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Moradores do bairro de Jardim Atlântico e Jardim Fragoso, no município de Olinda, na Região Metropolitana do Recife (RMR), reclamam da omissão do poder público em avaliar os danos causados pelo impacto direto das chuvas que caíram sobre a capital pernambucana no último dia 9 de maio. Reunidos, os moradores alertam que, em toda a história da região, essa foi a primeira vez que a enchente provocou graves danos materiais e psicológicos a muitas famílias, chegando a invadir as casas em até dois metros de altura. Para eles, o transtorno tem nome e responsável: a obra da Via Metropolitana Norte, do Governo do Estado de Pernambuco. 

Há pouco menos de três anos, em nove de setembro de 2013, o Governo e a Prefeitura de Olinda deram o pontapé inicial e assinaram a ordem de serviço da Via Metropolitana Norte. Orçada inicialmente em R$ 123 milhões, a obra promete criar duas pistas marginais com 10,5 metros de largura, com três faixas de rolamento cada, uma ciclovia ao longo da pista oeste (com 2,5 metros de largura) e um viaduto sobre a PE-15. Serão 6,1 km ligando a PE-15 e a PE-01, entre os bairros de Rio Doce, em Olinda, e do Janga, em Paulista.  Para tornar o projeto realidade, era preciso que o canal por onde passa o Rio Fragoso fosse alargado em até 45 metros e um total de 2.000 imóveis fossem desapropriados.

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Com prazo de 30 meses para execução da obra desde 2013, a construção em maio de 2016, em um trecho no bairro de Jardim Atlântico, encontra-se inerte. Sem avanços, a Via cede lugar a entulhos de mais de 30 metros de altura que seguem o curso do que restou do Rio Fragoso. Para Alexandre Miranda, morador da região há 35 anos, não houve um estudo sobre os impactos que a obra poderia causar. “A gente acredita que essa intervenção em um rio é a causa do agravamento da enchente. Esse foi o maior alagamento da história desse local. Até a remoção dos sedimentos do rio é feita de forma irregular e às vezes nem é feita”, lamentou. O morador conta que perdeu boa parte dos móveis do quarto do seu filho e sofreu danos irreparáveis que vão além do valor material.

Com um olhar apreensivo, a bióloga Laíz Muniz, moradora do bairro de Jardim Fragoso, onde choveu 225 milímetros no último dia 9, se diz assustada com a chegada do inverno no próximo dia 1 de junho, em que geralmente não há pausa nos dias chuvosos. “Antigamente, a água entrava no terreno da minha casa, mas dessa vez, ela entrou na minha casa, o meu sofá ficou boiando. Com a obra toda irregular, espera-se o pior porque a gente nem chegou no inverno e já estamos nessa situação”, contou.  De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), no fatídico dia choveu 185 milímetros, o esperado para 18 dias.

Histórico

Essa não é a primeira vez que a construção da Via é colocada em xeque pela população e pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Em abril de 2015, a promotora de Justiça do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico, Habitação e Urbanismo de Olinda, Belize Câmara, conseguiu interditar a obra pela falta de um Estudo de Impacto Ambiental na área. Na época, a promotora acusou a Prefeitura de Olinda, o Governo do Estado e a Construtora Ferreira Guedes de irregularidades.  O MPPE explicou que a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) autorizou a intervenção sem que fossem apresentados os laudos ambientais. “A juíza concedeu a liminar, mas o Estado de Pernambuco, a CPRH, a Cehab, o município de Paulista, de Olinda e a Construtora Ferreira Guedes entraram com um recurso e conseguiram voltar com a obra”, afirmou a promotora Belize.

Em entrevista ao Portal LeiaJá, mais de um ano depois de embargar a obra por alguns dias, Belize Câmara explicou que a ação judicial constatava irregularidades na obra pela falta de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) na área. “Eles acabaram com a vegetação do leito do rio, que freava as enchentes, o alargamento do leito, 2.000 desapropriações, a derrubada de mais de 1.000 árvores, tudo isso sem uma análise”, cravou. Ela diz que a enchente que atingiu os bairros de Jardim Atlântico e Jardim Fragoso não a surpreende.  “É de interesse do poder público realizar as obras sem que a população conteste, por isso eles não procuram diálogo. Se houvesse o mínimo de cuidado com a área, isso não teria acontecido”.

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Impactos

Vanda Ferreira, conhecida na região como Dona Vanda, que também dá nome ao bar de que é proprietária, conta que nunca viu uma enchente tão drástica desde que mora e trabalha nas redondezas. No seu pequeno comércio, as consequências foram grandes. A geladeira, que parou de funcionar depois da enchente, agora dá lugar a maços de cigarros e materiais de venda do seu estabelecimento.  “No dia da cheia caiu muita coisa dentro do bar. Eu saí do bar e fui pra minha casa, mas ela também estava muito alagada, foi muita água”, contou. 

