A suspensão do Twitter pela Nigéria e a ordem para que os meios audiovisuais apaguem suas contas na rede social indignaram o país mais populoso da África, cuja população jovem e altamente conectada adotou a plataforma como ferramenta de protesto social.
Dos 200 milhões de habitantes da Nigéria, mais de 120 milhões têm acesso à internet e, destes, cerca de 40 milhões (20% da população total) afirmam ter uma conta no Twitter, segundo o gabinete de pesquisa estatística NOI Polls, com sede em Lagos.
##RECOMENDA##Este número elevado é explicado em especial "por sua população numerosa e jovem, mas também pelo peso de sua diáspora, sobretudo nos Estados Unidos ou pela notoriedade mundial das estrelas nigerianas" do cinema ou da música afropop, analisa Manon Fouriscot, cofundador da Afriques Connectées, agência de monitoramento digital na África.
Mas estudos também revelam que o Twitter, diferentemente de outras redes sociais, é usado na Nigéria para "dar voz a quem não tem", inclusive "para questionar o governo sobre o que há de errado no país", de acordo com a NOI Polls.
Em outubro do ano passado, o movimento #EndSARS contra a violência da unidade policial SARS, que se tornou uma plataforma dos jovens contra o poder, estourou no Twitter antes de tomar as ruas.
Apoiada por ícones afropop com milhões de seguidores e importantes influenciadores internacionais, a hashtag foi a mais compartilhada do mundo por dois dias. Seguiram-se os maiores protestos da história moderna da Nigéria, que levantaram temores de uma desestabilização do governo antes de serem brutalmente reprimidos.
- "Volta à ditadura" -
"Nos últimos anos, o governo nigeriano aumentou o controle dos meios de comunicação digitais", disse Kian Vesteinsson, pesquisador da Freedom House, uma organização de direitos humanos.
“Jornalistas e grupos de imprensa nigerianos afirmam ter sido alvo de vigilância digital e vítimas de ciberataques relacionados às forças de segurança”, afirma o especialista em tecnologia e democracia.
Mas ao suspender completamente o Twitter por tempo indefinido, as autoridades, que dizem que a rede queria desestabilizar o país ao permitir que os separatistas de Biafra se manifestassem e suprimir os tweets do presidente Buhari, foram mais longe.
Na segunda-feira, o órgão regulador nacional do audiovisual (NBC) pediu a todas as emissoras que excluíssem suas contas no site e alertou que qualquer uso seria considerado "antipatriótico".
A utilização de uma VPN, rede privada virtual que permite o acesso ao Twitter contornando o bloqueio na Nigéria, também será considerada crime, advertiu o Ministério da Informação, embora nenhuma lei com este teor tenha sido votada no Parlamento.
"O Twitter deve primeiro se registrar como uma empresa na Nigéria, deve obter uma licença da comissão de radiodifusão e deve impedir que sua plataforma seja usada por aqueles que promovem atos hostis" contra o país, declarou à AFP o ministro da Informação, Lai Raufu Mohammed.
Organizações de direitos humanos afirmam que há violação das liberdades fundamentais estabelecidas na Constituição de 1999, data oficial do fim dos regimes militares.
“O amordaçamento do Twitter é antes de tudo um meio de amordaçar os meios de comunicação”, afirma o diretor digital de um grande canal de televisão. "Temos que reagir, se não eles podem ir ainda mais longe."
Alguns veículos, como a Arise TV, continuaram a usar o Twitter para compartilhar notícias a partir de seus escritórios na Inglaterra ou nos Estados Unidos, a fim de contornar a diretriz.
"A Nigéria voltou à ditadura", disse Kola Tubosun, um escritor nigeriano, em um editorial na revista internacional Foreign Policy.
A juventude, porém, já está se reorganizando nas redes sociais sob a hashtag #KeepItOn e tenta planejar uma manifestação para o dia 12 de junho.