Tópicos | Dia da Visibilidade Bissexual

Nesta quinta-feira (23) é o Dia da Visibilidade Bissexual. Essa data, porém, marca o longo percurso que a comunidade ainda trilha em busca de maior representatividade.

Apesar de ser celebrada no Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, mulheres bissexuais estão 26% mais propensas a sofrer com quadros de depressão do que as lésbicas e heterossexuais, segundo estudo realizado pela revista científica Journal of Public Health.

##RECOMENDA##

Esse problema está atrelado, principalmente, às consequências da bifobia e da invisibilidade enfrentada por essas pessoas, segundo Danieli Klidzio e Helena Motta Monaco. A cientista social e a antropóloga, respectivamente, são administradoras do perfil Bi Blioteca no Instagram, que visa trazer discussões científicas sobre a orientação sexual.

"Essa invisibilidade é produzida pelo apagamento da bissexualidade, que se dá em vários níveis e em quase todos os espaços. Isso acontece porque em geral nós entendemos a sexualidade de forma muito binária e a bissexualidade rompe com isso", explica Helena.

Em entrevista ao Estadão, os ex-BBBs Lucas Penteado e Pocah contaram sobre o processo de entendimento da sexualidade e afirmaram que já sofreram bifobia pela própria comunidade LGBTQI+.

"É uma questão delicada pra mim, enquanto da periferia, falar sobre a minha sexualidade. Infelizmente, na favela, o patriarcacado está enraizado no ensino de pai para filho, é geracional", inicia.

O ator conta que lembra da primeira situação que viveu, quando estava na sexta série, e, ao beijar um menino, levou uma suspensão na escola. "Pensei que eu era errado, pesquisei num site religioso e vi que 'não era coisa de Deus'. Então, depois, eu só não falava sobre o assunto, mas me relacionava com quem eu queria", explicou.

"Sempre beijei na frente de todo mundo, agora ficou público porque no BBB 21 estava tudo gravado. Mas o que sou é o que eu sou e não com quem me relaciono", disse.

O artista afirmou ainda que o principal motivo por ter desistido do reality foi o preconceito que sofreu dentro da casa quando beijou Gil do Vigor. "A única pessoa que não me atacou foi ele, porque percebeu que pintou um clima e a gente deu um beijo. Para a galera, não foi isso", contou.

"Todos os beijos foram aplaudidos e o nosso as pessoas estavam com a mão na boca, impressionadas, questionando o que foi aquilo. Aquilo foi um beijo, eu não tive a oportunidade de responder pra elas, já que tanta gente se questionou, foi um beijo, sabem dar?", indagou.

"E foi racismo também. Se fossem dois branquinhos beijando todo mundo aplaudiria. Seria lindo se o Arthur ou o Fiuk dessem um beijo no Gil. Aliás, o Fiuk deu um selinho nele e as pessoas bateram palma", lembrou.

Gênero e bissexualidade

A antropóloga Helena enfatiza que a vivência de homens bissexuais se diferencia das mulheres. Isso porque, para eles, "há uma expectativa muito grande de corresponder aos ideais de masculinidade hegemônica, o que dificulta a identificação de homens bi, tanto por falta de referências quanto por medo de sofrerem estigmas".

"Muitos relatam dificuldades ao se relacionarem com homens homossexuais e mulheres heterossexuais, pois, no primeiro caso, são acusados de não se assumirem gays por completo (ou, ainda, seus parceiros dizem ter nojo de mulheres e, consequentemente, deles) e, para as parceiras, o fato de se relacionarem com homens coloca em dúvida a sua masculinidade e o seu real desejo por mulheres", relata.

Ela reitera que pessoas não-binárias (aquelas que não se percebem como pertencentes a um gênero exclusivamente) bissexuais são as mais invisibilizadas, pois são vítimas de um duplo apagamento e invalidação, tanto da identidade de gênero quanto da sexualidade.

