Não tem como passar despercebido pelo ponto de trabalho do sapateiro e engraxate Reginaldo José de Souza, 52 anos, mais conhecido como “Brasil”. Na calçada da Avenida Guararapes, no centro do Recife, mais especificamente em frente à Faculdade Joaquim Nabuco, o trabalhador se destaca dos demais da área, principalmente em anos de Copa. O seu local de trabalho, tomado pelo verde e amarelo, demonstra um entusiasmo raro em tempos de descrença entre os brasileiros. Ele aguardou com ansiedade a chegada deste domingo, 17 de junho: a estreia do Brasil na Copa do Mundo de 2018.
O “sapateiro Brasil” recebeu a equipe do LeiaJá para uma conversa em que falou sobre sua trajetória de vida cheia de dificuldades, mas também de persistência, que o levou a vitórias. Seu Reginaldo é um daqueles brasileiros típicos que não perdem a fé no País e afirma que ser brasileiro é "uma honra". Mostrou com empolgação evidente motrando cada detalhe desde a cadeira verde e amarela e todos os objetos que tornam aquele local inigualável. Ele também se destaca com a forma que atende os seus clientes: de blusa verde do Brasil, gorro, bichinho de pelúcia caracterizado e até relógio padronizado com a bandeira brasileira.
##RECOMENDA##Há quem pense que a empolgação de seu Reginaldo dure somente até a Copa terminar, mas se engana. A história de vida dele está diretamente ligada com a competição internacional de futebol. Ele se instalou em frente à Joaquim Nabuco há exatas seis Copas e o apelido “Brasil” que recebeu não foi por acaso.
Ele ganharia a cadeira específica para poder atender os clientes na época em que passava as madrugadas de estabelecimento em estabelecimento nas ruas do Recife Antigo perguntando se alguém queria engraxar o sapato. Nesse trabalho, passou mais de 10 anos até fazer uma amizade em especial que mudaria sua vida: Seu Cacau, da Banca Sonho Real, que ficava por trás dos Correios. Foi ele que deu a quantia certa para que ele comprasse a cadeira, porque não tinha condições. Na época, custava R$ 60 reais.
“Ele me deu esse dinheiro, na época era muito, eu não tinha condições. Sou muito grato porque ele me deu o dinheiro, meu ajudou muito. Era antes só um sonho e realizou. Cacau é um brasileiro e um homem de bem”. Foi dali em diante que receberia o apelido ao inovar quando pintou a cadeira de verde e amarelo. Seria sua marca e também demonstraria seu amor pelo Brasil. Tudo começaria a melhorar deste então. “É bom, está ótimo. Aquele sofrimento do passado já era, melhorou demais”, comemorou o jogador da vida.
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O sapateiro mostrou cada detalhe do seu local de trabalho. Em cima de uma mesa, uma mini bateria verde e amarela que foi comprada por um artesão, um mascote da Fifa, além de bandeirinhas espalhadas e uma outra maior colada na pilastra acima da poltrona que recebe seus clientes. Ao lado da “bandeira mestre”, uma outra chama atenção: a da Chapecoense. Uma forma de homenagem que o sapateiro fez de forma a lamentar a tragédia que matou mais de 70 pessoas, em novembro de 2016. Ele mesmo que mandou fazer a bandeira a um cliente. Em um canto mais discreto, a foto do piloto revela uma outra homenagem para o que disser ser “um grande homem”: Aryton Senna.
Com um entusiasmo notório, ele falou sobre a Copa do Mundo. Parecia não querer perder a oportunidade de “gritar” sobre o seu amor ao País e foi direto: “Tenho orgulho de ser brasileiro, não pode desistir do Brasil, vai se dar um jeito. Eu sei que está difícil, é muita roubalheira, mas desistir jamais. Vou deixar a pátria livre e vou morrer pelo Brasil”, disse com esperança.
