar de tudinho. Ele me disse que ia mandar cada um para uma casa de parente distante porque ele não tinha como dar comida e cuidar, precisava trabalhar. Me desesperei achando que nunca mais ia encontrar meus filhos”, relembrou Maria José.

A filha Maria de Fátima Santana, hoje com 50 anos, foi levada com o irmão Ronaldo para a casa de um parente distante no Engenho Jundiá, nas proximidades da cidade de Escada. Ela tinha dez anos e diz que apesar de tentar apagar as memórias ruins daquele tempo, elas ainda são vivas e presentes. “Meu avô dizia assim, ‘Eu não quero dar vocês não, mas a mãe de vocês está muito mal, de cama. Vou ter que espalhar vocês pelo interior’. Eu fui para a casa do irmão do meu avô e os outros foram sendo distribuídos. Não dava para a gente encontrar o outro porque era muito distante”, contou.

Ela relembrou que a família humilhava os filhos porque tinham medo deles terem a doença também. “Eu sofri muito nessa casa, trabalhava demais e ouvia muita coisa ruim”, lamentou ao relatar sobre o início da adolescência. Abuso sexual, espancamento e falta de carinho. Dos dez aos treze anos foi assim. Separados da mãe e sem perspectiva de um reencontro.

Outro filho de Maria José, o vigilante Paulino Santana, 45, tinha apenas sete anos quando precisou deixar os braços da mãe para que ela fosse se tratar da doença. Não entendia bem o que estava acontecendo e passou a viver com um "estranho" tendo apenas um irmão mais novo como vínculo familiar. 

O 'tutor' os obrigava a roubar frutas da casa do vizinho e os espancava com frequência. "Eu tive que fugir um dia. Não aguentei mais. Saí correndo por dentro do mato quando vi ele bater muito no meu irmão. Entrei dentro das canas sem nem saber onde ia parar. Saí em outra parte do engenho e fui parar na casa de uma tia distante. Pedi pelo amor de deus para me esconder em baixo da cama dela e prometi que não daria trabalho", frisou Paulino. 

A tia dizia que não podia ficar com ele porque se o marido soubesse ia mandá-lo de volta para a casa de onde veio. Ele se escondeu por muito tempo e aos dez anos o dia mais feliz de sua vida chegou. 

Maria José deixou o hospital e foi visitar os filhos no interior. Ela ainda não estava totalmente bem da saúde, mas conseguiu a licença. Fez a promessa a todos de que assim que estivesse melhor e com uma casa viria buscar todos e o pesadelo acabaria. O reencontro foi muito doloroso para Maria de Fátima. Ela não queria deixar a mãe retornar ao hospital. "Eu queria tanto voltar com ela, estava cansada daquele tratamento desumano". 

Maria José voltou e começou a trabalhar no Hospital Geral da Mirueira. Ela se tratava lá e também prestava serviços. "Naquela época só quem trabalha lá eram os doentes porque ninguém sadio queria esse contato com os leprosos, eles chamavam a gente assim. Mas quase não recebia o salário direito, vivia das doações", relembrou. 

Pouco tempo depois, o Frei Guido, um dos admistradores e um dos religiosos mais respeitados na luta contra a hanseníase, doou uma casa no bairro da Mirueira para Maria José. A casa não tinha piso, nem móvel e ainda precisava ser melhor estruturada para servir de moradia. Ela não quis saber. No mesmo dia voltou ao interior e foi buscar todos os filhos. Ela destaca que os mais novinhos nem se lembravam mais dela. Mas trouxe um por um. 

"Foi o dia mais feliz da minha vida", garantiu Maria de Fátima. A família permanece morando no bairro da Mirueira atualmente. As consequências do afastamento afetaram a vida daquela família. Os filhos não tiveram acesso a uma educação de qualidade e até hoje sentem as sequelas disso. "A gente tinha que trabalhar para ajudar a mãe e para ter comida dentro de casa, não dava tempo de estudar", confirmou Paulino. 

Maria José ao lado de quatro filhos. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

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A agente de saúde Eliene Alves, 50, trabalha para a Prefeitura do município de Paulista há trinta anos. Entrou na área da saúde porque passou em um concurso público e era uma oportunidade de ter uma maior estabilidade. Na profissão, buscou se especializar no tratamento contra a disseminação da hanseníase. 

