Tópicos | Engenho Camurim

“Eles batiam em idosos, crianças e pais de família. Nos ameaçavam todos os dias com facas e armas e diziam que se a gente não saísse das terras, iriam derrubar tudo. Mas as famílias viviam aqui muito antes deles chegarem a nossa moradia. Não tínhamos para onde ir”. A camponesa Maria Francisca de Lima, de 51 anos, relembra os momentos constantes de violência enquanto prepara o óleo diesel para acender o seu candeeiro. Ela é moradora do Engenho Camurim, localizado a 35 quilômetros do Recife, em São Lourenço da Mata. Em 2017, a matriarca e o seu marido, Severino José de Lima, 60, são os únicos moradores que restaram na região. Afirmam que aprenderam a conviver com ameaças de homens armados exigindo a saída imediata das terras e intimidações constantes.

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O casal permanece resistindo no local há 55 anos. A vida da família de Maria Francisca era calma e próspera, apesar das dificuldade de morar em uma região rural isolada. Viviam da terra e do plantio de feijão, batata, mandioca, inhame, banana e outros alimentos nos arredores do Sítio Bananeira, localizado no Engenho Camurim. Ela nasceu na região, em 1965, no sítio de seu pai. Já seu companheiro foi morar no local aos cinco anos de idade. Eles se conheceram em um dos arruados do engenho e ela decidiu fugir com ele. Em 1978, se casaram e foram morar juntos na localidade onde residem atualmente. O casal relembra que muitos moradores viviam em pequenos sítios nas redondezas do engenho e a maioria prestava serviço para a Usina Tiúma, antiga proprietária das terras.

Em 1995, Tiúma foi adquirida pela Usina São José, que logo em seguida passou a ser integrada ao Grupo Petribú. No fim da década de 1990, a camponesa Maria Francisca relata que todas as famílias de posseiros do Engenho Camurim foram vítimas de violência de “capangas” da Usina Petribú. Ela relembra que os usineiros ofereciam um valor de cerca de R$ 850 e um pequeno terreno em lotes pertencentes à Prefeitura de São Lourenço, localizado às margens do Cemitério da cidade.

Apesar da pouca quantia, praticamente toda a comunidade de camponeses foi embora por causa do medo e das constantes ações violentas dos trabalhadores da Usina. “Meu pai foi espancado várias vezes, ele era doente mental e tinha várias internações. Até que destruíram a casa dele e tive que colocar todos os móveis que restaram na cocheira das minhas vacas porque não tinha espaço”, conta Francisca.

Em 1999, sendo a única família a resistir na área e farta de todas as ameaças de morte e falta de diálogo com o grupo Petribú, Francisca decidiu lutar judicialmente pela terra em que viveu toda a vida. Ela contou com a ajuda da Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão que atua em questões de violência no campo. Os advogados da CPT deram entrada na ação de usucapião, já que Francisca e sua família viviam nas terras antes da chegada da Petribú e utilizavam as terras com a função social. Após anos de disputa judicial, a Justiça de Pernambuco negou o direito de posse a família e garantiu o direito de reintegração de posse dos usineiros.

Para Mariana Vidal, advogada da CPT à frente do caso, a determinação da Justiça é injusta, mas não a surpreende. “Infelizmente, a cultura jurídica é patrimonialista e favorece aos interesses privados de propriedade. A Justiça majoritariamente concede o direito para os proprietários em detrimento de quem está, de fato, exercendo a posse”.

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Quanto vale uma moradia?

O Sítio Bananeira fica localizado em uma região rural de São Lourenço da Mata. É um local de difícil acesso e de acordo informações dos moradores, a área mede meio hectare dentro das terras da Usina Petribú, que conta com pelo menos por 22 mil hectares na região. Atualmente, Maria Francisca mora com o marido e o seu irmão, Severino Francisco Pereira, 61, que ajuda nas atividades camponesas há três anos, desde que foi residir no sítio.

Não há transporte público, saneamento básico ou acesso a qualquer direito mínimo do cidadão. O local é cercado por lavouras de cana de açúcar e a estrada de barro tem condições limitadas de transporte. Além da realidade dura pelo medo de perder a moradia a qualquer momento para o grupo Petribú, a família também precisa conviver com a escuridão. Não há energia elétrica no Engenho Camurim. Quando chega a noite, tudo é feito às escuras.

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São mais de dez lanternas e a família sempre precisou utilizar candeeiros para manter a casa iluminada durante a noite. Eles também não podem usar equipamentos elétricos. No sítio de Francisca há três pequenos imóveis, todos eles construídos por ela e por seu marido. São duas casinhas de taipa, feito com barro e pedaços de madeira de forma simples. Uma delas é onde funciona a cozinha com fogão a lenha. A outra tem um quartinho, que antigamente servia de cocheiras para os animais criados por eles,  mas atualmente não está sendo muito utilizada.

A casa principal é mais moderna e feita de tijolos com cimento. Foi construída recentemente com uma quantia guardada por Severino. Para fazer as necessidade fisiológicas, eles têm que procurar um espaço no mato. Francisca conta que o banheiro caiu e eles não possuem condições de construir outro. O dinheiro é apertado já que não conseguem mais vender os alimentos que produzem. “Tudo aqui foi o meu marido que plantou. Antigamente, a gente vendia mandioca e os legumes daqui. Hoje só conseguimos o que comer mesmo da nossa terra. Os capangas colocam fogo em nossas plantações, jogam veneno de cima e perdemos muitos plantios” diz Maria Francisca.

