Até quando apenas estilo será considerado para validar um produto? Dizem por aí, e por aqui também, que a estética é sempre fundamental, o que concordo, mas que ela, por si só, eleva uma obra a algo significativo, e mesmo que o que se vê seja desprovido de sensações, esta mesma estética é capaz de criá-las, o que tenho que discordar com veemência. Sendo assim, posso dizer que Peaky Blinders é tudo, menos significativa, e usando de expressões clichês, afirmar que nem tudo que reluz é ouro, ou que nela há muito rei para pouco trono, e que possui uma capa deslumbrante, mas em termos de conteúdo…
Sim, é verdade que falamos de uma disputa de gangstêres com a polícia em plena Inglaterra de 1919, e que há uma belíssima direção de arte, fotografia e figurinos, além de uma maquiagem soberba. Estamos diante de uma história que não só mostra o crescimento e provável declínio de uma família de bandidos, como também um retrato social da época, mas até onde isto é satisfatório? Ora, eu não resolvi ver Peaky Blinders por achar que o seriado seria um livro de história, tampouco poderia me interessar por personagens que minutos atrás não conhecia se estes realmente me não me soassem fascinantes, e aí, quando vamos ao cerne que do que o programa apresenta, temos bastante aparência e só.
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Cillian Murphy, ator que considero sensacional, aqui fica restrito ao típico chefe de família, Tommy Shelby, mais inteligente que todos, embora seja o de menor idade, e que pode ser afável ou brutal a depender sa situação e de seus interesses. Em contrapartida, seu irmão mais velho, Arthur (Paul Anderson), é o suposto coordenador de todas as ações, mas não passa de marionete nas mãos do caçula. E a chegada de Sam Neill, outro ator que admiro, como o inspetor Campbell, alardeada por trombetas e ventos, revelou-se frustrante ao descobrirmos que estávamos diante de um pastor evangélico, e não um policial capaz de fazer frente real aos Shelby. Além disso ainda temos o opositor ferrenho à organização criminosa, mas que se envolve amorosamente com um deles, a agente dupla que engana pela beleza, e a dose já aguardada de violência que parece marcar séries assim.
Surge o uso interessantíssimo de uma trilha sonora que mistura guitarras e baterias e que, dificilmente, encaixaria-se em uma história de época, mas aqui, pelo peso do que é narrado, funciona bem, exceto pelo fato de só surgir quando nada acontece na trama, mostrando trechos da cidade ou caminhadas dos personagens. Há também a presença do slow motion, que aparece na tentativa de dramatizar ou criar auras de deslumbramento em determinadas cenas, mas sequer estamos afeiçoados àquelas personas e à narrativa para que isso surta efeito. O detetive Campbell é encarado constantemente numa diagonal que parte de baixo para cima, tentando revelá-lo como uma figura poderosa e ameaçadora, mas quando o vemos em seu primeiro discurso, a plasticidade do texto congela os gestos de Sam Neill a simples traços da energia que poderiam conter e o reduz a um fervoroso religioso qualquer, e não à mente que ansíavamos para fazer frente aos Shelby. Por fim, mesmo depois de a fotografia de cores mortas e aloguns eventos na cidade mostrarem a corrupção que ali se espalha, precisamos de uma cena inteira em que Campbell passeia à noite de carruagem e, de uma só vez, assiste a assaltos, brigas, mendigos, pedintes, sexo com prostitutas, afinal, somos dementes demais para depreender tudo que já havia sido passado antes, e precisamos nos sentar nesse carrinho de trem-fantasma para contemplar em um só passeio o que permeia os rincões citadinos.
Se Peaky Blinders se pretende ser toda essa magnificência que alardeia, é preciso mais coesão com o que apresenta e menos espalhafate, do contrário será apenas um pavão cortejando seu espectador, que se não se deixar deslumbrar pelas cores e efeitos, ignorara por completo o envolvimento daquele padrão hipnótico.
Eis um belo exercício estilístico cinematográfico, e só.