O principal motivo foi porque ela nunca conheceu o seu pai, Anastácio José. Ele era doente e foi praticamente arrancado da família para ser internado na Mirueira. Quando ele morreu ela tinha 13 anos e nunca pode dar um abraço sequer. 

A irmã mais velha, Josefa da Silva Falcão, 61, ainda teve o privilégio de conviver alguns anos com seu pai. Apesar disso, também carrega as memórias que insistem em nunca sair da mente. "Tiraram o meu pai da nossa família sem nem perguntar a ele o que queria fazer e como", criticou a doméstica. 

Josefa e Eliene, as irmãs. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Ela era jovem quando Anastácio foi diagnosticado com hanseníase e esperou por um reencontro que nunca aconteceu. Visitava o pai no hospital mas o contato era praticamente proibido. Como ele era o responsável por sustentar a família, a mãe de Josefa decidiu se mudar para o Recife porque poderia morar no Instituto Frei Guido, na época um colégio criado pelo religioso para filhos de hansenianos. 

"Viemos todo porque e mãe trabalhava lá e a gente praticamente morava", acrescentou. Josefa chora ao lembrar das humilhações que passou apenas por seu pai ser doente. Os maus tratos começavam logo da família mais próxima, sem deixar que eles brincassem com os primos porque tinham medo da doença contagiar todo mundo. "Meu pai sofreu muito e a gente também. Ele não aceitava estar lá e não queria", complementou Josefa. 

Eliene não coleciona memórias do pai que nunca conheceu. Hoje ela atua na organização de reuniões com filhos separados que desejam receber uma indenização do governo federal. Conhece o bairro da Mirueira desde nova e busca sempre conscientizar a população sobre os cuidados que devem tomar caso desconfiem que estão doentes. 

Josefa segura a única fotografia do seu casamento que o pai Anastácio aparece. Ele está do lado direito da imagem. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Cerca de 30 mil casos de hanseníase são registrados por ano no Brasil. Esses números colocam o país como o segundo lugar com mais casos da doença, atrás apenas da Índia, de acordo com o Ministério da Saúde. Apesar do avanço no tratamento do hanseniano no Brasil, o medicamento até hoje não promoveu a erradicação da doença. Uma das razões apontadas por Eliene é o preconceito associado à hanseníase. 

"Eu sei que hoje diminuiu muito o estigma de um hanseníano. Mas aquelas pessoas que foram acometidas no passado não conseguiram se inserir na sociedade. E aí os filhos também tiveram essa dificuldade. É uma herença muito negativa e precisamos reverter isso. Aqui em Paulista, em janeiro, fazemos uma espécie de passeata com música em busca de desmistificar o hansen e pedir mais respeito", explicou Eliene. 

Ela também analisou a diminuição do preconceito com relação ao bairro da Mirueira. Antigamente, por sediar o hospital, o local era alvo de muitos comentários negativos. Hoje não mais", agradeceu. 

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Clique nas fotografias abaixo para ter acesso às reportagens:

"O passado presente presente e a dor do afastamento pela hanseníase"

"Helena Bueno, afastada de seus pais no dia do nascimento"

"Maus-tratos e abusos eram práticas comuns no orfanato"




"Me chamavam de filho de leproso safado", lamenta idoso




"Isolamento desnecessário não controlou surto de hanseníase"

Quatro crianças internas no Asilo-Colônia Aimorés em Bauru, São Paulo. Foto: Arquivo Pessoal/Jaime Prado

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A série de reportagens ‘O passado presente e a dor do afastamento pela hanseníase', produzida pelo LeiaJá, conta histórias de famílias partidas, afastadas do convívio muitas vezes no dia do parto. Danos irreversíveis, sofrimento do passado que ainda abala o presente, a falta de um abraço de despedida e de reencontros que nunca aconteceram.

No começo do século XX, a então chamada ‘lepra’ passou a integrar a lista das “doenças de notificação compulsória”. Em 1920, com o surgimento do Departamento Nacional de Saúde Pública, criou-se uma legislação específica que determinou a internação compulsória de todas as pessoas diagnosticadas, em consonância com o cenário internacional.