Durante a conversa, ficou pensativo ao ser questionado sobre o que achava dos escândalos de corrupção e as dificuldades que uma boa parte do povo passa. “Eu sei que tem muita gente revoltada e é o direto que cada um tem, mas eu vou torcer até morrer. Estou aqui para o que der e vier. A Copa é nossa, com certeza essa é nossa e ninguém toma, pode vir a Alemanha, a Argentina. O Brasil tem jeito sim”, garantiu.
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O cliente de mais de 20 anos e amigo Rojer Sena, corretor de imóveis, que participou da entrevista, o olha um pouco mais desacreditado, mas garantiu que vai torcer pelo Brasil. “Mesmo depois do 7x1, vou torcer pelo Brasil. Essa Copa é o desafio do País. Não pode fazer feio. Vou fazer igual Reginaldo: ser brasileiro”, afirmou. Sobre o que achava em relação aos brasileiros que torcem por outros times, o sapateiro Brasil disse que não é correto. “Tá errado demais. Para mim, tá errado. Já vi gente que quando o Brasil perde, solta fogos. Isso não pode acontecer. Sinto tristeza”.
Casado há 25 anos e pai de dois filhos, seu Reginaldo conta que nada é difícil se existir força de vontade. O cidadão brasileiro, pernambucano, morador de Casa Amarela, da comunidade do Alto Doutor Caete, que acorda às 5h e volta tarde da noite para sustentar a família de forma honesta acredita que tudo vai dar certo. O concertador de bolsa, sapato, cinto e salteira e que também ganha uma média de 20 reais por dia engraxando deixa seu exemplo. O próprio canta esperançoso no final da entrevista: “Brasil, meu Brasil Brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos: o Brasil, samba que dá”.
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Não são apenas os prédios antigos que proporcionam uma volta ao passado a quem percorre os bairros do Centro do Recife. O cenário não estaria completo sem alguns profissionais tradicionais que resistem ao tempo, seja nas calçadas, nas ruelas ou em pequenos estabelecimentos. Ofícios de décadas, muitas vezes passados de pai para filho, que se mantêm fiéis às raízes, se reinventando pouco ou quase nada. E, sobretudo, contrariando um plausível processo de extinção.
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Desde 1986, um ponto embaixo da marquise do edifício Pernambuco, na Avenida Dantas Barreto, é o local de trabalho de José Freitas Pereira, de 73 anos. “Comecei a vender discos de vinil depois que me aposentei, porque não conseguia mais emprego”, conta. Para encontrá-lo é só passar lá durante o dia, de segunda à sexta-feira. Aos domingos, ele leva seus produtos para a feirinha do Recife Antigo.
Na contramão de serviços como Spotify, músicas em MP3 ou do quase já obsoleto CD, Freitas encontrou um novo filão para que seus discos continuem sendo procurados. “A moda está voltando. Vem colecionador comprar aqui e também gente que quer passar o som para o computador”, explica. De acordo com ele, a época de ouro foi nos anos 80 e 90.
A paixão de Freitas pelo comércio de vinil vai além de faturar uns trocados (entre R$ 70 e R$ 80 reais por semana). Ele é quase um arqueólogo de discos. “Eu coleciono também, tenho muitos em casa. Saio por aí comprando de quem guarda ou vai jogar fora. Hoje o que mais se procura é MPB e rock”, revela.
Nem tudo são flores
Cícera Maria, 56 anos, divide a calçada da Avenida Guararapes com mais duas bancas de flores. O ponto é bom, mas já viveu dias mais floridos. “Antigamente tinha muita vantagem, mas hoje em dia só dá pra se arrastar. Caiu muito por causa da Ceasa. Eles tiram cliente da gente porque vendem pelo mesmo preço. Não vivo mais disso aqui e sim da minha pensão”, revela.