No caso das mulheres bis, Monaco explica que elas são menos 'apagadas', ao menos na mídia, mas a relativa visibilidade é acompanhada de muita fetichização direcionada à satisfação do desejo masculino heterossexual.

"Nesse sentido, a bissexualidade feminina é visível apenas como objeto de consumo. Isso se converte em estereótipos, expectativas irreais e em violências, especialmente de cunho sexual", afirma.

"Por volta dos meus 14 anos, me chamou a atenção eu sentir mais atração por meninas do que por meninos. E no meu ciclo de amizade, as amigas sempre ficavam com garotos e eu ficava ali, né, de vela, sobrando, e não queria ficar com ninguém", disse.

"Ainda tinha a questão da minha família, que é evangélica, e também da minha fé. Isso me dava um certo medo de dividir o que eu estava sentindo e eles não entenderem. Nessa época eu simplesmente guardei o que estava sentindo e adiei essa vivência", lembrou.

A cantora relata que passou a entender que se interessava por todos os gêneros também aos 14 anos, após receber "o primeiro fora de uma menina" e, um tempo depois, se interessar por um menino.

"Já questionaram a minha sexualidade diversas vezes. Principalmente quando fui a público revelar que eu era bissexual. Eu lia coisas do tipo 'agora todo mundo é bi', 'bi que só namora homem'", conta.

"Que bom que hoje me entendo, me aceito, tenho outra cabeça e sei que a vida é de cada um. Se fulano diz que é, ninguém tem que duvidar ou invalidar. Já é uma grande questão por si só nos entendermos, para vir alguém ainda e duvidar, né?", reflete.

Bifobia dentro da comunidade LGBTQI+

A cientista social Danieli explica que a bifobia é constantemente imposta sobre uma condição de "falácia", como se fosse somente um traço da homofobia. "É reproduzida mesmo em ambientes relacionados à comunidade LGBTQI+, ou seja, perpassa mesmo espaços ditos de acolhimento. O que contribui para o isolamento e adoecimento das pessoas bissexuais", explica.

Ela afirma que isso tem relação com o chamado monossexismo, que é o preconceito contra pessoas cuja atração afetiva e sexual pode se dar por mais de um gênero.

"Há um estranhamento e um olhar de desconfiança, como se uma mulher bissexual, por exemplo, ao se relacionar com um homem estivesse 'dormindo com o inimigo', sendo muitas vezes vista como 'impura'. Também acredito que pouco se pensa que bissexuais são LGBTs, independentemente de com quem estão se relacionando", alega.

Saúde mental

"A bifobia pode também levar à precarização da saúde física e mental", diz Helena. A antropóloga explica que pessoas bis têm uma tendência maior a depressão, ansiedade, ideações e tentativas de suicídio, distúrbios alimentares e abusos de substâncias.

"Tudo isso ocorre porque elas se sentem sozinhas, inadequadas e invalidadas justamente por sofrer preconceito em tantos espaços", afirma.

"Uma das principais consequências da bifobia é o isolamento que é agravado pela falta de espaços de socialização que não tomem a bissexualidade como uma ameaça ou como uma farsa por ser apenas uma fase da sexualidade", acrescenta Danielle.

Justamente por isso, Monaco reitera a importância de se falar sobre essa orientação sexual. A partir de mais informações e debates sobre o tema, é possível que as pessoas consigam perceber que o que sentem não é um problema.

"Afirmar a existência é importante, mas existem muitas outras questões urgentes como a saúde mental, sexual e reprodutiva ou das vulnerabilidades econômicas e sociais. E para que as demandas bissexuais sejam ouvidas e levadas a sério é necessário que a existência de pessoas bi seja reconhecida", finaliza.

*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais

"Bissexuais só estão confusos", "os bi estão sempre em cima do muro", "vocês precisam decidir um lado. São indecisos". Frases como essas são direcionadas com frequência aos bissexuais e criam, muitas vezes, um estigma negativo do segmento, que integra a sigla LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros, intersexuais). No Brasil, o grupo ainda luta pelo reconhecimento da orientação sexual independente e por isso, neste domingo, dia 23 de setembro,  celebram o Dia Internacional da Visibilidade Bissexual.