Em nota, a assessoria de comunicação da Secretaria de Habitação de Pernambuco (SecHab) afirmou que possui toda a documentação, estudos e projetos na área ambiental conforme exigidos pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) para a execução do Projeto da Via Metropolitana Norte. O geógrafo e morador Diogo Galvão questiona o fato de o projeto não ser público e de fácil acesso para os moradores que estão sendo diretamente afetados com o trecho da obra. Para a bióloga Laís, não há uma explicação do que vai ser feito para suprir toda a vegetação que foi retirada do local.

De acordo com a CPRH, nem sempre há uma real necessidade de ser realizado o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental, conhecido como EIA/RIMA, mas que outros estudos foram realizados. Em nota, a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco informou que a obra da Via Metropolitana Norte foi licenciada após estudos de impactos ambientais que analisaram a documentação fornecida pelo empreendedor, cumprindo assim todos os ritos legais. Para a promotora Belize, há uma motivação clara para a negação de realizar o EIA/RIMA na área da Via Metropolitana Norte.

“Nesse estudo, é preciso que haja uma audiência pública com a comunidade para debater e explicar a obra e eles não querem isso. A entidade também tem que possuir saídas alternativas, como um traçado da Via que não prejudicasse tanto a vegetação, por exemplo. Esse é um estudo mais completo das consequências dessas intervenções e não foi feito”, cravou.  A CPRH explicou que pode haver uma ligação da obra estar atrasada com a enchente, mas que há uma decisão do próprio Tribunal de Justiça de Pernambuco, de 2015, autorizando a realização da mesma.

Atuando na região há 13 anos na região, a Creche Escola Bartolomeu Aroucha (Ceba), que atende a 80 crianças carentes diariamente, se encontra cercada de entulhos de mais de trinta metros de altura.  "Tivemos muita chuva e todos esses entulhos que estão por trás da creche, a gente acredita que foi a principal motivação da água ter entrado aqui. Eu fiz o ofício para a Cehab e falei que toda a água que entrou aqui era devido ao entulho”, lamentou Dora Pereira, diretora da creche. Ela argumenta que antes da obra não havia nenhum entulho. “É um material sujo, que não pode ser colocado em qualquer local, ainda mais junto da creche porque temos muitas crianças aqui”.

Em nota, a Cehab não falou quando os entulhos serão retirados do local, mas afirmou que equipes técnicas do Governo do Estado e do Município de Olinda estão atuando nas áreas de intervenção da obra da Via Metropolitana Norte, para garantir o escoamento das águas das chuvas. “A limpeza e manutenção do Canal do Fragoso, de atuação da Prefeitura Municipal, é realizada em períodos mais frequentes já firmados. A SecHab e a Prefeitura de Olinda vem destacando a importância da conscientização da população em relação ao lixo acumulado nos canais e nas  margens do Canal do Fragoso. O acúmulo de lixo, entulho e outros detritos, somando às fortes chuvas no período atual, agravam a situação”, diz a nota. 

Vala aberta

Em um cenário que beira o abandono e o descaso, os moradores dos bairros de Jardim Atlântico e Jardim Fragoso continuam a se perguntar qual será o posicionamento do poder público e quais serão as providências tomadas pela possível relação da enchente com a obra. Para a Secretaria de Habitação de Pernambuco, as obras realizadas no Canal do Fragoso não tiveram relação com os transtornos e alagamentos ocasionados pelas chuvas no município de Olinda. A última grande chuva, considerada pela APAC uma das maiores dos últimos 30 anos, contribuiu com os transtornos ocasionados às famílias, somados ao histórico de alagamentos no município.  

Com atrasos no prazo inicial, a nova previsão de conclusão da primeira etapa do Projeto da Via Metropolitana Norte, denominada Fragoso II, é para o primeiro semestre de 2017. Apesar de prometer - na teoria - benefícios como a interrupção de constantes alagamentos registrados nas épocas de chuvas na região, a obra só trouxe, na prática, prejuízos irreparáveis aos moradores da região. Assim como Dona Vanda que deu um novo sentido a sua geladeira danificada com a enchente, os moradores tentam dar novos sentidos a realidade, na luta pelos seus direitos e na esperança de que algo possa ser feito pelo Governo do Estado. Ainda nesta terça-feira (24), um grupo se reúne em uma Audiência Pública na Câmara Municipal do Recife, às 19h, em busca de criar um canal de diálogo com os órgãos públicos da capital pernambucana.

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