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O público não está sabendo lidar com a estreia da 17ª temporada de Grey’s Anatomy. A novidade começou a ser exibida na última quinta (12) e, além de abordar os dramas da pandemia do coronavírus, trouxe de volta um personagem que estava fora da trama há anos, Derek. A série foi extremamente comentada nas redes sociais e chegou a figurar nos Trending Topics do Twitter. 

É comum em Grey’s Anatomy que personagens muito queridos do público desapareçam em circunstâncias extremas, como assassinatos, tiroteios e atropelamentos. Derek, interpretado pelo ator Patrick Dempsey, havia deixado a trama em 2015, após morrer em um acidente de carro. Na nova temporada, o personagem ressurge em sonho para Meredith Grey. 

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A 17ª temporada da série chegou 'chegando' e agradou ao público em cheio. Pelo menos foi o que deu a entender a partir dos inúmeros comentários nas redes sociais. “Agora vou ter que superar a partida do Derek de novo?”; “Aproveitar esse momento para enaltecer o melhor casal da série”; “Krista conseguiu em 12 minutos oq a série não conseguiu em 17 temporadas”; “Krista confirmou em uma entrevista que mais personagens mortos, além do Derek, vão aparecer na praia pra Meredith, provavelmente já no próximo episódio. Tô pronto pro retorno das lendas George O’Malley, Lexie Grey e Ellis Grey”.   

Com exceção de Derek e Brooklyn Nine-Nine, o tempo está sendo cruel com esta temporada de estreias de novas séries, a fall season 2013. Mesmo Sleepy Hollow e Agents of S.H.I.E.L.D., programas nos quais apostava algumas das minhas fichas, têm se mostrado dúbios e irregulares. The Michael J. Fox Show era outro que gerava altas expectativas, ao menos para mim, e se estas não foram soterradas, certamente não alcançaram o ápice tão aguardado.

É evidente que mesmo anos após seu papel mais marcante e até hoje lembrado, o ator que interpretou Marty McFly continua afiado, principalmente ao fazer piada de si mesmo. Além disso, seu carisma é inegável, e mesmo que a idade atualmente pese nas rugas em sua face e o Parkinson seja um problema evidente, os trejeitos de meninão continuam lá, levando energia e espontaneidade a todas as cenas nas quais ele está. Porém, o grande problema desta nova série não reside em seu protagonista, mas em suas piadas, já que The Michael J. Fox Show se pretende um programa de comédia.

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Para quem viu o trailer que atencedia a premiere, fica claro que todas as melhores (se não únicas) piadas foram utilizadas nele, e que além deste horizonte não restou muito mais. Mas se analisarmos o mote do humor, veremos que ele mora em um único núcleo, que é o ator em si, sua doença e as consequências que adviram ao longo do tempo ou que inevitavelmente chegarão; e todos estão cansados de saber onde séries de um mote só vão parar. Se subtramas em excesso são claramente um defeito, a não ser que você saiba exatamente onde cada uma vai dar, uma premissa solitária pode ser algo ainda pior.

Incomodou-me também o fato da agilidade nos diálogos. Quando assistia a The Big Bang Theory – pois hoje não tenho mais saco para as repetições de Chuck Lorre -, a agilidade com que Sheldon Cooper processava suas frases podia até nos fazer perder uma coisa aqui e outra acolá, mas sabíamos que isto era uma característica do personagem e que se encaixava sublimamente. Já neste novo show, o roteiro e a montagem, além, é claro, da direção, parecem exigir a todo instante que todos falem o mais apressadamente possível, emendando uma frase noutra e não dando tempo para que o público respire ou processe as ideias que dali estão brotando. Se em Dads, os “dead air” eram um problema mortal (desculpem pela piada), aqui a falta de um espaço ou outro não é apenas pontual: soa como um tapa-buracos para que não percebamos que sob a superfície daquela suposta inteligência pautada na agilidade com que as coisas são ditas, há apenas um deserto árido com muito pouco a oferecer.

Além disso, para que diabos aquela constante câmera tremida quando não há ninguém gravando dentro da trama, ou por que resolver todo o plot do retorno de Michael Henry em um único episódio, apressando um final que não faz qualquer sentido ante a expectativa do novo trabalho do âncora?

Uma verdadeira pena, pois eu realmente cria neste programa e torcia pelo retorno triunfal de Michael J. Fox, mas o que vi foi um piloto mediano com poucas promessas de futuro, daqueles que você diz: “É. Legal. Mas tenho coisas mais interessantes a fazer.”

Tenho uma profunda descrença na humanidade e isto é fato, quase imutável. Sempre preferi os animais aos homens, pois dentro da falsa racionalidade atribuída àqueles, existe muito mais apego, inocência e dedicação, preservados sim, em grande parte, pelos seus instintos, que no ser humano. A mesma benesse da inteligência cantada aos quatro ventos e que sustenta as bases da humanidade, é também o maior de seus males, já que esta quase sempre aponta para usos escusos e diversos daqueles que realmente podiam levar ao real engrandecimento do homem como ser supremo sobre a face da Terra.

Assim, poucas coisas que revelam sofrimento ou qualidades do homem me chamam a atenção ao ponto de me sentir tocado por elas, até que algo ou alguém me surpreende e retira-me, momentaneamente, deste estado semi-absoluto de desprezo. E é engraçado que seja justo através do audiovisual, criação humana que só foi possível dada sua inteligência, que vez por outra sou invadido por este sentimento conflitante, mas mesmo assim, são poucos os filmes e séries que conseguem realmente me convencer de que devo, ainda que por parcos minutos, abandonar este estado de quase letargia ante outras opiniões. E qual não foi minha surpresa ao me deparar com a mais recente produção original do canal de streaming Netflix, Derek?

