Tópicos | conscientização do autismo

O Dia da Conscientização do Autismo é comemorado anualmente no dia 2 de abril, celebrado para chamar atenção da mídia e sociedade para o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) com a cor azul. As redes sociais têm ajudado bastante a dar voz a pessoas autistas que, devido (também) à condição, acabam não interagindo muito socialmente, além de ajudar a desmistificar o autismo e também como identificar se uma pessoa tem possíveis sinais de TEA. 

De acordo com a psiquiatra infantil Liliane Moreno, que faz parte da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria (SPP),  o transtorno do neurodesenvolvimento é caracterizado por dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos repetitivos e restritos. “Os sintomas estão presentes desde o período inicial do desenvolvimento e alguns sinais precoces podem ser observados a fim de que seja realizado o diagnóstico precoce e um tratamento mais efetivo”. 

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“Alguns sintomas precoces são falta de atenção para a voz humana, preferência por objetos à pessoas, não olhar para a mãe ao ser amamentado, não apresentar comportamentos de imitação (dar tchau), não compartilhar a sua atenção com o principal cuidador (apontar algo que chame a sua atenção), atraso na aquisição da fala(não fala nenhum palavra aos 2 anos)”, explicou. 

Liliane afirmou que, ainda com o maior acesso à informação, alguns adultos acabam se descobrindo autistas através do diagnóstico dos filhos, tendo em vista que “antigamente não se tinha tanto conhecimento e esclarecimento sobre o autismo”. “Os indivíduos com autismo leve, muitas vezes, não recebiam o diagnóstico mais cedo e só após o diagnóstico dos filhos. Devido uma gama muito grande de quadros clínicos e à variação fenotípica infinita, nos casos leves as alterações são muito sutis e, muitas vezes, o diagnóstico só é dado por um psiquiatra infantil com experiência na área. Eles chegam ao profissional com vários diagnósticos prévios e a partir do diagnóstico de autismo eles passam a entender seus comportamentos que muitas vezes eram vistos apenas como estranhos”, relatou. 

“Sobretudo em mulheres, o diagnóstico de TEA leve é ainda mais difícil, seja porque o quadro é mais sutil ainda, seja porque a sociedade é mais permissiva com as dificuldades delas, seja porque mascaram a externalização da sintomatologia autística. São crianças que são mais “chatas”, não conseguem fazer novas amizades, são mais ingênuas, sensíveis, permissivas, pois não percebem a intenção ou maldade do outro”. 

A psicopedagoga clínica Alexandra Lima completou que há uma maior conscientização dos profissionais que têm os primeiros contatos com as crianças, como os pediatras. “Hoje já existe uma conscientização e um alerta aos pediatras, que são quem tem o primeiro contato, para que percebam isso. Geralmente as famílias se queixam muito que, desde bebês, eles se incomodavam de ficar no colo, ou queriam colo demais, ou choravam muito”. 

Rivany Burgos pedagoga, voluntária municipal de Educação de Olinda, ativista da causa da pessoa com deficiência, é mãe de Maria Cecília de 7 anos que tem autismo, hiperatividade e déficit de atenção e TOD (Transtorno Opositor Desafiador), transtorno em que a pessoa sempre se opõe às regras.

A mãe conta que começou a desconfiar quando a menina tinha oito meses, devido sua falta de contato visual que a fazia pensar que a bebê estava no seu próprio mundo. Mas no início a mãe acreditava que isso seria algo de personalidade, só que quando a menina foi crescendo notou-se uma dificuldade no seu desenvolvimento linguístico. 

Após perceber essa dificuldade, a mãe junto com o pai começaram a estimular Maria Cecília dentro de casa, com atividades que a ajudassem a desenvolver a fala. Passou o tempo e apenas com 4 anos a criança foi diagnosticada. Segundo a mãe, essa demora foi referente à grande dificuldade em conseguir os tratamentos multiprofissionais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “No começo foi muito difícil, porque a gente tem que usar de outras estratégias para que ela possa entender o que estamos falando. Para ela, usávamos imagens, joguinhos, músicas. Fomos adaptando as coisas para ela ter sucesso no desenvolvimento cognitivo e social, trabalhando com vários recursos visuais”. 