Se hoje é ruim, o comércio de flores já rendeu muito. “Criei três filhos com o que consegui aqui. Uma é psicóloga e os outros dois são administradores”, se orgulha. Dona Cícera está na Guararapes há dez anos, mas seu ofício já vem de três décadas. “Comecei a trabalhar para os outros e resolvi abrir meu negócio. Gostei do ramo”, conta. Sobre a época mais lucrativa, ela não pensa duas vezes para responder: “Dia dos Namorados”.
Engraxate e sapateiro
A mesma calçada das bancas de flores pode ser considerado uma “engraxatódromo” do Recife. São 11 profissionais trabalhando diariamente, na Avenida Guararapes. Um deles é Cícero Santana, 54 anos, morador do Ibura. “Engraxo, boto solado, colo, remendo. Aqui eu só não fabrico o sapato”, brinca. São duas décadas no mesmo lugar.
Ele jura que aprendeu sozinho, tanto a função de engraxate como a de sapateiro. Tentou ensinar aos filhos, mas nenhum quis. “Isso é um dom, não é todo mundo que tem paciência para esse trabalho”, explica, enquanto mostra como se costura um sapato de couro. “Mas conserto tênis e chuteira também”, complementa.
Sobre a pouca clientela de hoje, Cícero não culpa o desgaste do seu ofício e sim o momento econômico do País. “Você não está vendo essa crise não? Eu compro uma lata de graxa e ela dura oito dias”, reclama. Durante a entrevista algumas pessoas apareceram para consertar cintos e bolsas. Nenhuma para engraxar sapatos.
"Alfaiate acabou. Não tem mais"
Talvez umas das profissões mais ameaçadas de extinção seja a alfaiataria. Foi-se o tempo da roupa por encomenda, cortada sob medida. Ela foi trocada pela praticidade das lojas de departamento. Saturnino Xavier concorda. No alto dos seus 88 anos, ele fala com autoridade. “Alfaiate acabou. Não tem mais”, declara, porém, com serenidade, sem pessimismo algum.
Mesmo assim, uma carreira que perdura desde a infância é quase impossível de se abandonar. O ponto onde Saturnino trabalha (Rua Matias de Albuquerque, Santo Antônio) está fechando, por causa dos problemas de saúde do seu chefe e proprietário do lugar. Mas engana-se quem acha que ele vai parar. “Não vou deixar de trabalhar nunca, não consigo ficar em casa. Vou procurar um lugar pra mim”, garante.
Saturnino aprendeu seu ofício ainda criança, quando morou na cidade de Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco. Seguiu a carreira para a vida toda, chegando a se aposentar como alfaiate da loja Arapuã, que qualquer recifense com mais de 30 anos deve se lembrar. Para ele, a maior satisfação é ver alguém bem vestido. “Somos nós que fazemos a elegância da cidade”, orgulha-se.
Puxando da memória, ele cita alguns profissionais com quem trabalhou: “Maurício, Eulino, Valentin”. Saturnino recorda dos antigos colegas como se falasse de verdadeiras celebridades do Recife, seus ídolos. Fechando a loja para voltar para sua casa em Água Fria, ele repete que vai mesmo procurar um ponto só seu. “Ainda não falei com ninguém, mas vou providenciar”, promete.
Concorrência chinesa
O pai de Josimar Gomes, mais conhecido como Doda (42 anos), era relojoeiro e percorria o bairro de São José atendendo os clientes em uma kombi. Nos anos 90, conseguiu um box na Rua da Flores e, finalmente, arrumou um ponto fixo. Há dez anos, se aposentou e Doda, que já seguia seus passos, assumiu o local. Ele troca pilha, pulseira, vidro, mexe milimetricamente em todas as peças.
Na mesma rua, há outros profissionais do ramo, além de amoladores de alicates e chaveiros. Para o filho que herdou o ofício do pai, a era de ouro do ramo passou. “Não está como antes, não é? Hoje o povo só compra esses Xing Ling. O preço do relógio chinês é o mesmo de uma pilha que eu vendo. Aí fica difícil”, relata.