A distância que os separam da luz e a frustração

A reportagem do LeiaJa.com chegou ao sítio de Francisca e Severino pouco antes das 17h. No Sítio Bananeira, na residência onde vivem atualmente, as paredes estavam recém reformadas. A família havia instalado há um mês tomadas, lâmpadas, fios de eletricidade e bocais por toda a casa. Após a decisão judicial ser favorável à instalação de energia elétrica no local, a família finalmente teria acesso a luz primeira vez. No dia 9 de setembro de 2017, funcionários da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) chegaram ao Engenho Camurim.

No domingo que antecedeu a chegada dos trabalhadores, a felicidade pairava na casa de Francisca e Severino. Filhos e netos que cresceram e foram criados com os candeeiros estavam muito empolgados com a notícia. “Graças a Deus, voinha. Vamos poder chegar aqui e tomar uma água geladinha ou um suco do pé de acerola com gelo”, dizia uma das netas do casal. O direito básico garantido pela legislação brasileira estava próximo.

No dia em que finalmente instalaram os equipamentos para diminuir a distância da eletricidade do Sítio Bananeiras, os funcionários da Celpe foram surpreendidos com ‘capangas’ da Petribú. De acordo com o aposentado Severino José, o grupo expulsou os trabalhadores do local.

“Eles estavam com armas embaixo das roupas e disseram que se eles passasem daquela área, derrubariam toda a instalação”, conta Francisca.

Os moradores relatam que os usineiros bloqueiam o acesso à energia para tornar a vida deles mais difícil para que finalmente eles deixem as terras. Essas, que fazem parte da memória afetiva e saudosa de toda uma vida.

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Procurada para participar da gravação em vídeo pelo LeiaJa.com, a Usina Petribú preferiu não se expor. Por telefone, o advogado do grupo, Luiz Guerra, informou que a terra é de propriedade do grupo e tudo está registrado em cartório devidamente. “Ela ingressou com uma ação de usucapião, mas perdeu a causa e vai ter que sair. Não queremos que isso ocorra de forma desumana, pelo contrário, nossa ideia é tentar unir todos os esforços para que a família saia de lá de forma pacífica. Eles não têm o direito de ocupar aquela terra”, explica Guerra. Sobre a violência que a Petribú é acusada por anos pelos moradores, o advogado do grupo nega. “Isso não procede. Não houve esse tipo de atitude. A gente adquiriu isso de outra Usina, eles podem estar confundindo com o antigo proprietário. A história da Petribú é de comprometimento social muito forte”, afirma.

O advogado também argumentou sobre a disputa das terras e do pouco espaço que a família de Francisca pede. Questionamos qual diferença aquele meio hectare de terra faria na imensidão da Petribú. Para ele, se todo mundo viesse com esse argumento, seria perigoso para a empresa. “Existem outros locais que ela possa ocupar sem ser ali. Não há verdade no discurso deles de violência. Entendemos que é uma pessoa buscando por moradia e não queremos retirá-los abruptamente”.

Guerra também explicou que o não fornecimento de energia pela Celpe é uma ação judicial recente, mas que já está sendo avaliada pelo escritório de advocacia da empresa. “Mas adianto que é uma questão técnica. A Celpe disse que não poderia instalar a energia porque Francisca não é proprietária das terras. Para o fornecimento de eletricidade, seria preciso preciso uma redistribuição de rede e a Celpe quer nos cobrar um valor alto. Não vamos pagar a instalação de uma rede para uma pessoa que ocupa uma área irregular. Isso não existe”, afirma o advogado.

Por meio de nota, a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) esclarece que, após impedimento de acesso à propriedade para realizar a ligação, aguarda autorização judicial para ligar a unidade consumidora. A Celpe se coloca à disposição.

Em nota, o Ministério Público de Pernambuco explicou que, em 2009, instaurou um Inquérito Civil para averiguar o não fornecimento de energia elétrica em vários bairros urbanos e em duas residências da área rural em São Lourenço da Mata, entre elas no Engenho Camurim. Durante as investigações, apurou-se que a Celpe não disponibiliza energia no Engenho Camurim uma vez que o posteamento tem que passar por terras pertencentes à Usina Petribu, e os proprietários não autorizam as obras.

“A Promotoria de Justiça de São Lourenço da Mata baixou a Portaria nº 004/009 e encaminhou cópia a diversos segmentos (Arpe, OAB, Aneel, Ministério das Minas e Energia, Secretaria de Articulação Social do Governo de Pernambuco, Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco e à Câmara Municipal de São Lourenço da Mata) tentando sensibilizar sobre o problema. Mas como a área de terra em questão encontra-se em disputa judicial com a Usina Petribú, em uma ação de usucapião já julgada procedente, mas em recurso de apelação, as entidades citadas enfrentaram barreiras para solucionar o caso”, diz um trecho da resposta à imprensa.

Já a gestão em exercício da Prefeitura de São Lourenço da Mata afirmou não ter conhecimento da falta de iluminação pública no engenho. “Como energia elétrica é um direito assegurado constitucionalmente, a nova gestão do Executivo municipal se empenhará para solucionar, o quanto antes, a questão da iluminação no engenho”, informou a gestão municipal.

A Prefeitura também prometeu que vai entrar em contato com os diretores da Usina Petribú, para saber o real motivo deles não permitirem a instalação dos postes. “Uma equipe técnica da Diretoria de Iluminação Pública vai ser enviada ao local para verificar a questão dos moradores da localidade”.

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