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Você já parou para pensar de onde vem o bairrismo e a mania de grandeza dos pernambucanos? E na megalomania ao dizer que tudo referente ao Estado é “maior e melhor” em comparação com outras localidades do Brasil?  Quem vive em solo pernambucano ou convive com algum nativo certamente já ouviu as frases: "a maior avenida em linha reta da América Latina é nossa", "temos o maior shopping do mundo", "a maior torcida de futebol é a do Sport ou Santa Cruz" e a mais tradicional: "o melhor carnaval do mundo é em Pernambuco". 

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O Grupo de Estudo e Avaliação de Pernambuco Independente (Geapi) procurou por essas respostas para esclarecer o sentimento de pertencimento dos nascidos na terra dos altos coqueiros na trajetória histórica de Pernambuco. Através de estudos e análises de registros históricos, pesquisadores do grupo passaram a defender a ideia de que uma série de fatores culturais, históricos e políticos ligados ao sentimento libertário e independentista, ainda no século 15, são o berço do sentimento forte de regionalismo nos dias atuais.

Para entender um pouco mais desse bairrismo, o Geapi foi criado no ano de 2014 por uma inquietação do empresário pernambucano Jonas Correia, que buscava unir pessoas para concretizar a independência de Pernambuco do restante do país e ressuscitar a república pernambucana de 200 anos atrás. Em 1817, eclodiu uma revolução no Estado anterior à Independência do Brasil. As causas estão intimamente relacionadas ao estabelecimento e permanência do governo português no Brasil (1808-1821) e o movimento ultrapassou a fase conspiratória e atingiu a etapa do processo revolucionário de tomada do poder. Mas, o novo governo republicano durou apenas 75 dias porque os revolucionários pernambucanos foram derrotados, presos e mortos.

De acordo com Jonas, a revolução de 1817 é um marco na historicidade de Pernambuco, mas aconteceram muitos outros movimentos e a ideia de ser um país nunca morreu, mas foi esquecida por interesses maiores. “Existe um penhasco entre os pernambucanos e os outros brasileiros. Eu acho a ideia de que o povo brasileiro é um só é muito errada e foi empurrada goela abaixo para que a gente aceitasse essa submissão ao estado brasileiro. Existe essa identidade nacional dentro de Pernambuco. Nenhum outro estado do brasil dá valor ao hino estadual, a bandeira como símbolo presente e tem orgulho das origens. É como se fosse uma nação à parte, sabe?”, explica o pesquisador.

Arte: João de Lima/LeiaJáImagens

Para dar o pontapé no projeto, Jonas criou um site para disseminar a ideia e uma página no Facebook, que atualmente já conta com mais de 20 mil curtidas. “No início fizemos a enquete na rede social e mais de 60% votaram na opção que apoiaria a independência, mesmo sem saber detalhes juridicos e sociais de como isso seria feito. Então decidi dar seguimento ao grupo e comecei a estudar mais o assunto”, complementa. Ao longo dos anos, outros membros também entraram na diretoria do Geapi para dar suporte nas palestras, mobilizações e panfletagens. “Descobrimos que existiam mais movimentos separatistas no Brasil e nossa ideia libertária se fortaleceu. Queremos ser livre desse país”, crava.

As principais críticas do Geapi ao formato que o Brasil se encontra hoje, territorialmente e politicamente, é que além do tamanho grande, as regiões são muito diferentes e a centralização do poder, por ser histórica, já se enraizou. Jonas destaca que não acredita que o país dará certo algum dia. Ele argumenta ainda que diferente dos Estados Unidos, que também possui uma grande extensão territorial, o Brasil não é federalizado e isso não dá autonomia aos estados.

“Já são 500 anos, entra gente ou sai gente e nada evolui. Quando um lado melhora o outro piora. Foi um erro histórico e não tem mais como consertar. Todo dia acontece algo para a gente perceber que essa nação só prejudica o povo. Quanto maior o país, mais difícil de ser administrado. Pernambuco não pode ser gerido por pessoas que não são pernambucanas e não conhecem a nossa realidade. Hoje é uma vergonha ser brasileiro. As pessoas não aguentam mais pagar tantos impostos sem retorno”, expõe Jonas, que atualmente mora nos Estados Unidos, mas permanece em contato constante com os outros membros do Geapi para expandir as propostas em diferentes âmbitos.