Sua freguesia é formada basicamente por conhecidos de longas datas. “Tenho clientes antigos e fiéis, que têm relógios bons e querem mantê-los funcionando. Mas não vem gente nova. Esses preferem levar em uma autorizada. Sem contar que alguns têm medo de vir aqui no Centro”, lamenta.
Museu da barbearia
O número 95 da Domingos José Martins, Bairro do Recife, sedia a barbearia Bom Jesus. Cláudio Dias, proprietário do espaço, comenta que o negócio, herdado do pai da sua esposa, já tem mais de um século de existência. O sogro foi barbeiro, mas ele nunca exerceu a profissão, apenas administra o local. Nisso lá se vão 30 anos de gerência.
Atualmente Rinaldo de Lima é o único profissional trabalhando lá. Começou em 2013, é recente na profissão. “Já fui adestrador de cães, segurança, um monte de coisa até me interessar por cortar cabelo. Aprendi com um barbeiro de Olinda e depois fiz dois cursos”, conta. Rinaldo diz que prefere a barbearia antiga e que não se sente ameaçado pelas recentes Barber Shops. “Não vejo concorrência, barbeiro é barbeiro em qualquer lugar”, releva.
Mais do que um simples empreendimento, a barbearia Bom Jesus é conhecida no bairro por proporcionar uma volta no tempo aos fregueses. “Eu me sinto muito à vontade aqui. Venho desde que descobri. É como um museu”, conta o Amaro Feitosa, funcionário da Receita Federal, e frequentador desde em 1980.
Os instrumentos e móveis antigos ficam expostos como relíquias. Segundo Cláudio Dias, o assédio dos compradores é grande. “Muita pessoas vêm aqui querendo comprar as cadeiras. Já me ofereceram R$ 5 mil, disseram para eu procurar a melhor cadeira do Recife para fazer uma troca, mas eu não vendo porque é da família da minha mulher”, explica.
O negócio ainda rende, mas já foi mais lucrativo. “A clientela maior era o pessoal do porto, mas depois de Suape diminuiu demais. Hoje é só o povo que trabalha aqui nas redondezas”, conta Cláudio. Além dos interessados no corte, que custa R$ 20 (R$ 15 a barba), quem também sempre aparece são os turistas. “Todo dia tem gente pedindo para tirar foto sentado nessas cadeiras”, brinca.
Império da pipoca
Segundo dona Ana Lúcia (53 anos), seu pai foi o “fundador da pipoca de carrinho no Recife”. Ela conta que o patriarca Elisário dos Santos (conhecido como Sula), hoje com 74 anos e aposentado, comprou dez carroças e iniciou uma franquia colocando os nove filhos juntos com ele para comercializar o produto nas ruas do centro da cidade. Isso, por volta da primeira metade da década de 70.
O ineditismo de Seu Sula com os carrinhos de pipoca é bem impreciso, mas o fato é que ele montou uma verdadeira cadeia produtiva. Segundo Dona Lúcia, todos os seus irmãos ainda seguem na profissão e os próprios filhos delas também. Todos sempre trabalham nas ruas do centro, onde, de acordo com ela, é “melhor para vender”.
A tradição segue firme, sem se preocupar com os vendedores de pipocas industrializadas que tomaram conta das ruas e avenidas do Recife. “Não atrapalha. Todos precisam ganhar seu dinheiro. Eles vendem as deles e nós a nossa. Acho que a minha é melhor porque é feita na hora”, garante.
Doce japonês, herança portuguesa
Aos 22 anos de idade, Luís João de Lima chegou a São Paulo para trabalhar como arrumador, mesma profissão que também exerceu no Porto do Recife e pela qual se aposentou. Mas lá em terras paulistas ele fez muito mais do que carregar e descarregar caminhões, ele aprendeu a fazer doce japonês com um cozinheiro português.
