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Hélio garante ter reduzido a inadimplência do conjunto de 47% para 30%. (Chico Peixoto/LeiaJá)
De cinco em cinco minutos, o caminhar apressado de Hélio Santos Ribeiro é interrompido pelo toque do celular. É através dele que o síndico do conjunto de prédios Ignez Andreazza, no Bairro da Estância, Zona Sul do Recife, se comunica com cerca de 15 mil condôminos e 108 funcionários. Major da Polícia Militar de Pernambuco e morador do habitacional desde o ano 2.000, Hélio assistiu à uma das décadas mais difíceis em termos de organização e segurança do condomínio, que passou a ser menos alardeado pela crença fervorosa dos pernambucanos de que ele é o “maior da América Latina” do que pelas constantes ocorrências policiais que ocorriam em seu interior. De morador inativo a administrador popular, Hélio garante já ter reduzido a inadimplência dos moradores de 47% para 30%, atingindo uma receita média mensal de R$ 310 mil, com a qual já é possível arcar com R$ 280 mil em gastos, boa parte deles em dívidas deixadas pelas gestões anteriores, e investir em melhorias.
Nascido na vizinha Vila Tamandaré, Hélio se mudou para o residencial no ano 2000, devido à proximidade da área com a casa de sua mãe. “Também me atraíram a facilidade de compra do imóvel, o preço e a localização privilegiada. A gente aqui está a 10 minutos do aeroporto, praia e shopping”, comenta. Dois campos de futebol, três quadras poliesportivas, clube de lazer com academia de ginástica, salão de festas, subestação para tratamento de água, sede administrativa, praça e até uma escola estadual. Projetado pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsoi e concluído em 1983, a expressiva estrutura foi feita para atender à classe média de uma promissora área da Zona Sul, até então. “Se você for para a letra fria, não temos mais classe média alta e classe média baixa, porque perdemos poder aquisitivo e fomos achatados”, opina Hélio.
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Moradora do bloco de número 2224 desde 1984, a administradora Nirleide Pereira acompanhou o Ignez Andreazza desde seus tempos áureos, do privilégio de desfrutar de uma generosa área verde no meio da zona sul, até sua decadência. “Era bom, todos os portões controlados e todo mundo que entrava e saía era identificado. Depois virou uma verdadeira bagunça, com assaltos em qualquer horário quase todo dia. Acho que a falta de cobrança das gestões e a inadimplência criaram isso”, relata. Após assistir, ao longo dos anos, à saída motivada pelo medo de moradores tão antigos quanto ela, Nirleide comemora a gestão de Hélio. “Para mim, ainda não está completamente bom como era no começo, mas para o que já passamos aqui, está 100%. Está muito bom esse novo gestor”, comemora.
Foram os constantes assaltos e até roubos de carros citados pela moradora que levaram Hélio a se oferecer para gerir o condomínio. “Enfrentamos muitas dificuldades, principalmente por conta de falta de documentação de funcionários e atrasos salariais de até seis meses”, lembra. Com quatro anos de administração, em dois mandatos, o síndico comemora a presença de três seguranças motorizados circulando no perímetro, além de vigias nas guaritas. “Além disso, todos os veículos dos moradores foram adesivados. Quem não tiver, é parado na portaria e tem sua placa anotada. Existe total comunicação da portaria com os seguranças no interior”, explica.
Uma cidade dentro da cidade
Criado em 1983, condomínio foi planejado para a classe média da Zona Sul do Recife. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)
Com cerca de 15 mil habitantes, o Ignez Andreazza possui população superior à de 52 municípios do Estado, como de Itaquitinga e Itapetim. A altíssima densidade demográfica da “cidade vertical” acabou deformando sua natureza residencial, o transformando em um mercado extremamente rentável. Alguns moradores abriram seus negócios no interior do Ignez Andreazza, que hoje possui um total de 18 comércios, a maioria deles composta por lanchonetes e depósitos de água. Durante todo o dia, é possível ver entregadores fardados em suas bicicletas circulando pela área. “O regimento fala que o condomínio é residencial e que um estacionamento é destinado para cada morador, mas a realidade é que muitos deles são ocupados por pessoas que não teriam direito ou de forma indevida. A gente determinou um prazo para retirada do comércio”, completa Hélio.
