Dark Room, a produção mais recente da companhia In Saio, dirigida por Cláudia Palma, estimula uma reflexão para além dele mesmo e da companhia que o realiza. A proposta aqui é a de ler Dark Room como um índice de boa parte do que se realiza hoje em dança, entre nós.
Como se sabe, toda produção está atada às suas condições de feitura. A obra nos conta isso - voluntária ou involuntariamente. Neste caso, lá está o modo como Claúdia Palma pensa a dança. Excelente bailarina, destacou-se no Grupo Casa Forte, na Cisne Negro Cia. de Dança, no República da Dança e, depois no Balé da Cidade de São Paulo. A certa altura, decidiu tornar-se coreógrafa e recalibrou sua carreira nessa direção.
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Como tantos outros que decidem o mesmo, trabalha com o que aprendeu sendo intérprete de outros coreógrafos. Se a rica e sólida experiência de intérprete de Claudia Palma se construiu com distintos autores para os quais cada dança vale como sinônimo de produto avulso, não se pode estranhar que siga nessa trilha. No momento em que encontra Antony Gormley, é dela que o avista.
Dark Room surgiu de Blind Light (2007), instalação do artista inglês que o Centro Cultural Banco do Brasil exibiu em 2012, em São Paulo. Em um espaço de vidro de 8 m x 10 m, umidificadores criavam um denso vapor que produzia invisibilidade. Ao adentrá-lo, sentia-se como no topo de uma montanha tomada por uma névoa muito densa. Além do deslocamento dentro e fora, o sujeito passava a compor a própria obra (e a revelava para quem a olhasse), borrando o papel do espectador.
Impactada por Blind Light, Cláudia Palma produziu um jogo de mostrar/esconder com o público. O título que escolheu é uma pista importante: da luz cega para quarto escuro (dos títulos em inglês). Do branco de Gormley, para o escuro de Cláudia; do espaço fechado que se abria para fora ao espaço aberto que se fechou no palco. Mas em Dark Room, o público não deixa de ser plateia, mesmo instalado no mesmo espaço dos intérpretes. Quando cada bailarino escolhe sussurrar ou olhar muito de perto para alguém, apenas "fecha" com ele um palco mais íntimo.
Eles falam, dançam, interpretam personagens, mas parecem ainda excessivamente jovens para tarefas de tamanha exigência e as tessituras específicas nelas implicadas. As fragilidades se expõem; inflexões que pedem sutileza ganham traços excessivamente grossos; a variação das tonalidades irônicas, dramáticas, de humor etc., que cada cena pede não se desenha.
Uma noção clara de obra, aprendida e reiterada ao longo da sua experiência profissional, não se desmancha, fazendo tudo o que foi convocado para transformá-la parecer mais da ordem do desejo do que da realização. O que deveria funcionar como fragmento aparece como pedaço de um todo a ele profundamente conectado, apenas distribuído por locais distintos do palco.
A ignição que veio de Blind Light parece ter sido tratada como uma adaptação de "conteúdos" - em acordo com os hábitos da dança que é desenhada a partir de um tema ou proposta - e não em torno de uma inquietação que geralmente dura mais que uma única produção. A principal diferença entre os dois jeitos é que, no segundo, a materialidade não existe antes, e o espaço deixa de ser um lugar no qual a obra é colocada.
A reflexão aqui proposta nos leva ao reconhecimento de que em Claudia Palma agora palpita algo que ainda não encontrou a sua forma, mas já está lá. Nesse encadeamento, Dark Room se instala como um elo do qual pode surgir uma bifurcação. Há que observar se o que nele está como um vir a ser terá permanência e o que dele resultará. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.