Os bissexuais são pessoas que podem se atrair por outras do mesmo gênero, do gênero oposto e até por quem se identifica como sendo não-binário, nem homem e nem mulher. A data foi criada no ano de 1999 por três ativistas norte-americanos bissexuais, Wendy Curry, Michael Page e Gigi Raven Wilbur, justamente porque as demandas da população bissexual eram ignoradas pela sociedade. Em 2018, a data completa 19 anos, mas a bissexualidade continua alvo de preconceito e as pessoas ainda entendem a categoria como sendo alguém metade homossexual e metade heterossexual.

##RECOMENDA##

Preconceito em dobro

Mulheres bissexuais sofrem com um tipo mais constante de violência psicológica por parte de parceiros e também de parceiras. Em 2015, um estudo realizado pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres publicado na revista científica “Journal of Public Health” atestou que as mulheres bissexuais sofrem mais problemas de saúde mental do que as mulheres lésbicas. O estudo mostrou que as bissexuais são mais marginalizadas, inclusive na comunidade LGBTI+. De acordo com a pesquisa, as bissexuais têm 64% mais chance de enfrentar distúrbios alimentares do que as lésbicas; 37% a mais de chance de praticarem automutilação; e são 26% mais propensas a sofrer com quadros de depressão.

O estudo concluiu que apesar das mulheres bissexuais não “apanharem na rua” pela sexualidade, acabam comunicando menos sua orientação sexual a amigos, familiares e companheiros e podem permanecer “no armário” por muito mais tempo do que gays e lésbicas. “Bissexuais têm um risco maior de serem marginalizadas nas comunidades gays, assim como no resto da sociedade”, indicou Ford Hickson, principal autor do artigo científico. Segundo ele, apesar de as bissexuais do estudo sofrerem menos discriminação, elas tinham mais problemas relacionados à saúde mental. Lisa Colledge, coautora da análise, afirma que os resultados são semelhantes ao de outros trabalhos que traçaram as diferenças entre bissexuais e homossexuais.

Registro da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa, em Portugal. Foto: Mafalda Esteves/Coletivo Pela Visibilidade Bissexual

Um outro estudo, realizado nos Estados Unidos, o BiNetUSA, Bisexual Resource Center e Movement Advancement Project (MAP) revelou que pessoas bissexuais têm até seis vezes mais chance de esconder sua orientação sexual em relação a gays e lésbicas. De acordo com o levantamento,  apenas 28% das e dos bissexuais afirmaram que as pessoas mais próximas sabiam sobre sua orientação sexual. Em comparação com 77% para homens gays e 71% para lésbicas.

Mulheres bissexuais o tímido “B” na sigla LGBTI+

Em entrevista ao LeiaJá, a estudante Sara Fogo, 26, contou que sua descoberta enquanto mulher bissexual foi tranquila porque a família trabalha no ramo da arte e já tinham um maior desprendimento das normas sociais. Ela aponta que na sociedade as pessoas estão acostumadas a pensar dentro de uma caixinha e são ensinadas a gostar ou de homem ou de mulher. “Um dia, o meu marido falou para mim que também gostava de meninos e eu fiquei pensando sobre isso. Pouco tempo depois, comecei a conhecer mulheres e a gente lida bem com isso”, explicou a estudante.

Sara destaca, no entanto, que apesar do casal ter uma percepção boa sobre a sexualidade do outro, a sociedade ainda precisa evoluir muito na tolerância as diferenças. “Sofremos muito preconceito, principalmente da comunidade LGBT que no geral são muito machistas. Os bissexuais lutam pela libertação tanto do homossexual, da mulher lésbica, da heteronormatividade. O que parece é que as pessoas esquecem o “b” da sigla LGBT, muitas vezes nem mencionam.  As pessoas sempre falam as mesmas coisas, sobre a nossa decisão, se gosta de homem ou de mulher, é um dualismo que torna até mais difícil a nossa própria compreensão diante de tantas barreiras”, afirmou a estudante.

