Diego Rocha

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Cultura Nerd

Perfil: Publicitário de formação, mestre em Design, entusiasta da Estética. Professor universitário, fashion-geek, zen-gamer e aficcionado por séries de tv, quadrinhos e cinema de ficção.

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Zumbis e o medo da morte

Diego Rocha, | ter, 29/07/2014 - 10:39
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Desde que o ser humano se entende por "sapiens" que nós temos medo do que não entendemos... e não há nada mais desconhecido do que o pós-vida. Esse é um tema presente nas artes desde a pré-história e uma das perguntas de base da filosofia: "quem somos?", "de onde viemos?" e "para onde vamos?" afinal a morte é para onde vamos em definitivo.

Os egípcios na antiguidade tinham toda uma explicação de como seria o processo de julgamento dos mortos. Se o coração (que simboliza o valor do espírito) fosse mais pesado do que uma pena o morto iria para o "inferno" conduzido pelo deus Anúbis sob as ordens de Osíris.

Mas ao longo da história da humanidade a arte foi sempre utilizada para metabolizar nossas inquietações e nossos medos, então desde a idade média o tema da morte também é explorado com leveza e até humor (em alguns casos) enquanto se torna objeto para reduzir o medo das pessoas.

Essa categoria de arte foi chamada "danse macabre" (literalmente "a dança da morte") e é interpretado por alguns como uma sátira à morte, uma brincadeira que ridiculariza a própria força fúnebre. Outros a vêem como a morte satirizando os humanos, zombando da nossa condição de impotência frente à nossa vulnerabilidade. Seja como for, tem sempre algo de lúdico envolvido.

Avançando alguns séculos e vários movimentos artísticos, chegando à mídia dos nossos dias, vemos que a Morte é tema de muitas expressões culturais. E talvez a forma mais clássica e mais assustadora com o a morte nos aparece seja exatamente um ser humano que retorna da morte. Esse conceito vem desde os egípcios antigos conservavam seus mortos ilustres como múmias por acreditar que eles voltariam à vida. Mas e se eles voltassem como monstros irracionais e nocivos?

Do medo de sermos nós mesmos transformados na imagem da putrefação e de nos ser negado o repouso eterno da morte, surge a figura do zumbi: um cadáver reanimado desprovido de racionalidade reduzido a pouco mais do que um animal. A figura do zumbi está comumente associada ao consumo de carne humana ou de cérebros humanos, que liga a outro grande medo humano: o canibalismo. Diversas são as origens das lendas dos zumbis, desde explicações religiosas de que levantaremos no dia do juízo às feitiçarias da Santeria das ilhas do Caribe ou mesmo a infecções de vírus que se espalham como epidemias apocalípticas. Mas isso não é o nosso foco!

A figura dos zumbis se torna um dos monstros clássicos, ao lado dos Vampiros, Lobisomens, Bruxas, Fantasmas e faz parte da nossa cultura pop atual. A cada aparição esses personagens tomam formas diferentes, então vamos listar alguns formatos clássicos para depois ver suas variações.

1) Filmes


Em Zombieland um vírus se alastra pelo mundo transformando as pessoas em zumbis. Em filmes de zumbi, geralmente os sobreviventes buscam locais seguros longe da infecção e preferencialmente buscam grupos de humanos saudáveis para poder continuar vivos.

2) Videogames

Resident Evil é um dos maiores clássicos de jogos de zumbis, onde uma indústria farmacêutica teria criado acidentalmente (ou não) uma substância que impediria a pessoa de morrer, mas com isso de fato torna o usuário um morto-vivo. Uma franquia com diversos jogos lançados e que gerou uma franquia de filmes. Em jogos de mortos-vivos, geralmente o objetivo é destruir os ressuscitados, preferencialmente com um tiro na cabeça.

