Essa poderia ser só mais uma entre tantas outras reportagens que contam relatos de superação, retomada e reinvenção ‘pós’-pandemia. No entanto, o personagem desta matéria é um pouco diferente, pois entrou nesse processo de autoconhecimento e busca por um novo sentido antes mesmo da crise sanitária assolar o mundo. Trata-se da banda pernambucana Bonsucesso Samba Clube, grupo com pouco mais de duas décadas de história, parte fundamental do movimento Manguebeat, e que dispensa apresentações. Após um hiato, a banda retorna aos palcos nesta sexta (9), em um show de celebração, no Casbah, em Olinda, mais solar que nunca e disposta a construir novas histórias.
O ‘bichinho’ da mudança já havia mordido o cantor e compositor Rogerman, frontman da Bonsucesso, tempos antes do coronavírus colocar a todos em um severo confinamento. A banda havia feito algumas apresentações no Recife e em Olinda, no Carnaval de 2020 - o último antes da pandemia -, mas o artista já sentia ali que ‘algo de errado não estava muito certo’. O desejo era de “dar uma guinada”, mas como fazê-lo? Durante a quarentena, o pernambucano embarcou para Brasília (DF) para passar uma temporada com a mãe que lá reside, e foi então que os planos começaram a tomar forma.
##RECOMENDA##Na capital federal, Roger fez o que mais entende: compôs. O peso da crise de saúde mundial, a distância de casa (Olinda) e do mar o guiaram por um caminho que colocaria fim às dúvidas de antes. “Lá (em Brasília), depois de três meses, eu tive essa certeza que eu queria algo novo para o Bonsucesso, inclusive músicas novas que estavam surgindo nesse período da pandemia. Eu tentei não me agarrar às coisas ruins, porque já tava tudo muito pesado. E veio essa coisa de eu precisar do mar, sou muito ligado ao mar e à Olinda. Eu disse: ‘Assume logo essa sua relação com a cidade, de pertencimento, e essa relação com o mar’. Então me veio muito um ambiente solar, mesmo que fosse um período duro, de perdas e sofrimento, eu apostei numa linguagem apontando um caminho de esperança, iluminação e coisas boas”, disse o músico em entrevista exclusiva ao LeiaJá.
Com o novo norte, Roger mergulhou ainda mais fundo nas composições. Já de volta à cidade natal da banda, Olinda, ele reuniu os companheiros Léo Oroska (percussão), Hugo Gila (contrabaixo), António Marques (bateria) e Pedro Vivant (guitarra), e o trabalho engrenou. Durante um ano e meio, o grupo cuidou do repertório de clássicos e inéditas da BSC e o resultado poderá ser visto em um disco com lançamento previsto para o pós-Carnaval de 2023.
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Mas antes, a Bonsucesso reencontra seus fãs - inclusive os da nova geração -, na festa desta sexta (9). Animado com o retorno aos palcos, Rogerman fala com entusiasmo sobre a renovação de público da banda, mesmo após a parada provocada pela pandemia e alguns outros hiatos enfrentados ao longo dos últimos 20 anos. “Sinto uma receptividade muito boa e acho que essa relação vai se intensificar em 2023, com o lançamento desse novo trabalho. Aposto que a partir desse novo momento, as pessoas vão começar a procurar mais o que é antigo. Eu vi isso acontecer com Jorge Ben Jor, guardada as devidas proporções, e vários outros artistas brasileiros que em determinado período estavam meio esquecidos ali e quando a nova geração descobriu esse som, a partir de um lançamento, foi descobrir a discografia antiga”. Em tempo, os três álbuns já lançados da BSC estão disponíveis nas plataformas digitais.
Roger aponta ainda, a celebração dos 30 anos do movimento manguebeat como um estímulo para que essa geração atual chegue mais junto. Ele cita algumas iniciativas comemorativas, como o documentário ‘Manguebit’, do diretor pernambucano Jura Capela - grande vencedor do 14º In-Edit Brasil- Festival Internacional do Documentário Musical -, como uma espécie de vitrine para que os mais novos possam entender o que foi o movimento e debruçar-se sob o legado deixado por ele. “Quando encontro os meninos mais novos, todos reverenciam o mangue. Todo mundo que tem uma alma de artista entende a importância do movimento, do legado que ficou e como ele deu uma pavimentada na estrada pra todo mundo. O mangue foi muito generoso com todo mundo e o legado tá aí. O Estado poderia dar mais suporte a essa memória, mas de toda forma (ela) tá aí, viva. São 30 anos, me orgulho muito de ter feito parte e ter visto isso acontecer desde o início, desde o seu embrião”.
9 de dezembro, 2023 e além
Para o show desta sexta, 9 de dezembro, a Bonsucesso Samba Clube promete um setlist recheado de clássicos mas, também com algumas das músicas inéditas que estão por vir. No palco, a banda estará acompanhada das artistas pernambucanas Iara e Íris Campos, fazendo os backing vocals, bem como o farão no disco novo.
Além disso, a noite contará com o rapper e grafiteiro Galo de Souza; a banda Matucana, representando a nova geração da música pernambucana; e discotecagem de Zeca Viana. Por último, mas não menos importante, a festa também vai celebrar os aniversários do próprio Rogerman e do baixista Hugo Gila, o que promete tornar o retorno da BSC um momento ainda mais marcante para todos os envolvidos. “É um show de reencontro, pra mostrar pra galera: tamo aqui! A gente vai celebrar, vai ser uma noite pra curtir, de sorriso no rosto e celebrar a vida, os caminhos, a música e a cultura pernambucanas.”, diz Roger.
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Já para 2023, as previsões são ainda mais animadoras com a chegada do disco e de integrante novo: o músico e produtor Jadson Vale, o Bactéria, que tem no currículo bandas como Mundo Livre S.A, Combo X, e Otto. ‘Bac’, como é chamado pelos amigos, junta-se ao grupo após ter assinado a produção do próximo álbum. Álbum este que, a depender do entusiasmo da banda e de seu ritmo de trabalho, será apenas o primeiro de muitos outros que virão para fortalecer cada vez mais sua história e esquecer de vez todos os hiatos. É o que garante Rogerman: “Mesmo com todas as paradas, o nome (Bonsucesso Samba Clube) ficou, virou uma marca, as pessoas não esqueceram, isso é um fenômeno. E agora vai, não vamos parar. Até porque temos um caminhão de músicas que precisam ser gravadas e registradas para deixar de legado, para quem sabe uns oito discos da Bonsucesso (risos)”.