Desde que começou a ser possível inserir personagens com diferentes gêneros e orientações sexuais nos jogos eletrônicos, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros acabaram encontrando espaço nos consoles. Na década de 1980, muitos deles eram estereotipados, caricaturados e esteticamente diferentes do que deveria ser uma pessoa pertencente a um grupo LGBTQI. Porém, ainda assim estavam lá, começando a ocupar alguns espaços. Um dos exemplos mais antigos é Birdo, um Yoshi transgênero do jogo Super Mario Bros. 2, lançado em 1988. No game, ela é referida como um "homem que acredita que é uma mulher", o que reforça suas características trans, sendo o primeiro personagem transgênero dos games.
E não é a única. “O que a gente vem percebendo é que nos últimos anos, eu diria na última década, o meio gamer tem se politizado bastante. Há 10 anos, a gente começou a ver esse movimento de questionar machismo e outras formas de discriminação no meio dos games, na representação que a gente vê nos jogos e também na comunidade”, explica Henrique Sampaio, jornalista especializado em videogames que atua em causas igualitárias e LGBTQI+ na comunidade gamer brasileira.
##RECOMENDA##O que começou com uma série de descrições de personalidade que se prendiam ao gênero (oscilando entre homem que quer ser mulher e vice versa), passou a atribuição de histórias mais complexas e com foco em orientações sexuais que influenciavam no comportamento do personagem. Em Persona 2, no final dos anos de 1990, Suou Tatsuya pode terminar o enredo em uma relação homoafetiva - tratada de forma bastante respeitosa em seu desenvolvimento - o que - para época, era um avanço de representação. Em um enredo mais recente, em Life is Strange, lançado em 2015 e desenvolvido pela Square Enix, somos convidados a jogar a partir da perspectiva de Maxine "Max", que tem um sincero e cativante relacionamento com outra personagem do jogo.
(Life is Strange. PlayStation/Divulgação)
Videogame e a hiper-masculinização
Ainda assim, há um longo caminho a percorrer. Para Henrique Sampaio, a resposta de como tratamos esses personagens ao longo da história dos videogames é fruto de uma cultura de hiper-masculinização, que categorizou os consoles como dispositivos feitos para “meninos”, há mais de 30 anos. “A Nintendo, em um período da história, começa a direcionar videogames para meninos. Em 1985, quando ela trouxe o NES (Super Nintendo) para os Estados Unidos, ela queria evitar qualquer problema e acabou aproximando seu console do mercado de brinquedos que, por sua vez, era segmentado por gênero”, explica o jornalista.
Ele reforça que, anos após essa consolidação cultural, nos anos de 1990, há uma massificação de games mais violentos, com histórias machistas e pouca representatividade feminina - que, quando era feita, acabava sendo hiperssexualizada. “Durante todo esse tempo essa mídia foi entendida para homem, hétero, branco, rico. E eu coloco rico porque videogame é um negócio caro, que a população mais pobre tem dificuldade de ter acesso”, conta.
A polêmica The Last of Us
Recentemente, polêmicas envolvendo a falta de diversidade, comentários homofóbicos, misóginos ou, até mesmo, respostas preconceituosas com a representação de minorias, em franquias famosas como The Last of Us, têm gerado discussões a respeito da comunidade LGBT dentro do universo gamer. Após um vazamento do enredo de The Last of US part II a personagem Abby foi tida como uma personagem transsexual, por sua aparência musculosa, o que gerou a fúria de uma pequena, mas barulhenta, parcela da comunidade gamer. Jogadores transfóbicos usaram contas falsas para dar notas negativas no site Metacritic, além de quebrar discos do game e exigir que a Naughty Dog mudasse parte do enredo.
No fim, há realmente um personagem transsexual em The Last of Us part II, mas ele não é a Abby, como foi apontado nos vazamentos de enredo. Tampouco o jogo abre mão de sua diversidade, tendo uma vasta gama de personagens LGBTQIs - inclusive no primeiro título - como Bill, Frank, Riley, Dina e a própria Ellie, protagonista do segundo jogo.
Redes Sociais viram aliadas na luta contra a homofobia
Uma das principais formas de combater o preconceito dentro do universo gamer e dar palco para diferentes vozes LGBTs é a internet. A sétima edição da Pesquisa Gamer Brasil revelou que 73,4% dos brasileiros jogam jogos eletrônicos, independentemente da plataforma – um crescimento de 7,1 pontos percentuais em relação ao ano passado e muitos usam seus perfis em redes como Twitter, Twitch, YouTube, entre outras, para falar sobre seus games favoritos.
Sampaio (foto) aponta o trabalho de Anita Sarkeesian, youtuber canadense que, ao discutir a representação das mulheres nos jogos eletrônicos (em seus vídeos Tropes vs. Women in Video Games), se tornou um impulso para que não apenas a indústria começasse a repensar suas representações, mas os próprios jogadores “Não só mulheres, mas negros e minorias começaram a apontar os problemas, cutucar a ferida e começaram a ocupar esses espaços e ter um protagonismo maior. Os desenvolvedores passam a ser educados a partir daí”, explica o jornalista.
No Brasil, Henry Walnut (o Henrytado), a streamer Samira Close e a jogadora Olga, uma das únicas representantes transexuais nos e-Sports, são algumas das vozes LGBTQIs, que usam as redes sociais para ocupar um espaço outrora aparentemente dedicado a personalidades héteros cis gênero. Outro indício de que, apesar de lenta, a mudança e a inclusão de diferentes públicos está acontecendo é que as marcas como PlayStation e Xbox, representando a Sony e a Microsoft, respectivamente, tem se posicionado mais fortemente contra a homofobia.
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A atitude vem sendo cobrada, inclusive, pela própria comunidade gamer. “ As pessoas percebem quando há o silêncio das empresas e esse tipo de pressão da comunidade [por uma atitude mais explícita] e a consequente resposta das marcas acaba fazendo parte desse processo de transformação”, diz.