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Neil Patrick Harris não é o primeiro nome a passar pela cabeça de um cineasta à procura de ator para um papel de aura ambígua e sinistra. Mas isso não impediu David Fincher de escalar o astro do sitcom How I Met Your Mother como o ex-namorado obcecado pela esposa desaparecida de Garota Exemplar. "O convite me deixou de queixo caído. Para minha sorte, David é conhecido pelas escolhas menos óbvias, extraindo performances inesperadas. Foi o que ele fez em Seven: Os Sete Crimes Capitais, com Brad Pitt, e em Zodíaco, com Jake Gyllenhaal.’’

Após nove anos na pele do mulherengo piadista da série de TV, Harris buscava um personagem capaz de tirá-lo da "zona de conforto". "David deve ter visto nuances na minha composição cômica como o confiante Barney Stinson, do seriado", disse o ator, de 41 anos, em entrevista à reportagem por telefone, de Nova York. "Em Garota Exemplar, minha tarefa foi fazer com que o ex convencesse de bom moço, mas sempre deixando aberta a porta para uma faceta mais obscura.’’

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A tensão que Fincher instaura em cada fotograma do filme é sentida inicialmente pelo elenco, no set. "Durante a filmagem, dá para perceber como todas as suas escolhas estéticas são feitas com o intuito de carregar a imagem de um sentimento de inquietação", contou Harris, lembrando que o thriller, para ser bem sucedido, precisa reconstituir a narrativa eletrizante do livro. Na obra da escritora Gillian Fynn, impera um clima de dúvidas para que o público mude de opinião o tempo todo sobre quem é quem nesse jogo de manipulação. "A graça está em não saber, até o final, quais as reais motivações dos personagens.’’

O papel num filme assinado por Fincher veio para "coroar um ano excepcional’’ na vida do ator. Após se despedir da série que o projetou mundialmente ("Saímos por cima, sem que nosso programa fosse cancelado"), Harris fez o papel-título da transexual alemã de Hedwig and the Angry Inch, na Broadway, pelo qual conquistou o Tony de melhor ator em musical. Ele ainda se casou com o chef David Burtka em cerimônia na Itália e lança este mês nos EUA o livro Neil Patrick Harris: Choose Your Own Autobiography. "Para combinar com a minha personalidade, escrevi memórias satíricas. O leitor brinca de ser Neil Patrick, decidindo, graças aos capítulos de múltiplas escolhas, o que eu devo fazer da vida.’’ As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Estar sob o microscópio de David Fincher (Clube da Luta, A Rede Social) deve ser um pesadelo. O diretor americano é um ser humano isolado, só pode ser, porque a maneira com a qual ele escolhe um assunto e o analisa é tão fria e precisa é de outro planeta. Em Garota Exemplar, ele escolhe assuntos como casamento, personalidades, mídia e desejo, e os abre como um cientista dissecando um corpo morto. O que ele tira lá de dentro é um filme espetacular, um suspense extremo que faz seu coração bater forte sem a necessidade de disparar uma bala ou ter uma perseguição de carros. 

Os momentos mais tensos do filme - que é adaptado do romance de mesmo nome da escritora Gillian Flynn - vem de coisas simples dentro da estrutura narrativa como a narração de uma personagem. As reviravoltas não são revelações de mudar o mundo, elas vêm de decisões dos personagens, todos profundos e com segredos ocultos. A história gira em torno do casal Nick (Ben Affleck) e Amy (Rosamund Pike). O marido é um jornalista que se deu mal na crise financeira e agora gerencia um bar em sua cidade natal, e a esposa é uma escritora cujos pais transformaram numa personagem de livros infantis "Amazing Amy" e ganharam fama com isso.

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O seu casamento começou bem, mas nos últimos meses tem desandado, a situação piora quando na manhã do seu quinto aniversário juntos, Amy desaparece. Apesar de estar se esforçando para encontrá-la, a mídia e a pequena cidade onde moram viram os olhos para Nick e uma série de acontecimentos o leva à posição de suspeito principal. Ir mais adentro nessa história seria um crime, e evitar todo e qualquer tipo de spoiler é primordial para desfrutar da experiência completamente. Como todo e qualquer bom suspense, Garota Exemplar é repleto de reviravoltas imprevisíveis, que renovam a atenção do público diversas vezes durante as 2h25 de filme. 

Felizmente, os momentos de surpresas são dirigidos pelos personagens, por um enredo que governa suas ações ou coincidências necessárias para avançar a narrativa. Tudo que acontece em Garota Exemplar vem das decisões de Nick e Amy e o Fincher se diverte com isso. O diretor adora cavar mais e mais nas personalidades de seres humanos e encontrar suas falhas e suas máscaras, descobrir o que em sua vida é uma história e quem é a verdadeira pessoa debaixo de toda aquela maquiagem. Aqui, ele aplica isso tudo ao casamento. É uma visão cética, que pega um dos melhores cenários na vida humana e vira de cabeça pra baixo, e então Fincher vira de novo, e mostra a verdade feia, nua e crua. Durante todo o tempo, ele te desafia a continuar acompanhando, e você cede, porque as garras do roteiro - também escrito pro Flynn - estão fincadas na sua espinha.

A direção de Fincher é impecável aqui, e em Garota Exemplar ele consegue fazer brincadeiras arrepiantes com imagens. A forma com a qual ele usa coisas fundamentais do cinema, como corte e palheta de cores, é o tempero em cima do filme. Há um certo momento em que ele corta de um flashback de volta para o presente, e é impossível não notar o contraste. Ele é um gênio do mal, porque faz você sorrir com o calor e então revela que é tudo uma ilusão, te jogando de volta no frio e solidão. Há uma cena em especial, mostrada logo no começo do primeiro ato, e então repetida no final, que se torna aterrorizante no novo contexto.

O elenco aceitou o desafio e essa potente história com certeza energizou todos. Carrie Coon, que fez um ótimo trabalho na primeira temporada de The Leftovers, da HBO, faz a irmã de Nick. Ela tem um grande amor pelo irmão, mas não aceita mentiras ou enganações. Não vai ser surpresa vê-la em mais produções de grande porte depois de sua atuação este ano. Outro que com certeza chamará atenção de muitos diretores é Tyler Perry, seu personagem, um advogado de defesa, é charmoso e divertido, um pequeno brilho no meio de um mundo em trevas. O único ator coadjuvante aqui que falha em se elevar ao nível dos outros é Neil Patrick Harris, responsável por interpretar um ex-namorado de Amy. Sua atuação é repetitiva, e ele não consegue trazer a verdadeira face do personagem à tona sem parecer alguém de um desenho animado perturbado.

Entretanto, o holofote é totalmente de Nick e Amy. Quem duvidou da capacidade de Ben Affleck como um ator será convertido após assistir Garota Exemplar, ele se encaixa perfeitamente no papel e entrega a melhor atuação de sua carreira. Affleck não incorpora o personagem, ele se torna o personagem, vindicando cada ação e decisão. Rosamund Pike é ainda melhor, a Amy que ela traz à vida vai revelando mais e mais camadas profundas durante toda a história, e cada vez que o roteiro demanda mais da atriz, ela se supera e toma o filme para si, exclamando que o espetáculo é dela, e de fato, ele é.

Garota Exemplar não é um filme fácil, é um filme que desafia o espectador a acreditar no pior, e se ele decidir que não acredita, Fincher vai lá e estampa a realidade na tela, filmando-a como um observador silencioso, cujo objetivo é estudar o psicológico humano em seus momentos mais verdadeiros, não importando o quão sujo ele é. 

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