Com os pais e mães internados, muitas crianças foram afastadas do convívio familiar.  De acordo com uma lei, os enfermos tinham de viver isolados nos chamados hospitais colônias e os filhos desses pacientes eram encaminhados aos educandários, preventórios ou a algum familiar que estivesse disposto a cuidar da criança.

Não há dados oficiais sobre o número de crianças que foram afastadas de seus pais devido à hanseníase. O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) estima que, em 60 anos, 40 mil filhos tenham sido separados dos pais em todo o Brasil.

Crianças afastadas dos pais. Foto: Jaime Prado

Adolescentes no Educandário Santa Terezinha. Foto: Jaime Prado

Devido à precariedade dos registros, aos longos períodos de internação e às constantes transferências entre instituições de abrigo, muitas crianças nunca mais encontraram os pais. O Morhan também calcula que uma média de 14 mil crianças, hoje com mais de 50 anos, estejam vivas.

O repórter cinematográfico Jaime Prado, 66, possui um dos maiores arquivos de fotografia dos hospitais-colônia de São Paulo. Ajudou a unir novamente ao menos sete famílias, que se reencontraram muitos anos depois. “Foi assim, 46, 48, 54, 56, 59, 64 e 73 anos de separação de famílias que consegui unir novamente com as minhas fotos sem usar nenhum dinheiro público, apenas doação de amigos e o meu trabalho voluntário”, relatou.

Encontros e reencontros marcaram a vida de Jaime. O último deles foi através de uma publicação no Facebook. “Um homem me ligou e disse que se viu em uma das fotografias que publiquei. Ele saiu da colônia bebezinho e foi pro Educandário Santa Terezinha. Navegando pela internet, observou a foto de uma criança em um cesto e descobriu meu número. Me ligou chorando e dizendo que era ele”, disse Jaime, ao se emocionar pela sua trajetória na causa da hanseníase.

Jaime relembra que conheceu pela primeira vez o Asilo Colônia Aimorés, atual Instituto Lauro Souza Lima, em Bauru, São Paulo, após entrar clandestinamente no local para conhecer um outro mundo, em 1967. Sabia da história de primos que tinham sido arrancados dos pais por causa do internamento. "Eu vinha da roça, semianalfabeto e com pouco dinheiro. Tinha três perguntas sem respostas. Queria entender os motivos de separarem os filhos, porque os isolavam e em que contexto isso se dava. Era o mundo dos excluídos da sociedade. Eles carregavam o preconceito e o estigma de uma doença dos tempos bíblicos", explicou o fotógrafo.

Em 1976 conseguiu um emprego lá, como operador de caldeira, e foi conhecendo um pouco mais da realidade dos enfermos, criando vínculos e colecionando histórias. Decidiu montar um estúdio de comunicação por ter mais aproximação com a área. Conviveu por anos com os hansenianos e viu mães e pais morrerem sem ao menos um abraço dos filhos. Cartas com pedidos de informações, mensagens-viagens e muita solidariedade resumem o trabalho de Jaime, que apesar de hoje ser aposentado, ainda continua com seu trabalho ajudando muitas famílias a se encontrarem. “Meu medo é que essa história se acabe quando todos morrerem e ninguém saiba que esse crime aconteceu no Brasil, por isso converso sobre o assunto e divulgo”, revelou.

Hanseníase, uma das enfermidades mais estigmatizadas da história

Arte: João de Lima

Arte: João de Lima 

Desde 1976, o Ministério da Saúde substituiu o termo ‘lepra’ por hanseníase nos atendimentos de serviços de saúde e nas campanhas de divulgação sobre a doença (televisão, rádio e distribuição de materiais educativos), visando minimizar o preconceito e as atitudes de discriminação. A regra da segregação também foi revogada no mesmo ano, mas o isolamento continuou ocorrendo por pelo menos mais dez anos.

Com a aprovação da lei nº 11.520, em setembro de 2007, as pessoas que foram atingidas pela hanseníase e compulsoriamente internadas em colônias hospitalares no Brasil podem solicitar uma pensão mensal do Estado. Atualmente, o Morhan luta para que o governo federal também pague uma indenização pela separação forçada da família e pelos traumas sofridos na infância. Esse dinheiro seria de direitos dos filhos, por terem sido tão afetados como os pais.

