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Um dos momentos mais tristes da história mundial é a propagação do nazismo. Apesar dos eposódios marcados por violência e discriminação, essa etapa ainda assim é saudada por algumas pessoas atualmente. O LeiaJá ouviu especialistas que explicaram o que é o nazismo, o que ele causou enquanto regime político e por que essas ideias não devem ser reverenciadas, mas repudiadas pela sociedade.

Radicalismo racista

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Campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, um dos maiores do período nazista. Foto: Pixabay

O professor de história José Carlos Mardock explicou que, diferentemente do que muitas pessoas costumam achar, há distinção entre o fascismo e o nazismo, embora um se origine do outro. “Podemos afirmar que o nazismo ele é radical, é racista. O fascismo, não. O fascismo se promove como corporativista, não promove o endeusamento de uma raça”, disse ele. Segundo o professor, o contexto social pelo qual a Alemanha estava passando após a Primeira Guerra Mundial e em consequência da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, criou um cenário propício para que as ideias radicais fossem disseminadas naquela sociedade. 

“Adolf Hitler acaba se aproveitando dessa crise econômica, intelectual, ideológica e utiliza sua imagem em meio à ideologia nazista. Ele percebe claramente que a bandeira ultranacionalista vai ser capaz de recuperar a economia, vai ser vital para fortalecer, pouco a pouco, a economia da Alemanha. O nazismo é uma corrente ideológica contraditória, porque ao mesmo tempo em que ele pregava o militarismo, o ultranacionalismo, o imperialismo, fortalecimento do estado, ele também usa como característica o culto ao líder”, declarou Mardock. 

Para o nazismo consolidar os seus objetivos, o professor conta que a estratégia adotada pelos nazistas foi a criação de uma ideia dos alemães como uma raça superior e injustiçada, perseguida ao longo da história. Nesse processo, são elencados alguns inimigos da pátria, vistos como a razão do sofrimento do povo e que passam, então, a ser perseguidos pelo regime quando Hitler sobe ao poder. 

O professor Mardock também destaca que, apesar da perseguição sistemática aos judeus no Holocausto, o regime nazista perseguiu duramente diversos outros grupos. “O que o discurso de Adolf Hitler traz é a colocação dos alemães como vítimas porque foram obrigados a sustentar não somente judeus, mas negros, homossexuais, ciganos… A historiografia evidencia os judeus, até pelos efeitos do Holocausto, que matou 6 milhões só de judeus. Só que a guerra, o confronto direto entre alemães e russos, por exemplo, causou a morte de 20 milhões de russos. Até porque no discurso de Hitler havia a ideia do lebensraum, que significa espaço vital. Como ele avalia isso? Diz que no passado, desde a formação do primeiro Reich até o segundo Reich, os arianos foram perseguidos. Então nós temos aí ingleses, franceses, Países Baixos, como os holandeses, que retalharam o território ariano, então o que ele faz na década de 30 é recuperar e proteger a raça que foi perseguida. Portanto, os judeus são apenas a comunidade que mais se destaca em filmes, documentários, propagandas, mas não é a única”, disse Mardock. 

Negação do outro

Na Alemanha nazista, os judeus eram obrigados a usar estrelas amarelas nas roupas para serem diferenciados dos outros cidadãos. Foto: USHMM

Karl Schuster é historiador e professor há 17 anos, fez pós-doutorado em História Contemporânea pela Universidade Livre de Berlim e atualmente é livre docente da Universidade de Pernambuco (UPE). Ele define o nazismo como um fenômeno político clássico dos anos 30 e 40 que apresenta ressurgência no presente como princípio e também como “um princípio filosófico que é a negação da alteridade, a negação do outro”. 

“Toda tentativa veemente de negar o outro é nazista, é por isso que ele sobrevive ao tempo. Por isso o nazismo dos anos 30 e 40 termina como Estado, mas não como princípio. É uma sombra permanente em sociedades que lutam por democracia”, afirmou o professor. Ele continua explicando que o nazismo é também um estado de guerra permanente contra o que ele chama de “outro conveniente”. 

“O fenômeno do nazismo constrói a ideia de um inimigo nacional criado, imaginário. Um outro conveniente, para explicar por que o país está mal, por que tem violência, por que a economia está mal. Ele construiu a ideia do outro conveniente que explicasse por que a Alemanha estava em crise, do outro estereotipado, o judeu. Isso foi fundamental para explicar a ideia de que a sociedade era dividida em raças, que havia raças superiores e que uma delas deveria ser exterminada para atingir o sucesso, o sistema político guarda espaço para construir esses outros”, explicou o professor Karl.

Na visão do docente, atualmente no Brasil, apesar de não haver claras ações de organizações de grupos nazistas, podemos observar ideias de negação do outro entre as pessoas na sociedade e também sendo proferidas por autoridades da república. Para ele, esse tipo de atitude sendo cometida por pessoas que estão em posição de comando tem um efeito de autorização para o restante da população apresentar um comportamento de segregação dos diferentes. 