Hoje, com 76 anos, Seu Luís usa a iguaria como renda complementar e se orgulha do seu produto feito em casa. Os sabores são os clássicos banana, batata, coco e amendoim. “Queria fazer de castanha, mas está muito cara”, lamenta. Com seu tabuleiro, ele percorre as ruas do centro há três décadas. Muito tradicional no Recife até os anos 80, vendedores de japonês hoje são raros.
Ele culpa os cuidados excessivos com a saúde pela falta de uma clientela maior e defende que sua guloseima não faz mal, mesmo contendo uma quantidade relevante de açúcar. “Quando eu era pequeno minha mãe me mandava comprar doce porque estava amamentando e queria ter leite. Hoje, dizem que faz mal, inventam doença, diz que dá diabetes”, reclama. “O doce é vida e a vida é doce”, filosofa.
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A vida agitada do centro do Recife e uma sociedade cada vez mais compromissada com o trabalho fazem a gente às vezes não prestar atenção nas pessoas que estão ao nosso redor. São trabalhadores que, na tentativa de manterem viva uma profissão tradicional, insistem em continuar trabalhando, mesmo sem uma demanda de serviço tão boa. Na Avenida Guararapes, um dos corredores mais movimentados da capital pernambucana, existem alguns desses trabalhadores que sustentam suas profissões. São engraxates, sapateiros, relojoeiros, costureiros, entre outros. Infelizmente, essas atividades estão quase em extinção, porque foram “atropeladas” pela modernidade, ou a tecnologia as atrapalhou.
##RECOMENDA##As mãos cuidadosas de seu João Maurício de Aguiar, de 77 anos, durante muito tempo dá brilho aos sapatos de couro dos recifenses, bem como abrilhanta sua própria vida. Seu João já é aposentado, mas, não deixa de lado sua profissão de engraxate. “Eu era analfabeto e precisava trabalhar. Fui vendo alguns engraxates em atividade e aprendi. Comprei todo o material e trabalhei bastante. Há alguns anos era fácil ganhar dinheiro, porque eu atendia muitos clientes. Hoje, está bem mais difícil”, conta.
Quem já atendeu em média 30 clientes por dia, hoje, se considerarmos uma empreitada de bastante movimento, presta serviço para uma média de seis a dez pessoas. De acordo com seu João, no final do mês, a renda geralmente chega a R$ 1.500. “Meu preço é R$ 4 e já tenho alguns clientes desde a época que eu era menino. Posso dizer que não está boa a situação para o engraxate, mas, estou sobrevivendo. Aqui, pelo menos eu converso com pessoas e vejo o movimento, e, em casa, não tem nada para fazer. Só deixo de engraxar sapato quando partir para o céu”, falou o trabalhado, aos risos.
Segundo seu João, a queda no número de clientes foi ocasionada pelo aumento na confecção de tênis e sapatos que não utilizam o couro como material. Entretanto, ele culpa também o poder público por desprezo. “O prefeito do Recife deveria nos ajudar. Nossas bancas (cadeiras onde os clientes sentam para receber o serviço) estão velhas. É necessária uma reforma para chamar a atenção dos clientes e dos turistas”, opina.
Para Jorge Ricardo Layette, um dos clientes de seu João, esse tipo de trabalho deve se tornar um patrimônio da cidade. “É um trabalho de um valor social e cultural muito importante. São pessoas que envelheceram com o Recife. Acho que o poder público deve olhar com mais carinho para esses trabalhadores”, comenta Layette.
Brasil, o sapateiro
Não é à toa Reginaldo José Souza, 47, é chamado de Brasil. O sapateiro é apaixonado pelo País e sempre procura vestir roupas alusivas ao verde e amarelo. No rosto do trabalhador é possível perceber a alegria com que ele conserta, limpa e costura os sapatos dos clientes. Além disso, Brasil é bastante conhecido por outros comerciantes da Avenida Guararapes e tem uma freguesia certa.