Neste especial, o LeiaJá retrata histórias de filhos e pais que por anos tiveram suas memórias presas, por medo de falar do passado e serem ainda mais estigmatizados.

Ao mergulhar nesse universo pouco conhecido, encontramos histórias de abusos sexuais, espancamento e tortura nos orfanatos, a dor da distância da família e pessoas que não tiveram tempo de conhecer quem lhes deu à luz. Um capítulo triste nas páginas da história do Brasil.

Clique nas fotografias abaixo para ter acesso às reportagens:
"Helena Bueno, afastada de seus pais no dia do nascimento"



"Achei que nunca mais ia rever meus filhos", assume mãe


"Maus-tratos e abusos eram práticas comuns no orfanato"


"Me chamavam de filho de leproso safado", lamenta idoso



"Isolamento desnecessário não controlou surto de hanseníase"

Alguns esquilos vermelhos na Grã-Bretanha e na Irlanda estão infectados com a bactéria que causa a lepra em seres humanos, mas o risco de transmissão para as pessoas é baixo, de acordo com um estudo publicado nesta quinta-feira na revista Science.

Ainda assim, os cientistas ficaram surpresos ao descobrir sinais da doença infecciosa que devastou a Europa na era medieval e que declinou drasticamente na era moderna. "Isso nunca foi observado antes", disse Stewart Cole, pesquisador da Escola Politécnica Federal de Lausana (EPFL), na Suíça, observando que duas cepas de bactérias - Mycobacterium leprae e Mycobacterium lepromatosis - foram descobertas nos esquilos estudados.

"Era completamente inesperado ver que séculos após sua eliminação em humanos no Reino Unido, a M. leprae causa a doença em esquilos vermelhos," disse. Os pesquisadores testaram mais de 100 esquilos vermelhos mortos - alguns com sinais de infecção, outros sem - e encontraram as bactérias em exemplares da Inglaterra, Irlanda e Escócia, de acordo com o estudo.

A infecção, também chamada de hanseníase, pode causar feridas na pele e danos nos nervos, assim como problemas oculares e respiratórios. Hoje a lepra é amplamente controlada por antibióticos. Ainda assim, cerca de 200.000 novos casos são registrados anualmente em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento.

"A descoberta da hanseníase nos esquilos vermelhos é preocupante do ponto de vista da conservação da espécie, mas não deve preocupar as pessoas no Reino Unido", disse a pesquisadora Anna Meredith, da Universidade de Edimburgo.

"O risco de transmissão para as pessoas é geralmente baixo por causa do contato limitado dos esquilos vermelhos com os seres humanos, e a caça destes animais é proibida na maioria dos países europeus", disse o coautor do estudo Andrej Benjak, da EPFL.

Os pesquisadores dizem que ainda não está claro como os animais se infectaram, e se perguntam se a lepra pode estar contribuindo para o declínio dos esquilos vermelhos em geral.

Pessoas que se curaram da lepra se pronunciaram contra a exclusão e o estigma que ainda os perseguem nos seus países de origem durante um congresso celebrado nesta sexta-feira no Vaticano.

A lepra, ou hanseníase, é curável e foi praticamente erradicada em algumas partes do mundo graças a um tratamento eficaz e barato desenvolvido nos anos 1980. A cada ano, porém, cerca de 200.000 pessoas contraem a doença, principalmente no Brasil, na Índia e na Indonésia. E o estigma ancestral perdura, mesmo anos após a cura.

"Aos 14 anos fui diagnosticado com lepra. Meus pais me amavam e, para que eu não fosse queimado ou ferido, me encerraram em casa", contou Yuan Yahua, nascido em uma família camponesa na China. Já Vagavathali Narsappa, indiano à frente de uma associação de ex-doentes, foi rejeitado pelos pais. Só voltou a ver sua irmã décadas após o diagnóstico, quando ela ficou sabendo que seus filhos e netos tinham nascido saudáveis.

O japonês Natsuko Tominaga, de 80 anos, preferiu ficar 60 anos em um leprosário (estabelecimento onde se tratam leprosos) apesar de ter se curado aos 18 anos. Queria ajudar aqueles que considerava como sua nova família.

