Como "uma carta de amor aos brasileiros", define o cineasta Gabriel Martins seu filme "Marte Um", apresentado no concurso do Festival Cinelatino de Tolouse, no sul da França.
A história é centrada em uma família trabalhadora da cidade de Contagem, no estado de Minas Gerais. O pai, ex-alcóolotra, quer que seu filho seja jogador de futebol, mas o menino sonha viajar a Marte.
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O filme começa ligeiro, mas logo os anseios e medos de cada um dos protagonistas tomam voo e suas histórias se complicam, colocando à prova o amor que sentem um pelo outro.
"Comecei escrevendo o roteiro pensando em cenas para cada um e que, em algum momento, voltaríamos aos quatro juntos, para depois separá-los de novo", explicou Martins, de 37 anos.
"É um movimento como o elástico, de ir e voltar", acrescentou.
A complexidade da história e dos planos rodados requereram uma montagem longa, de praticamente dois anos, durante toda a pandemia de Covid-19, revelou.
Bolsonaro, estrela convidada
O filme foi rodado em 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro acabava de chegar ao poder.
Como em outros filmes brasileiros recentes (como "Mato seco em chamas", apresentado no Festival de Berlim em fevereiro), Bolsonaro aparece, especificamente, no filme de Martins.
"O filme já estava escrito muito antes de Bolsonaro. Independente de quem fosse eleito, ele teria aparecido (no filme)", explica Martins.
O diretor quis incluir essa menção à política como uma forma de unir os problemas da família protagonista com os de todos em um país dividido.
"Dois anos depois, acredito que o significado é ainda mais pesado", explica o jovem diretor.
Como passar essa necessidade de diálogo intra-familiar a todo um país?
"A primeira coisa é melhorar o processo de escuta", explica.
"Não há pessoas inerentemente boas ou más. Penso na minha família, alguns votaram em Bolsonaro", acrescenta.
Após três anos, a presidência de Bolsonaro "está sendo um processo de maturidade política interessante para pessoas como eu".
"Marte Um" é o primeiro filme solo de Martins, que quer seguir contando a vida das classes populares.
Seu filme anterior, "No coração do mundo" (2019) dirigido em conjunto com Maurílio Martins, é também ambientado na cidade de Contagem.
Esse jovem cineasta pede diálogo dentro do país antes das eleições presidenciais que se preveem tensas.
E ao mesmo tempo, reconhece que não está interessado em rodar um filme sobre a vida das classes mais privilegiadas.
"No momento, creio que não. Estou mais interessado em olhar a maioria do país, a que não tem a possibilidade de aparecer nas telas. Incluindo as contradições dessas pessoas", explica.
"Marte Um" é uma carta a um "país melodramático", disse. "Um país onde não se sabe se chora ou ri".