O projeto de lei sobre os direitos das pessoas transgênero, que os deputados da Espanha devem votar nesta quinta-feira (22), provoca divisões tanto na coalizão de esquerda que governa o país como dentro do movimento feminista.
"A igualdade real e efetiva das pessoas trans" e a garantia dos direitos LGBTQIA+ estão entre as propostas principais do Ministério de Igualdade liderado pelo Podemos, partido de esquerda radical e parceiro minoritário na coalizão do governo liderado pelo socialista Pedro Sánchez.
Se os deputados aprovarem o projeto - como é provável -, e o mesmo também passar pelo Senado, a Espanha se transformará em um dos poucos países do mundo a autorizar a autodeterminação de gênero apresentando apenas uma solicitação pessoal.
"As pessoas trans e a comunidade LGBTQIA+ não podem esperar mais para o reconhecimento de todos os seus direitos", assegurou em outubro a ministra de Igualdade, Irene Montero, representante do Podemos, prometendo que daria o máximo para conseguir sua aprovação.
A lei permitirá aos cidadãos maiores de 16 anos mudar o nome e a menção relativa a seu sexo nos documentos de identidade, sem que seja necessário apresentar qualquer atestado médico nem confirmar que se submeteu a um tratamento hormonal durante pelo menos dois anos, como se exige atualmente para os maiores de idade.
Com a nova lei, os jovens a partir de 12 anos também poderiam solicitar a mudança no Registro Civil, mas apenas sob algumas condições, algo que foi objeto de duras discussões no governo nos últimos meses.
- Luta interna -
Rechaçado totalmente pela direita, o polêmico projeto não gerou tensões apenas na coalizão, mas também causou divisões no movimento feminista.
Para figuras de peso do feminismo espanhol, a lei representa um retrocesso nos direitos das mulheres e poderia gerar problemas para os jovens, uma postura que é tachada de "antitrans", e inclusive "transfóbica", por parte das defensoras da inclusão do coletivo.
Com este projeto de lei, "estão introduzindo um cavalo de Troia no feminismo", estimou Lola Venegas, porta-voz da Aliança Contra o Apagamento das Mulheres, que teme que a autodeterminação de gênero represente "um retrocesso brutal" aos direitos das mulheres.
Com esse texto, as pessoas do sexo masculino que mudarem de gênero "poderão competir nos esportes femininos" ou "entrar em presídios de mulheres", indicou.
Também preocupa os opositores da lei o direito à autodeterminação para os menores de idade, que poderão mudar de gênero, a partir dos 14 anos, se contarem com a assistência de seus tutores legais no processo, e a partir de 12 anos com autorização judicial.
Apesar de os socialistas terem pressionado para introduzir uma emenda que obrigasse a estender o aval judicial para os jovens de 14 e 15 anos, a proposta acabou sendo rejeitada.
Dentro do Partido Socialista, as divisões foram ainda mais profundas, levando, inclusive, a veterana ativista Carla Antonelli - a primeira mulher trans que se elegeu deputada regional na Espanha - a deixar o partido em outubro, após décadas de militância.
"Se o socialismo não for corajoso, não é socialismo", escreveu na época Antonelli no Facebook, lamentando que seus anos de trabalho pela autodeterminação de gênero tenham terminado em um "pesadelo dantesco, de transfobia, exclusões, humilhações internas e externas".