3) Quadrinhos

Marvel Zombies é um projeto da editora Marvel onde numa realidade paralela à nossa basicamente todos os personagens foram acometidos pelo apocalipse zumbi e facções distintas se enfrentam. Num caso como este, o apelo principal da trama é encontrar preferencialmente uma forma de evitar que tudo isso tenha acontecido, mas se tratando da Marvel, vários ganchos de roteiros existem, impedindo o arco de se encerrar e preferencialmente permitindo que seja revisitado e seus personagens reutilizados.

4) Séries de TV

The Walking Dead é uma das primeira séries de TV baseada no tema e segue o esquema geral mencionado acima nos filmes. Geralmente os personagens se envolvem em missões de busca por condições de vida (alimento, abrigo, etc.) mas preferencialmente desenvolvem seus dramas pessoais e transformações de personalidade ao longo dos anos da série.

5) Música

Não que essa seja uma categoria tão comum como as mencionadas anteriormente, mas a exemplo da produção artística da "danse macabre", a presença dos mortos serve como sátira, ou piada, geralmente trazendo a ideia dessa transformação humana pós falecimento, mas preferivelmente utilizada como impacto visual grotesco e assustador. Além desse clássico de Michael Jackson temos artistas como Zob Zombie que se valem dessa temática.

Mas, pensar sobre a morte é pensar sobre a condição humana, e por isso muitas mídias vem utilizando os mortos-vivos como forma de retratar nosso cotidiano. Os zumbis nesses casos se tornam a metáfora de nós mesmos e das nossas vidas. Vejamos dois casos em que isso ocorrre:

1) In The Flesh

Neste drama britânico a premissa é de pessoas que morreram no ano de 2009 por diferentes formas (doenças, acidentes, assassinatos) e retornaram à vida sem qualquer explicação. Essas pessoas retornadas são chamadas de "parcialmente mortas", como se se tratasse de uma doença, são acompanhadas e medicadas e então reintegradas à sociedade, usando maquiagem e lentes de contato para esconder as mudanças que a morte causa em seus corpos. Parte da população não aceita essa reintegração e reage de modo violento enquanto outros ficam felizes de rever entes queridos (e outros parecem não se importar).

Através da figura desses mortos-vivos a série parece fazer relação com indivíduos que sofrem ou passaram por algum episódio de distúrbio mental. Pessoas que passam por uma experiência que interrompe seu convívio social mas que depois de algum tempo retornam sob a supervisão médica, mas nunca mais se tornam o mesmo de antes, levantando a suspeita de todos.

O protagonista é um jovem chamado Kieren que acaba de ser devolvido à sua família e tenta reencontrar seu lugar no mundo depois de levantar do túmulo e receber alta do centro de tratamento para pessoas parcialmente mortas. Kieren não vê sua volta como uma dádiva, uma vez que ele havia cometido suicídio devido à morte de seu namorado, que também retorna como um morto-vivo. Sem entregar spoilers, é uma das séries mais tristes que eu já assisti até hoje.

2) Warm Bodies (Meu namorado é um zumbi)

Nesse filme a causa o aparecimento dos zumbis nem sequer é explorada, pois não é de interesse para a trama, mas logo na abertura uma crítica à nossa sociedade é feita: nós nos tornamos zumbis por vontade própria ao abrir mão do contato humano e ao nos isolarmos uns dos outros. Mais importante do que qualquer ocorrência de ordem profética, mística ou científica, o enredo aponta para a nossa descida à insensibilidade, pois assim estaremos mortos em vida (o que faz de nós os zumbis).

O nome original do filme faz parte dessa crítica. "Warm bodies" ou "corpos quentes" em português, se refere a essa única diferenciação, pois sem o sentimento de humanidade e sem o contato real entre as pessoas somos apenas mortos habitando corpos quentes. Mas o filme também mostra o caminho da redenção enquanto acompanhamos o protagonista retornar à categoria humana (tanto quanto possível) à medida que exercita e fortalece sua habilidade de sentir. Trajetória que se inicia com essa curiosa cena.

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