O músico, instrumentista e experimentalista Antúlio Madureira encantou o público que foi prestigiá-lo no último sábado (16), no Santander Cultural, no Recife Antigo. O artista, que chega aos 35 anos de carreira, se apresentou sozinho com alguns instrumentos, muitos inventados por ele mesmo, e um computador. Na apresemtação ele brincou entre sucessos e novidades, para vidrar os olhos de quem estava presente.
Bambus, cabaças, latas, canos e até um serrote ganham novo sentido nas mãos do artista. No repertório da apresentação, para um público de aproximadamente 50 pessoas, sucessos antigos, uma homenagem a Luiz Gonzaga, frevo e uma interpretação de Ave Maria fizeram o pequeno público dançar e cantar. Antúlio conseguiu preencher de todas as maneiras a pequena sala do centro cultural, respondendo à perguntas do público, atendendo à pedidos e promovendo um clima descontraído e intimista. “Ninguém nunca vai dizer ‘pare de tocar!”, disse uma fã no intervalo de uma música, “Aleluia irmã”, brincou Antúlio.
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Dentre o público, Sônia Vilela, Edeilda Correia e Antônia Lucena. As três senhoras assistem aos shows de Antúlio sempre que podem e ao final de cada apresentação, a mesma sensação. "Lindo, lindo!", disse Antônia, entusiasmada. "Ele é bom muito bom instrumentista", opinou Edeilda, "Tem um som privilegiado por essa conexão com a cultura e com o povo. É de uma simplicidade encantadora", completou Sônia.
Ao final da apresentação, o músico, que está com viagem marcada para Porto Alegre, onde se apresenta no São João, conversou com o Portal LeiaJá sobre música, inspirações e modernidade.
De onde vem seu envolvimento com a arte popular?
Minha família tem vários artistas. Meu bisavô era compositor, mas isso eu só fui descobrir depois, nem tinha muito acesso a isso. Meu pai também sempre foi muito ligado ao teatro, apesar de ter sido militar. Ele deixou o quartel e foi trabalhar no rádio, depois em televisão e teatro. Vendo que seus filhos, meus irmãos, tinham essa ligação com música, ele incentivou. No auge no Movimento Armorial, Ariano Suassuna nos convidou para fazer teatro infantil, para pesquisar a cultura popular, criar um grupo de dança popular. Já exista a Orquestra Armorial, o Quinteto Armorial e o Balé Armorial, mas ele achava que a dança ainda não tinha atingido o que ele queria. Eram os bailarinos de formação acadêmica e ficava longe do jeito dos dançarinos, da dança nordestina. Foi quando começamos a estudar, a pesquisar os grupos. Meu irmão André cuidava da parte de coreografia, dos enredos. E eu fazia a parte da música, prestava atenção nos instrumentos e como as pessoas tocavam, na formação ao mesmo tempo eu já estudava violão erudito na Escola de Belas Artes, antes de ser o que hoje é o curso de música da Universidade Federal de Pernambuco. E, por estar nesse meio, eu comecei também a participar do Balé Popular do Recife e fui estudando marimbau, rabeca e ao mesmo tempo era músico, dançarino, ator e não tinha nenhuma escola. A gente foi se formando com os músicos autênticos, vendo como se faziam as brincadeiras, os trejeitos da música nordestina.
Uma das suas marcas é criar instrumentos. Nessa época você já tinha feito algum?
Eu tinha muita vontade de estudar violoncelo, mas era muito caro e o que eu consegui comprar não prestava, eu passava o dia afinando e ele não afinava. Aí a partir do marimbau eu fiz a marimbaça, que tinha o timbre que lembrava o som do violoncelo, e fui experimentando.
Você já fez quantos?
Depois eu fiz a cabala e outros, mas nunca cataloguei. Alguns foram se modificando, não sei dizer exatamente. Como eu sempre fui voltado para a pesquisa de artistas populares, fui percebendo, experimentando.
E essa vertente da pesquisa nunca te abandonou.
Não, sempre que surge uma novidade... Agora eu estou fazendo uma coisa juntando o material acústico, mais rude, com a pesquisa de programa, sons virtuais. Eu não tenho nenhum preconceito, nem sou radical. Uma vez conversando com Ariano Suassuna, ele disse: “Desde que os instrumentos elaborados sirvam para o seu serviço, é certo”.
Você se apresentou aqui usando o computador. É super bem resolvido quanto a isso então?
É, não tenho isso. Quando era o teclado e os sintetizadores, já usava. Eu procuro preservar os instrumentos que faço e uso dos tocadores populares também. Afinação para mim é primordial. O recurso soma.
Tua vertente de pesquisa deve te fazer muito antenado com as coisas que acontecem ao teu redor. Na cena musical pernambucana, algo te atrai ou tudo deu uma empobrecida?
Eu não posso avaliar isso, porque o que me chama atenção é uma outra música. Eu gosto da música que mexa com o interior da pessoa, com a alma. Sem nenhum preconceito, até o brega, às vezes, é tão bem feito que pega o povo sem precisar do apelo da repetição da mídia. Isso é louvável. As vezes uma música executada por uma sinfônica com mil formas tem valor mais pela dificuldade mesmo, mas como música se perde. Às vezes um instrumento simples tem um efeito na pessoa que é muito mais rico do que tudo isso. Isso também acontece não só com a música pernambucana, mas a brasileira e todas elas. Mas a música para mim não tem época, não tem estilo. Também o público tem um ouvido preparado para aquele tipo de música. O frevo pernambucano, por exemplo, o frevo de rua, tem cada um que é a coisa mais bela do mundo, cheio de conversas entre os instrumentos, mas as pessoas só querem ouvir Vassourinhas. É assim com o jazz, o blues...]
E sua música?
Eu fico muito encantado com as formas que ela pode transcender, de poder te levar a uma recordação, a uma alegria. Alguma coisa está chamando atenção. A música nordestina é muito aceita em qualquer lugar do mundo, ela tem muitas coisas africanas, árabes, pode ser triste, melancólica, mas ela leva você aquele lugar. É como o tango, o flamenco. Eu uso meus instrumentos dependendo de cada apresentação. Gosto de usar alguns quando faço uso de personagens, sou ligado ao teatro. Acho que o artista nordestino tem muito disso, faz de tudo: toca, dança, canta.
E na sua trajetória, sempre novidades, mas a Ema ficou, é um grande sucesso.
É porque é do povo, é muito simples, vem no Bumba-meu-boi, que é muito rico. Aliás, a música pernambucana é muito rica, tem muita coisa para sair ainda. O problema é que as pessoas tendem a querer fazer tudo igual. Vai tocar rabeca, quer fazer igual a um rabequeiro. Tem que ter uma liberdade maior, para surgir coisas novas.
O São João é a festa nordestina mais popular, mas ao mesmo o tradicional vem perdendo espaço para o que é mais comercial. O que você acha disso?
É dinâmico mesmo, a música passou a ser um elemento comercial. Venda de imagem, de produto, a TV faz com que as pessoas consumam a música também pela imagem. A mídia precisa desse movimento, do visual. Você vê essas bandas mais comerciais, as músicas são frágeis, mas é tudo muito alta produção, cheio de efeitos, impressiona. Você vê as vozes, não tanto trabalho nos timbres, mas o ouvido do povo acostumou. Mas é uma sequência, o povo já absorveu.