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Da ilusão europeia à crise americana

Cristiano Ramos, | sex, 09/09/2011 - 19:14
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Li o artigo Fictions of Europe (1991) dez anos após sua primeira publicação. Ainda que discordasse de algo, o texto parecia recém escrito. Depois, ganhei de presente outro Jan Nederveen Pieterse, O fim do Império Americano (2009), e, sem tempo, deixei-o guardado por dois anos. Ao abrir suas páginas, agora, a obra é de uma atualidade espantosa, ainda que construída sobre as dunas de areia que são os EUA e a política internacional nesta virada de milênio.

Há sempre muito joio nas ideias formuladas por esse holandês, professor de Estudos Globais e Sociologia na Universidade da Califórnia. O que se justifica pela coragem em trilhar caminhos diferentes do senso comum e arriscar prognósticos. Nada, porém, que nuble o acerto de suas teses centrais. Em fictions of Europe, por exemplo, colocava em xeque as pretensões de formar ali um bloco continental, ambição-corolário baseada em passadistas sentimentos imperiais e na falsa ideia de uma cultura européia capaz de se sobrepor às diferenças regionais.

A ausência de lideranças internacionais, a quebradeira econômica, o crescimento da intolerância e tantos outros fatos corroboram a assertiva de Nederveen Pieterse. A União Europeia tem empenhado o que tem e o que nem sabe se terá para bancar a mesa, para salvar a Grécia, fazer diferentes conviverem como se economias iguais, apostar em substituições políticas que vão de seis à meia dúzia etc.

Em O fim do Império Americano, o tom pessimista não advém de revanchismo, de radicalismo ideológico ou qualquer outra dessas besteiras ultrapassadas. Pelo contrário, a introdução nos lembra logo que a admiração pelos EUA tem histórico muito mais longo que o antiamericanismo, “tendo início já no século 16, quando foi lançada a ideia de nova ‘Terra Dourada’. (...) Líderes soviéticos de Lênin a Khrushchev mostraram respeito pelo poderio industrial e tecnológico norte-americano, e Gransci apreciou os altos salários americanos nas manufaturas, base para o Fordismo”.

A pergunta lançada é, na verdade, uma otimista afirmação disfarçada de questão: a decadência é só isso, declínio, ou uma fonte de esperança e regeneração? Para o autor, passou da hora de os EUA reverem sua política internacional e também sua própria mobília. Resistência ao debate franco sobre reordenamento geopolítico, superficialidade da opinião pública, lentidão no recuo dessa política laissez-faire alicerçada por serviços de empréstimos e pelo militarismo, empedernida crença que os problemas sociais podem ser resolvidos sem grandes investimentos... São diversos tópicos trabalhados, e uma base compartilhada: necessidade de os Estados Unidos perceberem que estão perdendo o bonde da história.

Jan Nederveen Pieterse volta ao Governo Reagan e em redor, quando “as forças determinantes do período eram a reação cultural contra a rebeldia dos anos sessenta e a reação política contra os democratas, que convergiram em uma política de disciplina social pela libertação das forças de mercado em junção com o endurecimento da ordem política”. Ou seja, ele nos convida a deixar de lado as críticas-clichês ao neoliberalismo da Escola de Chicago. O problema crítico foi a ascensão da exacerbada política dos conservadores, “que se valeram das forças de mercado para fins políticos, sem preverem que as forças de mercado fariam uma reestruturação da sociedade e acabariam fugindo com o caixa”.

O autor ratifica, afinal, que, enquanto os países avançados têm feito a transição para a economia pós-industrial e enfrentado as mudanças decorrentes do aceleramento da globalização, os Estados Unidos insistem na ausência de política econômica, capitalismo sulista (baixos impostos, poucos serviços, ausência de sindicatos), especialização militar e endividamento – “todos fatores que enfraquecem a posição de longo prazo dos EUA”.

Da publicação do livro para cá, pouca coisa mudou, apesar das perspectivas que o presidente eleito Obama tinha para seu Governo. Se houve realmente modificação, foi mais de intensidade que de rumo: a polarização política aumentou, os conservadores assumiram tom bem mais radical e estratégias mais truculentas, a distância entre os mais ricos e os mais pobres também foi ampliada; Obama perdeu maioria do Congresso e viu sumirem as chamadas “forças de centro”, que tinham a importante função de conciliar os partidos quando alguma demanda assim pedia.

Ontem mesmo, Barack Obama fechou seu discurso (mais eleitoreiro que pragmático) com o velho lugar-comum deles, que sairão da crise porque são “o maior país do mundo”. O fim de quase todos os impérios começa pela incapacidade de seus gestores de lidarem com as transformações sociais, pela dificuldade de agir a partir daquele outro clichê, que às vezes é preciso mudar para seguir o mesmo. Ao se negarem às mudanças de lentes, os EUA não têm conseguido manter seu protagonismo como antes, mas sim criado uma monstruosa casa de espelhos onde tentam esquecer suas deformidades, suas mais anacrônicas convicções, em detrimento de outros princípios que lhes fizeram grandes.

Quais são estes princípios? O fim do Império Americano não se omite sobre isso, apenas deixa que o leitor os descubra, antiteticamente – a explicitação dos erros subentende quais seriam os acertos. E, ainda que o tempo demonstre que Nederveen Pieterse estava equivocado, ele terá cumprido o sempre necessário exercício da crítica, terá feito pensar. O que é bastante.

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