Tópicos | profissão em extinção

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A vida agitada do centro do Recife e uma sociedade cada vez mais compromissada com o trabalho fazem a gente às vezes não prestar atenção nas pessoas que estão ao nosso redor. São trabalhadores que, na tentativa de manterem viva uma profissão tradicional, insistem em continuar trabalhando, mesmo sem uma demanda de serviço tão boa. Na Avenida Guararapes, um dos corredores mais movimentados da capital pernambucana, existem alguns desses trabalhadores que sustentam suas profissões. São engraxates, sapateiros, relojoeiros, costureiros, entre outros. Infelizmente, essas atividades estão quase em extinção, porque foram “atropeladas” pela modernidade, ou a tecnologia as atrapalhou.

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As mãos cuidadosas de seu João Maurício de Aguiar, de 77 anos, durante muito tempo dá brilho aos sapatos de couro dos recifenses, bem como abrilhanta sua própria vida. Seu João já é aposentado, mas, não deixa de lado sua profissão de engraxate. “Eu era analfabeto e precisava trabalhar. Fui vendo alguns engraxates em atividade e aprendi. Comprei todo o material e trabalhei bastante. Há alguns anos era fácil ganhar dinheiro, porque eu atendia muitos clientes. Hoje, está bem mais difícil”, conta.

Quem já atendeu em média 30 clientes por dia, hoje, se considerarmos uma empreitada de bastante movimento, presta serviço para uma média de seis a dez pessoas. De acordo com seu João, no final do mês, a renda geralmente chega a R$ 1.500. “Meu preço é R$ 4 e já tenho alguns clientes desde a época que eu era menino. Posso dizer que não está boa a situação para o engraxate, mas, estou sobrevivendo. Aqui, pelo menos eu converso com pessoas e vejo o movimento, e, em casa, não tem nada para fazer. Só deixo de engraxar sapato quando partir para o céu”, falou o trabalhado, aos risos.

Segundo seu João, a queda no número de clientes foi ocasionada pelo aumento na confecção de tênis e sapatos que não utilizam o couro como material. Entretanto, ele culpa também o poder público por desprezo. “O prefeito do Recife deveria nos ajudar. Nossas bancas (cadeiras onde os clientes sentam para receber o serviço) estão velhas. É necessária uma reforma para chamar a atenção dos clientes e dos turistas”, opina.

Para Jorge Ricardo Layette, um dos clientes de seu João, esse tipo de trabalho deve se tornar um patrimônio da cidade. “É um trabalho de um valor social e cultural muito importante. São pessoas que envelheceram com o Recife. Acho que o poder público deve olhar com mais carinho para esses trabalhadores”, comenta Layette.



Brasil, o sapateiro

Não é à toa Reginaldo José Souza, 47, é chamado de Brasil. O sapateiro é apaixonado pelo País e sempre procura vestir roupas alusivas ao verde e amarelo. No rosto do trabalhador é possível perceber a alegria com que ele conserta, limpa e costura os sapatos dos clientes. Além disso, Brasil é bastante conhecido por outros comerciantes da Avenida Guararapes e tem uma freguesia certa.

“Comecei como engraxate depois aprendi a consertar sapato com um amigo. Trabalho com isso há 18 anos e posso afirmar que hoje a situação não está tão boa quanto antigamente. Mas isso não impede a minha felicidade com o que faço o prazer que tenho em desempenhar minha profissão”, conta Reginaldo.

Os preços dos consertos variam, conforme a gravidade do problema. Mensalmente, o lucro do sapateiro é em torno de R$ 1 mil. De acordo com ele, a Prefeitura do Recife deve ajudar os trabalhadores mais antigos. “Só Geraldo Julio pode organizar isso daqui. O certo é padronizar todo mundo. Nós somos muito antigos e merecemos respeito e atenção”, cobra Brasil.

A habilidade que ele usa para consertar os sapatos em impressionante. Enquanto conversa com a nossa reportagem, o sapateiro costura e usa o martelo com rapidez, ao mesmo tempo em que negocia o preço de um conserto com um cliente. “Meu serviço é de primeira. O cliente sai satisfeito e com o sapato novo”, brinca o sapateiro.

Relógio é com o José Carlos

Tem gente que não vive sem usar relógio. O tempo é controlado a todo instante, na intenção de evitar atrasos e de desempenhar tarefas conforme horários determinados. Por isso, quando o relógio deixa de funcionar, há quem procure um profissional que conserte e não acha.

Todavia esse tipo de serviço pode ser encontrado nas proximidades da Praça da Independência, área central do Recife. José Carlos da Silva, de 45 anos, trabalha consertando relógios há 27 anos. “Aprendi essa profissão nas ruas, com alguns trabalhadores antigos. Só sei escrever meu nome e precisava de uma trabalhar com alguma coisa”, relata. Mas, no início, as coisas se complicavam para José Carlos. “Já cheguei a quebrar mais ainda o relógio do cliente e às vezes troquei alguns objetos. Com o tempo, a gente vai ganhando habilidade”, diz.

Por mês, o relojoeiro conserta em média 200 relógios. Os preços dos serviços variam de R$ 10 a R$ 15, porém, alguns consertos são mais complexos, e chegam a custar R$ 50. A banca onde José Carlos trabalha é repleta de ferramentas e peças minúsculas. “Às vezes a gente se confunde diante de tanta coisa. Só a experiência é que faz o serviço sair certo”, explica.

O relojoeiro faz críticas a Prefeitura do Recife. De acordo com ele, os trabalhadores por várias vezes são retirados de seus pontos e, depois de um tempo, pouco a pouco se restabelecem nesses locais. “Nós temos direito a trabalhar porque somos antigos. A Prefeitura nos atrapalha muito nesse sentido”, opina.

De acordo com a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano (Semoc) do Recife, em breve, o centro da cidade passará por uma ação de requalificação. Porém, essa data ainda não foi divulgada. Segundo o órgão, a ideia é reordenar o comércio informal. A Semoc ainda garante que, em ralação aos engraxates, caso a caso será tratado.

Recife: terra dos ambulantes

Historicamente, capital pernambucana sempre foi um local que atraiu trabalhadores de vários países. Nas primeiras décadas do século XX, os ambulantes começaram a atuar na cidade. Muitos eram escravos e comercializavam comidas e trapos.

De acordo com o historiador Sandro Vasconcelos, que atua no Museu do Recife, o corredor entre as Ruas Duque de Caxias e a Nova era um local repleto de lojas e ambulantes. Mais a frente, na década de 70, os homens se vestiam formalmente, fato que ocasionou o aparecimento dos engraxates.

“Os sapatos eram engraxados não por beleza, e sim para tirar a dureza do material. Outras profissões que também estão extintas são o funileiro, que conserta panelas, o alfaiate, o costureiro. Tudo isso é reflexo da indústria que oferece um novo produto e da transformação de costumes que acontecem na sociedade. É um fator muito mais cultural”, explica o historiador.

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