Os livros sempre foram uma ótima rota de fuga para realidades não muito satisfatórias. No momento em que o planeta mergulhou em uma pandemia altamente mortífera, obrigando a população a se recolher em seus lares e evitar o máximo de contato humano possível, a leitura despontou como um verdadeiro bálsamo para tamanha batalha vivida nos quatro cantos do mundo.
A literatura foi o mecanismo encontrado por muitos quarentenados para lidar com o isolamento e demais problemas da pandemia e, contrariando o contexto de crise e de retrocesso que se abateu nos demais setores da arte e da cultura, o segmento conseguiu se organizar e até crescer em meio ao caos. Apesar dos problemas econômicos, sobretudo os enfrentados pelas redes de livrarias, grandes e pequenas, e editoras - com fechamento de lojas físicas e aumento nos valores de insumos -, o consumo de livros cresceu no Brasil durante o primeiro ano da crise sanitária.
##RECOMENDA##Segundo levantamento feito pela 11º Painel do Varejo de Livros no Brasil de 2020, divulgado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e pela Nielsen Bookscan Brasil, houve um crescimento de 25% em volume e 22% em valor dos livros vendidos comparado com o mesmo período em 2019. Até novembro do ano pandêmico, o setor livreiro havia movimentado R$ 1,39 bilhão com a venda de 32,81 milhões de livros.
LeiaJá também
--> Pandemia completa um ano no Brasil e atinge seu auge
--> Como a pandemia impactou a cultura no último ano
Apesar do bom desempenho, editoras e escritores também voltaram suas atenções para o mundo virtual, seguindo a tendência mundial do momento. Promoções, lives, debates e lançamentos virtuais, oficinas e workshops à distância começaram a pipocar nas redes como forma de atrair os leitores. Outros nichos que cresceram com a chegada da pandemia foram os de e-books, e-readers e audio books.
De acordo com a Bookwire, distribuidora de e-books para mais de 500 editoras brasileiras, só entre março e abril de 2020 a empresa distribuiu 9,5 milhões de exemplares digitais, um número 80% maior do que havia sido comercializado durante todo o ano anterior pela empresa. Já segundo a Storytel, especializada em audiolivros, o aumento no consumo do formato foi de 23% em todo o mundo.
Tamanho crescimento, no entanto, não se deu de forma gratuita. Distribuidoras e editoras, atentas à crise, lançaram mão de inúmeras estratégias para fisgar os consumidores. Uma delas, o Digital First, promove o lançamento dos títulos primeiramente no online, para só em seguida haver a impressão das unidades físicas. Obras de escritores como Augusto Cury, Fabrício Carpinejar e Luiz Felipe Pondé, por exemplo, embarcaram nessa.
LeiaJá também
--> Conteúdo digital avança na pandemia
--> Como a 'arte da crise' lidou com o primeiro ano de pandemia
Outra alternativa para chamar a atenção do público, foi a de disponibilizar títulos digitais de forma gratuita. A editora Rocco tem disponibilizado, mensalmente, cerca de 30 títulos totalmente sem custo para a clientela. A Sextante tem feito o mesmo e já passou da marca de um milhão de e-books gratuitos disponibilizados na internet.
Processo criativo
Em meio a essa profusão de formatos e estratégias mirabolantes para atrair os leitores estão os escritores. Esses também precisaram adaptar-se aos novos tempos para continuarem criando e entregando produção de qualidade. Outros, por outro lado, resolveram aproveitar o ensejo para se jogar na literatura de uma vez.
Foi o caso da pernambucana Lara Ximenes que decidiu lançar seu livro de estreia, Tática Operacional para Sobreviver so Cotidiano, em plena pandemia. O livro, resultado final de uma pós-graduação em escrita criativa, acabou funcionando como uma “salvação” para a autora que em meio a seus “pensamentos quarentenescos” e as inquietações provocadas por um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) acabou estreando no período “Inusitado”. “Você em casa, só você e sua mente, você tem que lidar com muita coisa que você nem tem como fugir. E aí, meu TCC veio também como esse escape literário das minhas próprias vivências na pandemia. O que eu tava experienciando eu tava colocando no papel e o contexto me estimulou a lançar o livro nesse momento porque foi um meio de marcar algo positivo em meio a tantas coisas ruins”, disse em entrevista ao LeiaJá.
Lara Ximenes estreou como escritora durante a pandemia. Foto: Divulgação/Mariana Gallindo
Na obra, Lara traz várias listas que, de forma poética, elencam algumas das necessidades e dificuldades desses tempos atuais, além de servirem de registro histórico para ele. O formato, além de ser muito apreciado por ela, acabou surgindo durante discussões acadêmicas e, unindo-se às circunstâncias, acabou caindo como uma luva para sua primeira obra. “A gente escreve listas o tempo inteiro, são registros históricos. Quanta coisa cabe numa lista, não só literalmente mas metaforicamente falando. Eu percebi que eu usava listas de forma lúdica para me lembrar de coisas; era uma forma de misturar a praticidade do dia a dia com o lirismo da poesia e da escrita afetiva; eu sempre nutri uma afinidade com esse tipo de escrita”.
Na contramão das tendências digitais da atualidade, Lara optou por lançar a primeira tiragem do livro no formato físico, através da editora Chuvisco. A escolha não foi por acaso. Além de marcar materialmente sua estreia como escritora, ela também optou por esse modelo para fomentar outras reações à sua obra. “Existe uma magia em você receber um livro em casa. Você receber uma encomenda nesses tempos tão difíceis que a gente não consegue ver pessoas queridas, não consegue ir em lojas, tem uma afetividade. É uma forma de eu estar presente em vários lares. Eu me encantei com os relatos que recebei de familiares acessando esse material que talvez se estivesse só disponível no online, talvez eles não teriam como acessar. O resultado foi maravilhoso, ficou do jeito que eu sonhei. O sonho estava ali na minha mão”.
Na próxima e última matéria da série, você vai ver como as artes plásticas sobreviveram ao primeiro ano pandêmico.