Sara Fogo ao lado do marido José Terceiro durante a Parada da Diversidade, na orla da Praia de Boa Viagem. Foto: Arquivo Pessoal

A pesquisadora Mafalda Esteves, que participa do Projeto de investigação: “Sexualidades invisíveis: Cidadania Íntima e bem-estar psicossocial na Bissexualidade", afirma que a bissexualidade tem ocupado um lugar precário, sendo percebida quer como uma sexualidade “invisível” que dificulta a possibilidade de a imaginar. "Ao pensar nos estereótipos sociais negativos em torno das pessoas que se definem como bissexuais, vários estudos mostram que é comum estarem associadas a um conjunto de ideias: são pessoas “promíscuas”, são “sexualmente insatisfeitas”, “obcecadas sexualmente”, incapazes de se comprometer em relacionamentos, o que significa que são frequentemente vistas como uma opção de parceiro não confiável e instável, de alguém que não sabe exatamente o que quer", publicou.

De acordo com Mafalda, a bifobia, termo usado para descrever o medo de, aversão à, ou discriminação contra bissexualidade, recebe menos atenção do que a homofobia. Para Sara Fogo, as pessoas cobram que se alguém tiver em um relacionamento com um homem é porque é hétero e isso exclui a bissexualidade. “Como eu e meu marido somos bissexuais, as pessoas acham que é casamento de fachada, como se ele fosse viado e eu lésbica. A gente se ama e tem um carinho e podemos gostar fisicamente de outra pessoa. No meio LGBT ainda rola muita repressão não só em relação a cor, feminilidade. É muita invisibilidade, as pessoas não não te dão voz, ninguém quer te escutar justamente pelo que você é”, pontuou.

Sara percebe que bissexuais sofrem uma invalidação constante de suas preferências, desejos e anseios. “Somos alvo de uma  sexualização muito grande a partir dos homens, para eles é um fetiche se relacionar com uma mulher bissexual. Parece que a gente tem que fazer tudo porque somos bi. Não é bem assim”, lamentou.

Michael Page criou a bandeira bissexual, hoje conhecida apenas como a bandeira bi, em 1998. O símbolo é composto de três faixas horizontais, a de cima é rosa escura, a do meio é roxa, e a de baixo é azul.

A gerente de um café, de 28 anos, que preferiu não ser identificada, conta que aos 22 anos passou pela descoberta de que era bissexual. Apesar de não se declarar ativista da luta LGBTI+, ela conta que a invisibilidade do bissexual é uma realidade. “Vejo muito preconceito do segmento homoafetivo, principalmente das lésbicas. Já rolou interesse de mulheres gays, mas quando souberam que sou bi, fugiram e não quiseram se relacionar comigo. Tenho preguiça de pessoas assim, eu acho que isso passa pela intolerância, da mesma forma como o segmento heterossexual. Muitas vezes evito frequentar locais declaradamente LGBTs porque ainda há muitas barreiras porque eu sei que não estarei incluída”, contou.

De acordo com a psicóloga Verônica Morais, que atualmente trabalha no Instituto Boa Vista, dentro do segmento ainda é existe o preconceito porque o bissexual é visto como indeciso, de quem não tem coragem de assumir o lado que gosta. Apesar disso, ela é otimista com o futuro. “Acho que hoje em dia há uma mudança no posicionamento das pessoa. A sexualidade está se expandido muito, as letras da sigla estão aumentando e há mais liberdade. Produtos culturais como novelas, filmes ajudam a partir do momento em que chegam para a população tratando da temática", afirmou.

Nas redes sociais, a categoria também se une para lutar contra o preconceito. No Facebook, o coletivo Bi-sides é voltado a pessoas que sentem atração por mais de um gênero. Uma outra página é a "Bissexuais Existem", com 140 mil curtidas e procura sempre publicar mensagem para esclarecer as questões do segmento e relatar casos de preconceito. 

[@#video#@]

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando