O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quarta-feira, 7, que a Lei de Segurança Nacional (LSN) tem 'inconstitucionalidades variadas' e precisa de revisão. Partidos de diferentes espectros políticos têm acionado a Corte para derrubar o dispositivo, sancionado na ditadura.
Em seminário virtual promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Barroso lembrou o histórico da LSN no ordenamento jurídico do País. "Parece que era uma obsessão nacional. Talvez não tenha um domínio que tenha tido tantas leis como essa área da segurança nacional", afirmou. "Uma obsessão mais com a proteção do Estado do que com a institucionalização da democracia e o com o exercício pleno da cidadania", prosseguiu.
##RECOMENDA##Na forma vigente, em sua sexta versão, a Lei da Segurança Nacional foi sancionada em 1983, durante a ditadura militar, pelo presidente João Figueiredo, para listar crimes que afetem a ordem política e social - incluindo aqueles cometidos contra a democracia, a soberania nacional, as instituições e a pessoa do presidente da República.
"É uma lei que prevê ainda no seu texto o julgamento pela Justiça Militar dos fatos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, o que no entanto foi superado pelo advento da Constituição de 1988, tal como interpretada pela jurisprudência", explicou o ministro.
Na avaliação de Barroso, a LSN está desatualizada e já não é compatível com o espírito da sociedade brasileira. "Essa lei, que é a que está em vigor, tem inconstitucionalidades variadas e dispositivos que são incompatíveis, claramente, com a Constituição de 1988. Ela tem uma certa incompatibilidade de sistema, ela foi feita para outro mundo, em outra época, é uma lei pré-queda do Muro de Berlim, é uma lei ainda do tempo da Guerra Fria. Os bens jurídicos que ela procurava tutelar, alguns equivocados, já não são mais correspondentes às demandas da sociedade brasileira contemporânea", disse.
O ministro defende uma reforma da lei, com manutenção de dispositivos voltados para a defesa da democracia, mas a derrubada de trechos que abrem caminho para enquadrar adversários políticos.
"É claro que ela tem alguns dispositivos que qualquer lei de defesa do Estado democrático deve preservar", explicou. "Tem dispositivos que evidentemente em uma próxima lei precisarão estar. Mas boa parte deles, inclusive os que a meu ver têm sido objeto de utilização, precisam de revisão, quando não de declaração de invalidade", defendeu.
Em sua apresentação, Barroso ainda criticou a herança autoritária da LSN. "Não se proscrevem ideias. Que ideias se discutam com outras ideais e com argumentos, assim é a vida democrática", disse.
Em fevereiro, o próprio Supremo Tribunal Federal usou a Lei de Segurança Nacional para justificar a ordem de prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ).
Caso seja derrubada pelo STF, a edição de um novo texto, para substituir o atual, cabe ao Congresso. Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também participaram do evento virtual. Assim como Barroso, os dois defenderam a atualização da Lei de Segurança Nacional.
Para o senador, a reforma não deve ser tocada a partir de uma derrubada completa da lei. "Pode ser um risco inclusive a este Estado Democrático de Direito", disse.
Ao comentar a aplicação da Lei de Segurança Nacional, Pacheco afirmou que o uso acaba vindo à tona em razão do momento em que vivemos, quando 'a pretexto da livre manifestação do pensamento' se extrapolam os direitos de liberdade públicas para se pedir, por exemplo, fechamento dos Poderes Legislativo e Judiciário, ou a revogação da Constituição, e que essas falas e ações precisam ter uma reação normativa, legislativa e judicial 'à luz da Constituição' para conter esses 'arroubos'.
Hoje, há pelo menos 23 projetos de lei propondo uma nova versão da LSN protocolados no Congresso, que voltaram a repercutir nas Casas Legislativas. Arthur Lira disse não ter dúvidas de que uma legislação neste sentido será aprovada pelos parlamentares.
Lira disse que a Câmara, a princípio, fez um 'pacto' de duas semanas para votar apenas projetos relacionados à pandemia de covid-19, mas que a nova lei do Estado Democrático Direito é prioritária para a Casa. Ele prometeu que defenderá na quinta-feira, 8, em reunião com líderes das bancadas, urgência na discussão do tema.
Para Lira, é importante que o Congresso se posicione para que 'não caia no vácuo de deixar com que a supressão de partes da Lei de Segurança Nacional deixem a defesa do Estado Democrático de Direito solto'. "Tenho plena certeza e tenho consciência do trabalho que está sendo bem conduzido na Câmara dos Deputados"disse.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, foi outro convidado do evento. Ele repudiou, em nome da entidade, o emprego do dispositivo pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido). Um levantamento do Estadão mostrou que o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal com base no dispositivo aumentou 285% nos primeiros dois anos da gestão bolsonarista em comparação com o mesmo período dos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
"Um uso exacerbado, cotidiano", disse. "Todos os presidentes e lideranças políticas sempre sofreram críticas. Essa é a marca da democracia. E a Lei de Segurança Nacional vem sendo utilizada para calar, para intimidar, vem sendo um instrumento de atrasado, um instrumento de resgate aos piores momentos ditatoriais do nosso País ao longo do século XX", acrescentou.
Santa Cruz ainda dirigiu críticas ao advogado geral da União, André Mendonça. "O governo atual, e nós repudiamos sim a condução, em especial do ministro André Mendonça, quando utiliza a Lei de Segurança Nacional", disse o presidente da OAB. "Esse lei é uma herança do silêncio que tenta impor aos que pensam de forma diferente, absolutamente incompatível com a Constituição de 1988".