Rivany detalhou que sua filha tem hipersensibilidade sensorial auditiva, algo que nem todos os autistas possuem. Ela relatou que, recentemente, precisou se mudar devido ao grande barulho que seu vizinho fazia, que deixava Cecília sofrendo. Barulhos em geral a incomodam, fogos de artifício, os ônibus, latido de cachorro fazendo-a algumas vezes gritar. 

Segundo a mãe, sua maior dificuldade é conseguir o tratamento adequado. “Está sendo muito difícil, porque desde então minha filha não tem acompanhamento terapêutico. Atualmente ela só tem um psicólogo que faz terapia em grupo, e ela precisa de outros tipos tratamentos multiprofissionais, que pode desenvolver bem melhor a vida da minha filha”.

“É muita luta. A gente passa por filas de espera que dura anos para conseguir um tratamento digno para que essas crianças possam se desenvolver e ter uma vida mais próxima do normal, mesmo tendo essas condições”. Ela lamentou, “é muito sofrimento saber que seu filho tem capacidade de desenvolver mais, e por causa da má política não desenvolve”.

Por sua vez, Cristiane Castro, dona de casa e mãe de Elaine Fonseca de 4 anos, que foi diagnosticada com autismo com 2 anos e 4 meses, relatou ter começado a desconfiar da condição quando ela parou de falar o que já tinha aprendido com 1 ano e 4 meses, além de não atender pelo nome. 

Ela disse que no início achou estranho, mas pensou que era o tempo da menina. Para completar, a chegada da pandemia a impediu de investigar sobre a condição de sua filha. Apenas em junho de 2020, ela foi atrás de um psiquiatra e uma fonoaudióloga, que foi identificado pela fono à Apraxia (falta de fala e linguagem) e também a suspeita do Autismo. Já o psiquiatra informou que a menina era autista.

 “Naquele momento eu não sabia o que vinha pela frente. Pensei no medo, no preconceito, o que as pessoas iam falar, o que minha família ia falar”. “Hoje depois de um ano, ela começou a terapia, começou a soltar sons, já fala algumas vogais, já me chama de mamãe”. Com o tempo, a menina está se desenvolvendo, se tornando mais independente, disse.

Educação

A psicopedagoga clínica Alexandra Lima, da Clínica da Aprendizagem Alexandra Lima, detalhou que é preciso fazer uma avaliação nas crianças autistas “para saber as dificuldades delas e, a depender do grau, saber se vamos precisar ou não fazer as adaptações” na educação. “Às vezes pode ser uma criança que não precise de tanto suporte, que é o que se considera autismo leve. Se for uma criança com bom funcionamento, poucas adaptações vão ser necessárias, a não ser o teste de rastreio, mapear as áreas que ela tem mais dificuldade e traçar o plano de intervenção como qualquer outra criança”. 

“Se ela precisar de mais suporte, lançamos mão de alguns protocolos com base nas abordagens terapêuticas que já fazem. Lançamos esse manejo para chegar mais fácil nelas, e o que usamos bastante é o suporte visual. A gente tenta chamar mais atenção para eles e rastrear as áreas de aptidão, gostos, nada que também não pudéssemos fazer com uma criança que não tem autismo. Mas nelas conseguimos estabelecer singularidades que ajudam a descobrir o canal de acesso até elas”, disse a profissional. 

De acordo com Alexandra, é preciso considerar o transtorno autista dentro da sala de aula. “Se for uma criança que tem um bom funcionamento, ela vai dar conta do conteúdo. Claro que ela pode não interagir e, uma vez que isso não acontece, ela sai prejudicada. Essa interação não só com os outros, mas com o conhecimento. Aquelas que têm uma dificuldade maior vão precisar de metar, provas, conteúdos, tudo adaptado para ela e, muitas vezes, também vai precisar de alguém que fique mediando essa aprendizagem”, afirmou. 