Mais de 200 pesquisadores e pacientes participaram deste congresso de dois dias realizado em um instituto do Vaticano. "A exclusão continua", declarou à AFP o presidente do diretório da Fundação Raoul Follereau, Michel Recipon, que ressaltou, por outro lado, o comprometimento dos ex-doentes. "Quando param de ter medo, começam a defender seus colegas", disse.

Além dos participantes do congresso, cerca de 20.000 doentes e deficientes participam do seu jubileu, que será concluído no domingo com uma missa do Papa Francisco.

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--> Memórias da 'cidade do medo'

“Se você fosse jogado dentro de um leprosário como eu fui com 14 anos de idade e te falassem que dali só sairia para o cemitério, o que você faria?”. Seu Juliano Vieira de Farias, 71 anos, me fez esse questionamento. Não tive resposta. O silêncio foi quebrado quando ele próprio respondeu: “Não existia perspectiva de uma vida digna e caí no mundo das drogas, após ser arrastado de dentro de casa e jogado no Hospital da Mirueira. Morava no bairro da Várzea, no Recife, com meus pais e mais sete irmãos. Me deixaram longe deles e passei a viver em um lugar que classifico como depósito de lixo humano”.

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Na memória de seu Juliano ainda existem vestígios do tempo em que a hanseníase era um mal sem cura no Brasil. Chamados preconceituosamente de leprosos, portadores da doença foram isolados do restante da sociedade em 1923, através de uma política criada pelo governo federal para evitar o contágio em massa. Segregação que alimentou ainda mais o desrespeito de grande parte da população contra os acometidos pelo diagnóstico, em uma época que a medicina brasileira ainda não tinha conhecimentos suficientes para tratar a enfermidade. O isolamento durou por quase 40 anos, mas existem relatos de que, mesmo após a determinação do fim da separação, alguns leprosários continuaram prendendo seus pacientes.

Apesar da frágil saúde, seu Juliano reuniu forças para compartilhar com o LeiaJá parte de suas histórias. Ele é um dos pacientes com hanseníase que viveram o isolamento compulsório em Pernambuco. Na época, uma polícia sanitária foi criada pelo governo federal com o objetivo de retirar a força os doentes do convívio social. Os leprosários foram chamados também de hospitais colônias, uma vez que as relações sociais dos doentes aconteciam apenas entre eles próprios, pois o contato com pessoas saudáveis, mesmo que familiares, era combatido. Verdadeiras cidades foram criadas dentro dos leprosários, onde pacientes tinham a missão de trabalhar para manter a limpeza da colônia e até cuidar das plantações e criações de animais que serviam para a alimentação de todos. No Estado, o antigo palco das tristes recordações de seu Juliano é o atual Hospital da Mirueira, localizado em Paulista, na Região Metropolitana do Recife.

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Em 1962, o isolamento compulsório chegou ao fim. Nem por isso a vida dos doentes se tornou livre das mazelas que atormentaram os portadores de hanseníase. Muitos foram abandonados pela família e continuaram morando nos próprios hospitais, como no caso de seu Juliano, que apenas resolveu sair do Hospital da Mirueira em 1994. Hoje ele vive sozinho em uma casa próxima à unidade hospitalar, mas, no antigo leprosário, ainda há pacientes que viveram o isolamento, muitos com sérias deficiências físicas e recordando os males da segregação.

Saiba mais: Segundo definição da Sociedade Brasileira de Dermatologia, “a hanseníase acomete primeiro a pele e os nervos periféricos, e pode atingir também os olhos e os tecidos do interior do nariz. O primeiro e principal sintoma é o aparecimento de manchas de cor parda, ou eritematosas, que são pouco visíveis e com limites imprecisos. Nas áreas afetadas pela hanseníase, o paciente apresenta perda de sensibilidade térmica, perda de pelos e ausência de transpiração. Quando lesiona o nervo da região em que se manifestou a doença, causa dormência e perda de tônus muscular na área”. Os doentes sem o devido tratamento podem perder partes do corpo.

