A base da carrocinha é de ferro e na rodagem são três pneus que dão movimento ao meio de transporte. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
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É por volta das 12h20, de segunda a sexta-feira, que o trabalho de Gervânio Ronaldo do Nascimento, de 50 anos, tem início. É assim há pelo menos quatro anos, desde que decidiu transformar uma carcaça de ferro velho em um meio de transporte manual para levar crianças “ao caminho da escola”, como ele mesmo diz. O ponto de encontro é na esquina da Rua Cabo Eutrópio com a Rua Interlândia, no bairro Ilha Joana Bezerra, onde fica localizada a comunidade do Coque.
É lá que após o almoço as crianças começam a chegar aos poucos e já vão se acomodando no transporte escolar inventado por Ronaldo, que cobra R$ 1,50 por dia para levar e buscar os alunos à Escola Municipal Almirante Soares Dutra, no bairro do Cabanga. O percurso é de um quilômetro e dura aproximadamente 20 minutos.
Longe de ser um um veículo escolar motorizado, como os ônibus, kombis ou até peruas, a carrocinha de Ronaldo é movida pela força dos braços, pernas e o sonho de colocar as crianças para estudar. A base da carrocinha é de ferro e na rodagem são três pneus que dão movimento ao meio de transporte. Revestida de madeira e coberta com adesivos e desenhos amarelos feitos sob medida, a criação do morador do Coque faz sucesso por onde passa, arranca olhares de curiosos e é a alegria das crianças, transportadas todos os dias de aula.
Longe de ser um um veículo escolar motorizado, como os ônibus, kombis ou até peruas, a carrocinha de Ronaldo é movida pela força dos braços, pernas e o sonho de colocar as crianças para estudar. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Mas, apesar da ideia ter se tornado a fonte de renda de Ronaldo, não era esse o objetivo inicial. Ele conta que comprou a carcaça de um familiar por apenas dez reais. “Não tinha nada, era só a estrutura de ferro. As pessoas reclamavam e me mandavam jogar fora chamando de lixo. E eu lembro que dizia, jogo nada, isso ainda vai ser uma grande coisa”, contou Gervânio Ronaldo, em entrevista ao LeiaJa.com.
Ainda que ele não sabia exatamente o que fazer, tinha em mente que construiria um brinquedo para levar os seus netos à escola porque eram muitas crianças e era sempre um perigo ao atravessar as avenidas. “Enquanto eu não colocava em prática, muitas pessoas queriam comprar porque ela ficava amarrada em um poste na rua, mas eu não conseguia vender, era como se tivesse algo maior que me impedisse”, relembrou Ronaldo, que também já trabalhou como palhaço, principalmente animando festas infantis.
Formato antigo da carroça escolar de Ronaldo. Foto: Arquivo Pessoal
O sonho de reformular a carrocinha passou a se tornar realidade quando ele mandou soldar a ferragem e ganhou de presente pneus e o rolamento do pai do cantor recifense Sheldon Ferrer. No início do ano letivo, em fevereiro de 2015, Ronaldo começou a levar seus netos ao colégio. A carroça ainda era muito simples. A estrutura de ferro comportava os bancos de plástico para acomodar as crianças. Eram de quatro crianças e a repercussão durante o trajeto já era grande.
Poucos meses após colocar o brinquedo em prática, muitas mães abordaram Ronaldo para contratar o serviço de transporte escolar. As razões eram diversas, mas em geral, a maioria precisava trabalhar e não tinha tempo para levar as crianças ao colégio. “Eu fiquei muito na dúvida se queria aquele compromisso. Mas a vontade de ajudar essas mães foi maior. Muitas vezes essas crianças não têm pai e como não há ninguém para fazer esse transporte, elas acabam não indo à escola. Eu sei disso porque meus pais não me levaram, também”, explicou Ronaldo, que cursou somente até a segunda série.
Como a brincadeira se tornou um empreendimento, Ronaldo decidiu aperfeiçoar o carrinho. Com a ajuda do marceneiro chamado Fabinho, segundo ele, o melhor do Coque, a carroça ganhou até janelas, como se fosse um ônibus escolar. “No início cobrava 1 real por dia. As pessoas me chamavam de velho besta porque eu carregava peso por pouco dinheiro. Mas eu gosto e se eu não saio com ela, fico triste”, disse.
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Conhecido por muita gente no bairro, Ronaldo garante ainda que não pretende expandir o negócio, apesar de outras mães solicitarem novas vagas no transporte. Ele não quer contratar outras pessoas e construir novas carroças, justamente porque é feliz com a simplicidade do que faz. “Eu sei que faço a diferença na vida de muitas pessoas e contribuo de alguma forma com a educação desses meninos, mas por enquanto, do jeito que está, sou grato e feliz”, comentou Ronaldo.
Atualmente, o empreendedor leva todos os dias treze crianças, incluindo os seus netos. A maioria embarca na primeira viagem, pontualmente às 12h20. O restante é transportado depois por conta do atraso, já que ele garante a pontualidade. A faixa etária varia entre crianças de seis anos até dez.
O foco de seu trabalho é só no transporte escolar, mas houve um tempo em que ele também utilizada a carrocinha para oferecer passeios nos fins de semana. Os sábados e os domingos de Ronaldo também eram preenchidos com o barulho da criançada no Tour pelo Coque. “Eu levava os meninos para passear pelo bairro, a carroça tinha iluminação de tudo. Eles adoravam, mas eu ficava com muito medo da violência no bairro e temia que uma criança se machucasse. Por enquanto, os passeios não acontecem mais”, lamentou.
Mas, é na passada firme, com olhares atentos e ouvidos aguçados que Ronaldo empurra todos os dias um pouquinho de sua felicidade. “Não quero motor, vou mover apenas com força física e do coração. Meu único desejo é transformá-la no formato de uma kombi, eu vi uma no shopping assim e já passei o modelo para o marceneiro”, destacou.