"Meus país Pernambuco"

Elias Boza, membro do Geapi, segura a bandeira separatista de Pernambuco. A bandeira foi concebida com apenas três estrelas por causa da adesão da Paraíba e Rio Grande do Norte ao movimento de 1817. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

A diretoria é formada por cinco membros e o grupo está na fase um, de expansão das ideias. Passado esse momento, a segunda parte seria criar a cultura separatista para que isso se torne mais natural para a população nos dias de hoje. “Assim como é no Sul do país. As pessoas precisam falar disso abertamente e entender Pernambuco como uma nação”, diz. No terceiro momento, o grupo pretende abrir os caminhos para a separação de fato e talvez até lançar candidatos com ideais separatistas na política, da mesma forma que acontece no Sul do país. “Queremos chegar ao Senado, criar propostas coletivamente, e propor o referendo para que as pessoas possam votar no que acham melhor”, explica. E na quarta e última fase, seria o período de transformação de Pernambuco em um país, um novo caminho para a república. “Esse será o momento em que concluiremos o nosso trabalho e deixaremos de existir. Até lá, a luta é grande e não há razões que nos façam desacreditar dos nossos propósitos”.

Quando se fala em separatismo, as pessoas sempre questionam se a medida é constitucional e possível de ser implementada. A atual constituição federal do Brasil diz que no art. 1º que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal. Mas, para Jonas, o que está escrito na legislação "é óbvio" porque nenhum país quer repartir seu território de forma simplória e isso precisa estar estabelecido na lei. “Pela falta de conhecimento, muitas pessoas acham que por causa disso a separação de Pernambuco é impossível. O Brasil não tem o direito de negar a independência de um estado ou região pelo simples fato de ter isso escrito em sua constituição, pois, ao contrário do que se pensa, ele estaria violando acordos internacionais dos quais é signatário. O Tribunal Internacional de Justiça é quem avalia a possibilidade de haver um referendo ou não. É preciso disseminar a ideia de que essa cláusula não é inabalável, indestrutível e imutável”, pontua.

Pintura de Antônio Parreiras que retrata a bênção das bandeiras da Revolução de 1817. Reprodução/Internet

Após eleição de Bolsonaro, Geapi registrou grande crescimento

O grupo que quer proclamar a independência de Pernambuco no século 21 não possui posição política estabelecida, mas garante que são a favor do liberalismo, de um estado menos centralizador e de mais participação popular nas escolhas de uma nação. “Somos um movimento que quer separar Pernambuco do Brasil por meios legais e pacíficos, essa é a nossa prioridade. A independência não é nem direita, nem esquerda, nem centro, mas é uma mudança real”, esclarece Jonas.

Em 2018, com a forte campanha e vitória do presidente eleito Jair Bolsonaro, o grupo avaliou a chegada de um percentual alto de novas pessoas ao grupo, buscando mais informações de como seria o processo de separação de Pernambuco do país. O mesmo também já teria acontecido quando Dilma Rousseff foi reeleita em 2014. “A população mais alinhada com o pensamento de esquerda nos procurou esse ano. Mas, embora a gente não divida a mesma ideologia até porque a gente defende a redução do estado e a liberdade do povo, a recepção foi boa e as ideias agora começam a se espalhar por outros núcleos, seja de direita ou de esquerda”, destaca Jonas, alertando que o pensamento muito conservador da extrema direita não é interessante para o Geapi.

Por outro lado, ele confessa que percebeu um novo sentimento de brasilidade surgir com a vitória de Bolsonaro e a esperança de um Brasil mais liberal. Mas, aponta que essa sensação é passageira e logo mais será mais uma fase de crença que passará e as mudanças não irão acontecer, mais uma vez. “A gente percebe que o brasileiro só tem orgulho de quatro em quatro anos, mas quem é pernambucano é 24 horas, o ano todo”.

“Pernambuco se tornou só história, mas isso pode mudar”

Membro do Geapi, o cirurgião-dentista Elias Boza é enfático ao falar que Pernambuco deu origem à América do Sul e que foi aqui onde toda a história do continente teve início. Ele detalha que os primeiros europeus chegaram ao território pernambucano em 1491, na Ilha de Itamaracá, chamada na época de Terra de Santa Cruz. Dois anos depois, os registros históricos já apontam que portugueses também passaram por essas terras de olho em que já as habitava, na época o Tratado de Tordesilhas estava vigorando. “Nessas visitas, os portugueses perceberam a presença de outros europeus nas terras e logo alertou a coroa para que a colonização fosse urgente. Foi aí que Pedro Álvares Cabral navegou para o que seria o Brasil no futuro, errou a rota e foi parar em Porto Seguro, na Bahia”, explica.

Elias avalia que por um erro de cálculo Pernambuco não foi a primeira terra a ser “colonizada”. Para ele, a grandeza e importância política de Pernambuco no período colonial e imperial é o que alimenta o sentimento de pernambucanidade, ainda forte hoje em dia. Mas, para o pesquisador, o alerta é que "Pernambuco virou só história", justamente porque todo momento de glória e importância foi sendo retirado aos poucos e a trajetória do Estado e o desejo de independência se perdeu um pouco.