Ela salientou a importância do verdadeiro acolhimento como auxílio no melhor desenvolvimento da criança autista, “ele é tudo”. “Não é acolher de boca e nem levantar  bandeira. É acolher dentro, na alma. Acho muito importante que exista um preparo e uma conversa que se fale sobre, explique que não é uma doença, que as crianças autistas, por mais que não interajam, elas escutam, entendem, sentem. É importante falar desse acolhimento para professores, alunos, toda a comunidade escolar, e falar bastante, conhecer, procurar, saber de todas as formas porque, a partir do momento que você acolhe, você conhece e se abre para esse ‘diferente’. A informação é importante para que eu desmistifique muita coisa, mas a gente só acolhe verdadeiramente com o coração”, enfatizou. 

Ausência de inclusão

Alexandra Lima ressaltou que a inclusão nas escolas é um ponto crítico a ser discutido pela falta de preparação das escolas, sobretudo as particulares. “A lei diz que a gente tem que incluir e, na contramão, tem as escolas que não são preparadas e não querem, mas elas não dizem isso porque é politicamente incorreto”. 

“O que vemos hoje são crianças dentro das escolas, porque não podem ter esse direito negado, mas são sem nenhum preparo, sem nenhum olhar. As escolas deixam a criança lá fazendo de conta, essa é a realidade. Existe inclusão no papel, na lei, na boca, mas efetiva, não existe. O que temos é uma comunidade de autista imensa de crianças que não conseguem ser incluídas. É muita coisa que precisa ser revista, mas o fato é que as escolas recebem porque são obrigadas”, observou. 

No entanto, ela salientou que o trabalho das escolas públicas na inclusão de alunos autistas é “mais estruturado”. “As escolas particulares não têm uma organização e predisposição. Vejo trabalhos muito mais lindos, bem preparados e estruturados na escola pública do que na privada. E isso estamos falando apenas de autismo. Falta disponibilidade para sentar todo mundo e falar sobre”. 

A profissional fez questão de ressaltar que a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, deve ser discutida nas comunidades escolares como um todo. “Hoje não existe essa discussão para saber onde vai chegar, porque é preciso se ouvir como é o dia a dia, o que se precisa, profissionais para esclarecer essa inclusão. A criança para estar dentro da escola precisa ter um plano individualizado que a lei orienta, que seja feito a partir do mapeamento de todas as possibilidades dessa criança, o que vai ter como meta para ela. Esse plano de ensino é o que vai nortear a vida dela dentro da escola, e é o que a inclusão diz que seja feito”. 

“Muitas escolas não sabem nem o que é um plano de ensino individualizado. É preciso ter a garantia dessa lei para que a criança tenha o plano de ensino individualizado para que ela possa se desenvolver através das metas estabelecidas para ela”, finalizou.  

Rede social 

Alguns grupos de apoio a pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) se materializam nas redes sociais, além de pessoas autistas que fazem da internet um meio de comunicação para desmistificar alguns preconceitos e temas relacionados ao transtorno falando para várias pessoas de uma vez e, naturalmente, respeitando os seus limites de interação social, quando ele existe. 

Recentemente, uma mulher bolsonarista “burlou” o uso de máscara durante a circulação no Shopping RioMar, na Zona Sul do Recife, se dizendo ser autista (sem ser) e postou nas redes. Na ocasião, ela chegou a afirmar, rindo, que “tá todo mundo doido, a gente se faz de doido também e tá tudo certo”. Após repercussão nas redes sociais, Natasha Borges comentou não ter preconceito e respeitar a condição por ter um familiar autista. 

O perfil do Instagram Autista falando de autismo (@autistafalandodeautismo), em vídeo, Pedro Jailson, dono do perfil, criticou a fala da bolsonarista. “Vai ficar famosa agora. Não era isso o que ela queria?”. Na página, ele diz que foi diagnosticado aos 28 anos e dá várias dicas de indicações de profissionais, livros, e tem um destaque “entenda o autismo”, com publicações como “existem medicações para tratar o autismo?”, “existem exames para detectar o autismo?”. 

Um outro perfil em destaque no Instagram é o de Ivan Baron, o “influenciador da inclusão”. Ele também fala de “expressões capacitistas”, “como é pra chamar?”, dentre outros assuntos relacionados a vários tipos de condições. 

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Com a colaboração de Camilla Dantas

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