“O princípio está nos agentes políticos, eles expõem suas falas na sociedade e autorizam a sociedade a agir. Se pessoas que são do aparelho de estado falam que não há espaço para a minoria, a sociedade vai respeitá-las? Não temos nazismo hoje no Brasil, mas temos hoje ações políticas fascistas veladas dentro da democracia. O discurso autorizado da fala legítima autoriza a perseguição aos grupos minoritários. Você não pode procurar o fascismo nos moldes dos anos 30. Bolsonaro não vai dizer ‘eu sou fascista, eu sou nazista’, mas ele vai expressar ideias fascistas e vai autorizar que outras pessoas façam isso em nome dele”, afirmou o professor Karl. 

Apesar de responsabilizar os governantes, o professor vai além da classe política quando classifica as figuras que podem ser interpretadas como autoridades de fala legítima. “Essa fala da autoridade legítima não está só na autoridade de estado, ela vai do professor, aos pais com os filhos em casa. O fascismo é sedutor e usa artifícios de sedução como a fala organizada para conseguir ganhar apoio, no primeiro aspecto de crise da sociedade, ela busca um culpado coletivo e nega sua existência, a convivência com o outro”, disse o professor.

O impacto social que a incidência de ideias desse tipo tem na sociedade, para Karl, é nefasto. “Conviver com a diferença não é uma opção, mas uma necessidade de todas as sociedades. O fascismo na sociedade tira de você a possibilidade de reconhecer o outro e consequentemente sem nenhum tipo de reconhecimento, sua responsabilidade pelo outro é zero. Os meios de comunicação são outro meio do nazismo exercer a violência sem a violência física. Esse fascismo que nega, pune e usa esses meios de comunicação tanto para ser violento quanto para conseguir adeptos. Especialmente na deep web”, afirmou ele. 

Oportunidade pedagógica 

Exemplar de "O Diário de Anne Frank", jovem judia que foi morta pela polícia nazista na Holanda depois de passar anos escondida com sua família e registrou tudo em um diário publicado por seu pai. Foto: Wikipedia

Combater a disseminação de ideias que ferem os direitos humanos é uma missão de toda a sociedade e, especialmente no que diz respeito a jovens em idade escolar, exige o planejamento de estratégias de educação que levem conhecimento à formação de uma ideia de cidadania e empatia. 

Fábio Paiva é professor de pedagogia há 17 anos, já atuou no ensino básico e atualmente trabalha na UNINABUCO – Centro Universitário Joaquim Nabuco. Na opinião dele, a disseminação de ideias antidemocráticas é um problema que vem crescendo nos últimos anos, especialmente através da internet e por meio da dispersão de conteúdos que buscam promover uma nova versão dos fatos históricos. Ele vê também uma certa simpatia de certos setores da sociedade a ideias autoritárias.

Na opinião do especialista, comportamentos como a realização de saudações nazistas em escolas correm risco de se dispersar e ganhar mais força quando não recebem uma resposta adequada por parte da instituição de ensino e da família. “Se eu tenho uma sala de aula e um dos conteúdos necessita de maior atenção, mais aulas, que faça mais atividades e outras estratégias diferentes para aprofundar e ampliar o conteúdo para que ele seja melhor absorvido dentro de uma necessidade”, explicou ele.

Para Fábio, um caso grave como a exaltação a um regime autoritário e assassino como foi o nazismo é uma oportunidade pedagógica de trabalhar melhor um determinado conteúdo em profundidade com toda a comunidade escolar, e exigiria uma resposta séria. “A escola, depois de uma questão dessas, especialmente pela repercussão, devia ter parado suas atividades em todos os turnos que ela ensina por no mínimo uma semana, chamado especialistas, exibido filmes, chamado os pais obrigatoriamente para que os pais participassem das discussões. É um ato educacional a escola entender que tem responsabilidade nesse caso, assumir essa responsabilidade e se aproximar desses estudantes para que eles compreendam melhor o que fizeram. Isso é educação, e não fugir do assunto”, afirmou o pedagogo.

Para o professor Karl Schuster, apenas a educação não basta para que as ideias violentas e totalitárias que dão sustentação ao nazismo não sejam trazidas à tona na sociedade. “Foi uma doce ilusão achar que apenas a educação formal seria capaz. Adorno tem uma frase muito interessante: é impossível falar de poesia depois de Auschwitz. Não há outra forma da educação ser um instrumento contra o nazismo sem ser pela responsabilização. A ideia de que eu preciso reconhecer e entender o outro é insuficiente, mas quando você se responsabiliza, você faz o indivíduo se engajar, lutar, se tornar responsável. Sem isso é impossível vencer o fascismo. É preciso ser por uma luta, uma luta pelo reconhecimento, responsabilização pelo outro. É por uma união de empatia e ação. O antídoto contra o fascismo está em a gente reconhecer o outro, nós precisamos fazer junto”, declarou ele. 

Por sua vez, o professor Mardock afirma que ter a história como um norte para não esquecer o que foi feito de errado no passado e assim evitar os mesmos erros é essencial para que a sociedade avance.  “Quando você percebe jovens, políticos, reproduzindo esse tipo de discurso, a sociedade chega a estremecer. Ainda hoje há sobreviventes do holocausto, como é que você pode valorizar um capítulo ruim da sociedade? A sociedade não pode esquecer, mas deve usar essas características para que sociedades futuras não repitam o mesmo capítulo. Então é fundamental que agora vários segmentos da sociedade possam voltar a discutir o que aconteceu”, afirmou ele. 

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