Terminou a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. Com ela, findou também minha esperança de que Saramago estivesse errado quando fazia a provocação: “Que importância tem a literatura, para que servem os livros”? Desânimo veio mesmo com a resposta de uma aluna. Porque ela somente externou o que se passa na cabeça de milhões de brasileiros, ainda que seja uma ideia navegando no mar da inconsciência.
Foi quando argumentei que as pessoas estavam fazendo escândalo com a cobrança de 4 e 2 reais na Bienal, por ser um evento com lei de incentivo, embora ninguém proteste ao ver filme nacional com lei cobrar R$ 16, ou ao ter que comprar ingresso para show até por R$ 300, ainda que também esteja contemplado com política de fomento. A moça, que estava quieta, assistindo à conversa, falou com uma firmeza que vem da sinceridade de julgamento:
– Mas é só literatura, né, professor?
Aquele dia se tornou um ensaio. Respondi às mesmas indagações que surgiriam aos montes durante a semana, sempre que propusesse a reflexão, em sala de aula ou nas redes sociais.
– Quero saber para onde vai todo dinheiro.
– Olha, o pessoal da Bienal dará a informação, se for perguntado. Mas nunca vejo chegarem para o diretor de Tropa de Elite e perguntarem o mesmo, ou para estrelas da MPB.
– Ah, na Bienal vou entrar para gastar. E ainda tenho que pagar pela entrada?
– Ué, você não teve que comprar bilhete na Fenearte? É uma feira de artesanato, as pessoas vão para gastar, ou quase todas. Ainda assim, cerca trezentas mil desembolsaram até 8 reais. E quando vai ao show, CD do artista e bebida são brindes? No cinema, pipoca e refrigerantes são distribuídos?
– Mas o livro é muito caro, professor.
– Concordo. Produtos culturais andam caros. Não acredito, porém, que o livro esteja além dos outros. Um CD custa o mesmo que um romance, um DVD pode sair pelo valor de dois livros. Uma peça de artesanato mais em conta também não fica por menos. Isso para não falar que as pessoas dizem não poder gastar sequer R$ 15 em um livro de bolso, mas conseguem fazê-lo por uma gororoba qualquer na praça de alimentação. Tenho certeza que, na própria Bienal, tem quem vai se beneficiar com a decisão da justiça e não comprar ingresso, para, lá dentro, gastar o dobro em créditos de celular para marcar a farra da noite.
– No meu caso, eu não curto mais nada, professor. Apenas literatura. Por isso queria preço menor – ressalvou outro estudante.
– Menor que R$ 2,00 de meia-entrada?
– Aluno e professor de rede pública já são massacrados...
– Não na Bienal. Lá, não pagam para entrar. E até colégios privados podem agendar visita gratuita.
– Mas e seu quisesse ir todo dia? Ia sair uma fortuna.
– Não chegaria a tanto, investiria o mesmo que paga no cinema do shopping em um só filme, mesmo que seja produção nacional e com lei de incentivo. Além do que, ideia é que os visitantes se revezem mesmo. Se todos forem vários dias, não haverá espaço.
– O senhor é advogado do evento? Não adianta, vai rebater tudo.
– Certamente não. O principal ponto de debates da Bienal não podia ser aquela arena aberta, é barulho demais. E o formato de arquibancada é incômodo para a plateia. Tudo acaba conspirando contra, tirando atenção das pessoas. O evento também precisa ser melhor sinalizado e ter preços mais competitivos nos estandes.
– Por isso acho cara a entrada de 2 reais.
“Caro, caríssimo, um roubo”. Desisti. Até porque era só literatura, não compensava o esforço.
Achei melhor procurar depois por algum debate mais relevante nas redes sociais. Tive dificuldade não. Foi semana de tema bem mais caro à nossa cultura: o Rock in Rio. Como me disse uma vez o escritor Rubem Rocha Filho: se milhões não querem, um nunca briga. Ou quase nunca.