A Lama e a Rosa

Gustavo Krause, | ter, 30/08/2016 - 10:16
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O JC publicou uma preciosa série: História das Eleições do Recife. Fidelidade aos fatos e rigor analítico revelam, às vésperas das eleições municipais, a evolução histórica de uma cidade que, embora mantenha seus encantos naturais, sofre as dores de uma urbanização caótica e desafiadora para a gestão pública.

Com o título “Nos ventos da abertura política”, a matéria (edição, dia 17) foi ilustrada, por ocasião da minha visita ao Coque, por uma foto em que recebi uma rosa das mãos de uma mocinha. O gesto me tocou profundamente. Em meio às condições sub-humanas, meus olhos viram que barraco não é abrigo; o sol é brasa; a chuva é castigo; a lama é pasto que reclama a criança em corpo de anjo. A rosa falou.

Aquele Recife não era totalmente desconhecido do menino suburbano, criado na paisagem social miscigenada da Torre, Zumbi, Cordeiro; nos campos do Arte da Torre, da Campina, do Campo do Mecânica, onde pobres e remediados, estudantes, operários e desocupados, alheios à luta de classes, buscavam, em peleja meritocrática, o gol consagrador do futebol vitorioso.

Curioso: havia os muito pobres, porém a face da miséria era gestada nos humildes mocambos de taipa para depois se agravar, sobrenadando nos mangues, em barracos, palafitas e desenhando, atualmente, o contraste assustador entre a imponência da verticalidade arquitetônica e as periferias de todas as carências.

Quando Prefeito biônico, saí às rua e não busquei, apenas, legitimidade política: atendi um imperativo de consciência do peladeiro e caçador de goiamum que viu de perto as desigualdades sociais. E a presença, como governante, era uma denúncia social e claro compromisso com as políticas públicas que coloquei em prática.

Lá no Coque, foi instalado um dos 28 barracões da Prefeitura, em bairros periféricos, que realizavam obras de urbanização e assistência social, inclusive, de onde saiu o então estudante de medicina Eduardo Simões que, tocado por aquela tragédia social, é, hoje, PhD em saúde pública, professor nos EUA e uma das maiores autoridades mundiais sobre o assunto.

Jamais esquecerei: a oferta da rosa veio sem os espinhos da vida sofrida. Na inauguração do Centro Médico Ermírio de Moraes, na gestão Roberto Magalhães, uma bonita jovem, vestindo a brancura impecável de enfermeira, aproximou-se e falou baixinho: “Eu sou a menina que lhe deu a rosa quando o senhor esteve no Coque”. A rosa sorriu.

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