“Se você observar, somos os primeiros em quase tudo. Fundamos a 1ª Sinagoga das Américas, 1ª loja maçônica da América Latina, 1ª ponte, tivemos o 1º médico a pisar no solo americano, fizemos o 1º parto cesáreo, quem fez foi Correia Picanço, barão de Goiana, temos a tapioca, a cachaça e muito mais”, comenta orgulhoso da terrinha em que nasceu.

Frei Caneca se tornou um grande símbolo para o Geapi. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Um outro ponto importante listado pelo pesquisador para entender por que tudo acontecia em Pernambuco era que a aristocracia da América Latina, no começo do século 19, habitava no território pernambucano. “As pessoas ricas, os nobres e os pensantes estavam aqui porque era o lugar mais rico. Todas essas pessoas que moravam no Estado, principalmente os filhos dos comerciantes portugueses e os padres, estudam na Europa e por lá tinha acesso a todo o movimento Iluminista e as ideologias de liberdade individual. Eles absorviam a teoria e traziam para o Seminário de Olinda. Na época, existia a teologia pombalina ou libertária, pregada nas Igrejas Católicas, principalmente de Coimbra, em Portugal. E Frei Caneca trouxe isso para cá, pregando o libertarianismo, o independentismo, a liberdade de imprensa e a queda da monarquia absoluta. Eles compartilhavam esse conhecimento principalmente nas maçonarias, porque quase todos os locais eram proibidos”, diz.

Em 1824, ocorreu a Confederação do Equador, na província de Pernambuco, como um movimento de resistência ao governo e às medidas do Imperador D. Pedro I. Entre seus objetivos, o principal era de se separar efetivamente do território brasileiro, constituindo nova república. Porém, as forças militares do império atuaram com rapidez e força para colocar fim ao movimento emancipacionista. Um dos principais líderes, Frei Caneca, que também já tinha atuado na revolução de 1817, foi condenado ao fuzilamento.

O sentimento de libertarianismo é respaldado pela história do Estado nas diversas revoluções, rebeliões e movimentos pedindo a independência da região. Frei Caneca se tornou um grande símbolo para o Geapi.

Quando é que acaba esse sentimento libertário?

Para Elias, o sentimento de ser livre de Pernambuco não acabou, mas foi adormecido porque os políticos e os detentores da informação começaram a esconder a história do Estado para evitar as movimentações. “As pessoas não sabem a história de Pernambuco porque não é do interesse dos poderosos que isso seja divulgado. Caso tenham acesso a esse conhecimento, tenho certeza que a presença dos libertarianismo e o movimento separatista ganha muito mais força aqui”, comenta.

Ele destaca ainda que o Estado foi libertário até o início dos anos 1900, mas que a partir de 1930, com a chegada da Ditadura de Getúlio Vargas, as ideias de separatismo começaram a ser reprimidas fortemente. “Ele sabia do regionalismo e quis instaurar a brasilidade. Um dos lugares que ele mais visitou foi o Recife. Esse sentimento de brasilidade, mesmo assim, ficou frágil porque o Brasil é um equívoco de Portugal e passou a ser também de Getúlio. Não existe esse sentimento de pátria amada e nem isso de nacionalismo”, pontua.

Após anos, na década de 1990, ‘O Sul É o Meu País’, um movimento da Região Sul do Brasil que estuda a viabilidade da separação dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul do restante da federação, começa a ganhar força nacionalmente e inspira outras regiões a começarem a se organizar também.

“Se Pernambuco conseguir se separar não quer dizer que o Brasil vai se dissolver. Não é verdade. O uruguai se separou do Brasil no século 19 e o país continuou existindo. Pernambuco teria uma relação saudável e diplomática como se fosse qualquer outro estado do mundo. Já aguentamos demais, agora é hora de andar com os próprios pés. É importante lembrar que desde 1945, 142 países decidiram tornar-se independentes e nenhum deles voltou atrás”, frisa Elias Boza.

Nas letras de João Cabral de Melo Neto também é possível perceber o sentimento de pertencimento ao Estado. “Não me sinto brasileiro, e sim pernambucano”, escreveu. Elba Ramalho também entoa o desejo de um Nordeste livre nas suas letras. “Imagina o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente dividindo a partir de Salvador. O nordeste seria outro país (...)”.

O Geapi também ganha força com a internet e os ideais do grupo se espalham cada vez mais diante de uma constante frustração dos brasileiros com o rumo do país. “Nos anos 1990 e 2000, o sentimento volta ao Nordeste, com as pessoas querendo a independência da região, mas não pensando politicamente e estratégicamente, mas pelo preconceito com o sotaque diferente, com a seca, tudo isso renasceu a vontade de independência. Nos anos 2000 somos muitos grupos organizados e prontos para lutar pelo mesmo ideal”, confessa Boza, que se define como um leão do norte e diz que até fechar os olhos vai lutar para um dia Pernambuco se tornar um novo país. 

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