“Cidade do medo”

Após o fim do isolamento compulsório, os leprosários passaram a ser administrados pelos estados. No caso da Mirueira, o Hospital se tornou referência no tratamento de hanseníase e ainda hoje abriga cerca de 20 pessoas que foram pacientes isolados, além de alguns agregados. Pelo preconceito existente no período de isolamento e por causa do risco de contágio da hanseníase, a colônia pernambucana era chamada de “cidade do medo” e chegou a abrigar cerca de 500 internos. Quase não havia cidadão com coragem de entrar no local, sob a ameaça de ser acometido pela hanseníase. A seguir, confira uma imagem da época registrada pela Fiocruz.


Vera Lúcia Rodrigues, hoje com 59 anos, morou desde criança no Hospital da Mirueira. Seus pais tiveram hanseníase e ela também foi contagiada, além de sofrer com o cruel preconceito no lado de fora da colônia. A senhora já não mora na unidade hospitalar, mas trabalha lá com serviços gerais e conhece cada canto do local. Junto com o LeiaJá, ele refez caminhos que estão cravados em sua memória, muitos deles com tristes desfechos, mas que revelam um passado sombrio que afetou pelo menos 10 mil brasileiros, segundo dados da Secretaria de Direitos da Presidência da República. Vale lembrar que boa parte das casas e setores do Hospital da Mirueira foi erguida pelos próprios pacientes.

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Na época em que o Hospital da Mirueira era um leprosário, Vera viu os últimos minutos de vida da sua mãe, presenciou castigos contra os pacientes que “desrespeitavam” as regras do hospital colônia e teve filhos recém-nascidos arrancados dela – bebês de doentes eram tirados de perto das mães e levados para preventórios com o intuito de evitar contágio. “Era triste ouvir o que as pessoas falavam. Vivíamos presos aqui. Não tenho o que reclamar do convívio com os outros pacientes, mas fora do leprosário era um terror. Dentro do hospital também vivi fatos horríveis”, conta Vera.

De acordo com o coordenador do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) em Pernambuco, Gildo Bernardo da Silva, o peso trágico dos hospitais colônias é tão forte na vida de quem viveu a separação compulsória, que os leprosários chegam a ser comparados com campos de concentração. “Alguns falam que foi exílio, outros dizem que são campos de concentração, pela forma brutal que a separação foi feita. Diziam que Getúlio Vargas, presidente do Brasil na época, era simpatizante de Hitler. A polícia sanitária ia buscar os doentes em casa para levá-los ao isolamento. Se fugisse, o paciente seria perseguido e castigado”, relata Gildo.

Por mais que a estrutura física dos hospitais colônias tivesse semelhanças com as cidades onde os sadios viviam, a realidade na época era de pura segregação imposta pelo estado. Segundo a professora e coordenadora do Programa de Extensão Hanseníase Cuidado e Direito e Saúde, da Universidade de Pernambuco (UPE), Raphaela Delmondes, houve violação dos direitos humanos. Ouça o depoimento da docente:

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Dona Maria José Borges (foto à esquerda), hoje com quase 80 anos, foi paciente do isolamento compulsório, mas preferiu permanecer nas dependências do Hospital da Mirueira. Ela afirma ter parentes fora da unidade hospitalar, mas quase não tem contato com eles. Sem uma das pernas e ainda com sérias lesões causadas pela hanseníase, Maria vive sozinha e conta com o serviço de uma cuidadora de idosos. Ao falar do passado, mesmo em meio às lembranças obscuras da separação compulsória, a idosa relembra quando conseguia trabalhar de pé e ainda reclama da atual falta de atividades de lazer. “Hoje só passamos o dia todo sentados, sem fazer nada. Antigamente era melhor que hoje, pois a gente fazia festa, brincava, só não podíamos passar do portão”, conta.

Outro residente do local, Mario Nunes completou 44 anos de moradia no Hospital da Mirueira. Carrega sequelas da doença e relembra fatos marcantes do isolamento compulsório. Hoje com 70 anos de idade, ele cobra da direção do hospital a realização de atividades para entreter os moradores e alega que os remanescentes da separação compulsória continuam isolados e esquecidos pelo governo estadual. Vizinha de seu Mario, dona Marly Ferreira, atualmente com 65 anos, chegou à Mirueira aos 15 anos de idade. A senhora também possui lembranças marcantes do período de isolamento. No vídeo a seguir, os pacientes descrevem histórias da época:

Através de nota, a Secretaria de Saúde de Pernambuco, pasta responsável pela gestão do Hospital da Mirueira, reconhece a existência das vilas dentro das unidades e reforça que apenas os antigos pacientes devem moral no local. A direção do Hospital também assume que o número de festividades e atividades para os ex-pacientes vem diminuindo, sob a alegação de dificuldades financeiras. “Neste momento, a direção optou por reduzir os gastos com o intuito de garantir a assistência aos pacientes do Hospital, que é seu serviço prioritário”, informou a nota.