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Antes de mais nada é preciso dizer que a série, estrelada pelo louvado Rick Gervais, surpreendeu-me por inverter expectativas. Durante a preparação para a fall season 2013  (período em que os canais de TV estreiam inúmeros seriados), falava com meus companheiros de site sobe Derek, e sempre havia uma aura de comicidade em torno do show. Apesar de eu, particularmente, não ter visto trailers, ouvindo Laura Atanasio, Rick Monteiro e Márcio Andrade comentarem sobre o programa, tinha a mais absoluta certeza se tratar de uma comédia, até que o episódio piloto veio e vi-me diante de um drama da mais alta qualidade. É até verdade que em alguns instantes dos capítulos quatro e cinco, mais especificamente, numa visita a uma praia e na apresentação cover de Duran Duran, ri genuinamente, assim como alguns dos atores presentes nas filmagens, mas mesmo isso não mudou minha visão de que Derek é, em suma, um programa dramático.

Basicamente o show conta a história de um asilo chamado Broad Hill, e no que pude depreender, mantido pelo governo, até que este começa a passar por dificuldades financeiras e sofrer a inspeção de funcionários do Estado. Enquanto isso, Hannah, a gestora do lugar, juntamente com Derek (Gervais), Dougie e Kev, busca meios de inverter a situação de Broad Hill e impedir que ele feche às portas, além de terem que, de tempos em tempos, lidar com dificuldades ainda maiores, como a morte de algum residente.

A grande sacada, no entanto, nesta obra-prima dirigida pelo próprio Gervais, consiste na utilização de uma câmera documental, que sempre treme aqui e ali, mas sem excessos, e acompanha os personagens aonde quer que eles vão, vez por outra intercedendo na narrativa para obter testemunhos dos habitantes da casa geriátrica. Esta característica, somada ao fato de, em dados momentos, os personagens olharem direto para nós, faz com que adentremos na trama como se estivéssemos ali no meio, vivenciando aqueles fatos, sendo um dos locais. Creio eu que em algum momento do show, em temporadas vindouras, venhamos a saber quem orquestra aquele documentário, mas mais genial ainda seria se isso jamais fosse mostrado, fazendo com que Derek seja, de certa maneira, a nossa visão sobre Broad Hill.

Melhor ainda é percebermos que a tríade Derek/Dougie/Kev é tudo, menos comum. Um é um faz-tudo irritadiço, mas capaz de matar e morrer pelos seus, enquanto outro é um maníaco sexual dotado de relativa inocência (!), e o terceiro, o protagonista, é uma espécie de autista que diz tudo o que lhe vem à mente. No entanto, embora sejam figuras dicotômicas com a paz que o asilo exige, são eles as peças fundamentais, como percebemos ao longo dos sete episódios, para a existência daquele local.

E acima de tudo, o seriado é nada menos que tocante. Não há como não se deixar levar pela determinação de todos que vivem em Broad Hill em dar continuidade a existência do prédio. Em três momentos específicos vemos Dougie questionar a necessidade do escrutínio dos funcionários públicos sobre o lugar, e mesmo que seus pensamentos saiam pela boca de forma desordenada, o resultado final daquelas perguntas é exatamente tudo aquilo que conseguimos depreender da situação. Ao fim, quando o faz-tudo discursa sobre a boçalidade e a necessidade de existência daquele senhor de risos falsos futucando por toda Broad Hill, simplesmente sentimos o nó vir à garganta e notamos que Derek já é, de longe, uma das melhores estreias de seriados nos últimos anos. Isso sem falar no momento em que o personagem-título é questionado sobre sua doença e a necessidade de diagnosticá-la, ao passo em que pergunta se, sendo comprovado que ele tem mesmo autismo, isso mudaria seu jeito de ser. Ao ouvir um “não”, ele rebate com um “se isso não me mudará, não fará diferença saber se tenho ou não.”

Como se não bastasse, ainda somos contemplados com a felicidade de idosos encontrando animais carentes e estes convivendo em harmonia com aqueles por um dia e uma noite, enquanto vemos Derek discursar sobre a alegria e entrega sincera dos animais às pequenas coisas da vida.

Breaking Bad é cinema puro, da mais alta qualidade. Battlestar Galactica é simplesmente sensacional, por nos envolver em seus questionamentos sobre ciência, religião, política e sociedade como um todo. Sherlock eleva seu personagem-título a outro patamar e mostra como bons roteiros são essenciais. Seinfield é a comédia em seu sentido puro, niilista e capaz de fazer rir sempre. Mas só Derek é Derek, e quanto a isso, não há comparações.

Mesmo tendo rido poucas vezes ao longo desta suposta comédia, sinto-me extremamente feliz por isso, enquanto escrevo com os olhos marejados sobre este seriado que, a sua própria maneira, conseguiu me fazer enxergar o lado bom do ser humano, ainda que a realidade seja um pouco distinta. Mas só de esquecer, por alguns bons minutos, que somos capazes das maiores atrocidades e que todos nós podemos ser nossos próprios Dereks, já valeu à pena.

Obrigado, Rick Gervais!

P.S.: Não podia deixar esse post sem falar da marcante trilha sonora que se ajusta perfeitamente à proposta da série e, junto com todos os elementos já apresentados nesta crítica, é em grande parte a culpada por me emocionar tanto.

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