“Comecei como engraxate depois aprendi a consertar sapato com um amigo. Trabalho com isso há 18 anos e posso afirmar que hoje a situação não está tão boa quanto antigamente. Mas isso não impede a minha felicidade com o que faço o prazer que tenho em desempenhar minha profissão”, conta Reginaldo.
Os preços dos consertos variam, conforme a gravidade do problema. Mensalmente, o lucro do sapateiro é em torno de R$ 1 mil. De acordo com ele, a Prefeitura do Recife deve ajudar os trabalhadores mais antigos. “Só Geraldo Julio pode organizar isso daqui. O certo é padronizar todo mundo. Nós somos muito antigos e merecemos respeito e atenção”, cobra Brasil.
A habilidade que ele usa para consertar os sapatos em impressionante. Enquanto conversa com a nossa reportagem, o sapateiro costura e usa o martelo com rapidez, ao mesmo tempo em que negocia o preço de um conserto com um cliente. “Meu serviço é de primeira. O cliente sai satisfeito e com o sapato novo”, brinca o sapateiro.
Relógio é com o José Carlos
Tem gente que não vive sem usar relógio. O tempo é controlado a todo instante, na intenção de evitar atrasos e de desempenhar tarefas conforme horários determinados. Por isso, quando o relógio deixa de funcionar, há quem procure um profissional que conserte e não acha.
Todavia esse tipo de serviço pode ser encontrado nas proximidades da Praça da Independência, área central do Recife. José Carlos da Silva, de 45 anos, trabalha consertando relógios há 27 anos. “Aprendi essa profissão nas ruas, com alguns trabalhadores antigos. Só sei escrever meu nome e precisava de uma trabalhar com alguma coisa”, relata. Mas, no início, as coisas se complicavam para José Carlos. “Já cheguei a quebrar mais ainda o relógio do cliente e às vezes troquei alguns objetos. Com o tempo, a gente vai ganhando habilidade”, diz.
Por mês, o relojoeiro conserta em média 200 relógios. Os preços dos serviços variam de R$ 10 a R$ 15, porém, alguns consertos são mais complexos, e chegam a custar R$ 50. A banca onde José Carlos trabalha é repleta de ferramentas e peças minúsculas. “Às vezes a gente se confunde diante de tanta coisa. Só a experiência é que faz o serviço sair certo”, explica.
O relojoeiro faz críticas a Prefeitura do Recife. De acordo com ele, os trabalhadores por várias vezes são retirados de seus pontos e, depois de um tempo, pouco a pouco se restabelecem nesses locais. “Nós temos direito a trabalhar porque somos antigos. A Prefeitura nos atrapalha muito nesse sentido”, opina.
De acordo com a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano (Semoc) do Recife, em breve, o centro da cidade passará por uma ação de requalificação. Porém, essa data ainda não foi divulgada. Segundo o órgão, a ideia é reordenar o comércio informal. A Semoc ainda garante que, em ralação aos engraxates, caso a caso será tratado.
Recife: terra dos ambulantes
Historicamente, capital pernambucana sempre foi um local que atraiu trabalhadores de vários países. Nas primeiras décadas do século XX, os ambulantes começaram a atuar na cidade. Muitos eram escravos e comercializavam comidas e trapos.
De acordo com o historiador Sandro Vasconcelos, que atua no Museu do Recife, o corredor entre as Ruas Duque de Caxias e a Nova era um local repleto de lojas e ambulantes. Mais a frente, na década de 70, os homens se vestiam formalmente, fato que ocasionou o aparecimento dos engraxates.
“Os sapatos eram engraxados não por beleza, e sim para tirar a dureza do material. Outras profissões que também estão extintas são o funileiro, que conserta panelas, o alfaiate, o costureiro. Tudo isso é reflexo da indústria que oferece um novo produto e da transformação de costumes que acontecem na sociedade. É um fator muito mais cultural”, explica o historiador.