Em 2007, uma lei federal sancionada pelo presidente Lula liberou um benefício para mais de 11 mil pessoas que foram submetidas ao isolamento compulsório. Elas recebem uma ajuda de custo no valor um salário mínimo e meio. 

       

As bandas representantes do som pesado de Pernambuco provaram, na segunda e última noite do Abril pro Rock 2015, neste sábado (25), que a música do Estado vai muito além do frevo e do maracatu. Lepra, Hate Embrace e a veteraníssima câmbio Negro HC mostraram todo o peso de seu som e agradaram ao público dos camisas pretas que compareceu ao Chevrolet Hall.

A Lepra mostrou o seu grindcore, um som rápido, ríspido e caótico, como a própria banda define. Influenciada pelo hardcore dos anos 1980 e no som anárquico do movimento punk, a Lepra abriu a segunda noite do APR e conseguiu empolgar o público que ainda chegava no Chevrolet Hall. Após o show, Marcelo S. Ximenes, baterista da banda, comemorou a participação no festival: "Viemos do underground e hoje o pessoal está abrindo este espaço pra gente, isso é massa", disse. A Lepra completou 10 anos de carreira em abril de 2015 e tocar no festival foi o presente, "Comemoramos hoje, aqui.", disse Marcelo.

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Já o Hate Embrace levou ao palco do APR todo o vigor do seu death metal. Formada em 2008, o som da banda chama atenção por abordar temas históricos, lendas e folcores com uma roupagem pesada e vocais guturais. "O APR sempre é o ponto alto para uma banda underground", disse após o show o vocalista George Queiroz. A resposta do público superou as expectativas dos músicos. "A gente tem tocado mais fora do que aqui no Recife, mas a resposta do público foi melhor que o esperado", completou George.

Referência

A Câmbio Negro HC já tem o nome firmado na história do underground nacional. Ela foi uma das primeiras bandas de hardcore de Pernambuco. Formada em 1983, fez história e escola dentro do segmento. No show do APR 2015, a Câmbio Negro HC celebra os 25 anos do seu primeiro disco, gravado ainda no formato LP, Espelho dos Deuses.

Na apressentação, o disco foi tocado na íntegra para um público que, talvez em sua maioria, ainda nem tinha nascido quando os caras da banda já instigavam muitas rodas de pogo nos shows do cenário undergorund. Para a apresentação comemorativa no Abril pro Rock, o baterista Nino - único integrante da formação original - convocou Ajax, da banda Os cachorros, para assumir os vocais, e Marco Antônio e Jean Duarte, ambos da Decomposed God, para a guitarra e o baixo, respectivamente.

O festival Abril pro Rock anunciou, nesta quarta (11), mais novidades da edição de 2015. Para a sexta-feira foi confirmada a banda goiana Boogarins e, para o sábado, as bandas Lepra (PE), Almah (SP) e Gangrena Gasosa (RJ). O Abril pro Rock será realizado no Chevrolet Hall, dias 24 e 25 de abril.

Abril pro Rock anuncia Pato Fu e Dead Fish

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Até o momento, 7 atrações já estavam confirmadas no festival. Para noite da sexta, a mineira Pato Fu, a cantora Pitty e a banda Far from Alaska. No sábado, a noite de rock pesado e camisas pretas, apresentam-se a sueca Marduk, Coronet, da Suíça, a pernambucana Câmbio Negro HC e os capixabas da Dead Fish.

 

 

Ingressos

Nesta quarta (11) também se iniciam as vendas dos ingressos para as duas noites do festival. As entradas já estão disponíveis na bilheteria do Chevrolet Hall e nas lojas Renner aos valores de R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia) ou R$ 40 mais um quilo de alimento não perecível (entrada social). Em breve os ingressos estarão disponíveis para venda online.

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