Do lado de fora do conjunto, o mercado é ainda mais aquecido. Farmácias, salões de beleza e mercadinhos dão o tom do entorno. “Os clientes sempre aparecem, a maioria deles vem do Ignez Andreazza. É visível”, relata o comerciante Everson Magalhães, que trabalha em uma pequena drogaria de frente à uma das saídas.
Boa praça, do tipo que demora o dobro do tempo para percorrer o entorno do conjunto para cumprimentar os funcionários e vizinhos, o síndico precisa encarar, com recursos de um condomínio, os problemas de uma cidade. “Estamos reivindicando também a questão dos postos de saúde. Não somos atendidos pelos PSF’s (Programa de Saúde da Família) da comunidades vizinhas do Iraque e da Vila Tamandaré. Nossos moradores precisam ir ao Barro”, queixa-se Hélio. Questões assim demandam que o síndico exercite seu lado mais político. “A gente teve conversas com o poder público sobre a necessidade de o condomínio ter um posto de saúde próprio. Não sei se conseguimos avançar mais nesse ponto, mas a semente já foi plantada”, coloca.
Hélio precisa ainda conciliar uma curiosa relação entre público e privado com a Prefeitura. “O carro da Emlurb (Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana) recolhe o lixo no interior do condomínio, mas se a gente precisa trocar uma lâmpada não somos atendidos, mesmo tendo que pagar taxa de iluminação pública”, conta.
Manutenção: tarefa quase impossível
Em seu turno, o roçador Rogério Lima divide com outro colega a tarefa de aparar o mato dos 300 mil metros quadrados do condomínio. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)
A rotina só é mantida graças à carga horária 12x36 no serviço militar, em que 12 horas de trabalho são sucedidas por 36 horas de descanso. “A gente tem uma equipe muito boa, com gerente administrativo, gerente operacional e os encarregados dos demais setores, como segurança, manutenção e postagem”, completa Hélio. A exemplo do síndico, os funcionários sempre estão cheios de trabalho a fazer. O roçador Rogério Lima divide com outro colega, durante seu turno, a responsabilidade de aparar o capim de nada menos do que os 300 mil metros quadrados de área do condomínio. “O pessoal diz assim: ‘Rogério, é bom que não falta emprego’. Mato tem um bocado”, brinca.
O eletricista Enoque Vicente dá pelo menos duas voltas a pé no condomínio por dia. O funcionário mais antigo do conjunto, com 31 anos de serviços prestados, trata o trabalho de cuidar das demandas de 2.464 apartamentos com leveza. “Aparece muita bronca, mas o Ignez Andreazza faz parte da minha vida, gosto muito dos moradores e de trabalhar aqui”, afirma. Para ele, a gestão de Hélio é uma das melhores que já passaram pelo conjunto. “Minha melhor lembrança? A nova administração e o fato de ter me casado e constituído minha família. Minha esposa também trabalha aqui e os filhos já estão com 13 e 22 anos”, celebra.
Com 31 anos de serviços, Enoque é o funcionário mais antigo do conjunto. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)
Candidato único da última eleição, Hélio parece ser unanimidade na comunidade que convive no conjunto. Queixa-se da ausência dos moradores nas assembleias, que dizem confiar em suas decisões, e se diz cansado, em busca de um substituto. O incentivo de cinco salários mínimos e a possibilidade de lidar com centenas de milhares de reais, segundo Hélio, vêm atraindo os perfis errados. “Nossa preocupação é manter o trabalho desta administração. Converso com algumas pessoas, mas alguns nos deixam desconfiados”, resume ele, que transformou, sem saber, a experiência da retomada do Ignez Andreazza em uma alegoria da necessidade de transparência em qualquer política coletiva.
A estrutura:
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