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José Cícero dos Santos durante seu ritual de reza. (José Cícero dos Santos/Cortesia)

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Nem bem o sol começa a revelar as silhuetas do conjunto de serras que compõem a Chapada do Araripe, que abraça a cidade de Juazeiro do Norte, no cariri cearense, e uma pequena fila de pessoas começa a se formar diante da casinha de fachada branca, localizada no bairro dos Franciscanos. Todos aguardam pela bênção do famoso José Cícero dos Santos, não por acaso, homônimo do maior ícone religioso da região. A partir das sete horas da manhã, o rezador começa a atender o público, que chega a uma média de 70 pessoas por dia. Aos 72 anos, ele garante que é preferível recompensá-lo com uma vela acesa para seu “Padim”, cujo processo de beatificação acaba de ser aprovado pelo Vaticano.

“O papa viu que ele era um santo de verdade, que tinha que colocar ele na Igreja. Você não imagina como eu fiquei com uma luz tão grande que recebi com essa notícia. Fiquei doidinho”, comemora o rezador.

Nascido em 1949, ele conta que foi batizado em homenagem ao padre Cícero Romão Batista. “Minha mãe era muito devota de meu Padim Ciço e fez uma promessa de também batizar outros dois irmãos meus de Romão e Batista. Ela era alagoana e chegou em Juazeiro em 1935, e, junto com meu pai trabalhava na agricultura”, recorda-se.

Na seca de 1958, uma das mais agudas já registradas no Nordeste brasileiro, José Cícero e seus 23 irmãos também passaram a trabalhar na roça, na tentativa de driblar a fome. “O ‘comer’ que meu pai ganhava, ele trazia num chapéu para dar aos filhos, porque não tinha como fazer feira. A gente comia feijão preto, carne seca e farinha. Todo santo dia eu ia na missa, pedia ao meu Padim proteção e luz em meus caminhos para eu batalhar por minha vida e alimentar minha família”, comenta. Com a fé no Padre Cícero, a família venceu a seca e a miséria. “Quando me casei foi com 21 anos, aí saí no meio do mundo batalhando, trabalhando de pintor e até em cemitério. Em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, foi quando recebi minha missão”, relata.

Cícero recebeu a visita de uma mãe com seu bebê, que não parava de vomitar e apresentava quadro de desinteria. “Ela já tinha ido em tudo que era médico e não resolvia. Eu disse que não sabia rezar e me veio logo o Padim Ciço na cabeça, que ele tem meu nome, eu tenho o nome dele, e sabia que ele ia me dar essa missão. Peguei um ‘ramozinho’ e rezei a criança duas vezes”, diz.

A notícia de que o estado de saúde da criança havia melhorado após a reza de José Cícero caiu na boca do povo. Ele logo passou a ser procurado por outras pessoas em busca de bem-estar físico e mental. “Isso é uma missão que meu Padim Ciço me deu, tinha que cumprir no Juazeiro, aí voltei. Chega mulher, criança nova, adulto, idoso. E o povo leva meu nome por aí, sou procurado. Minha força de Deus e Padim Ciço atravessam o oceano", comenta.

Rotina de fé

Cícero se recusa a receber dinheiro em troca da reza. (José Cícero dos Santos/cortesia)

Das 7h às 10h e das 12h às 15h, José Cícero atende gente dos mais diversos estados e países. Sempre com um ramo nas mãos, ele fecha os olhos e murmura suas orações dirigidas aos visitantes. “Cada ramo que vou passando, Deus vai me ajudando vai me ajudando. A pessoa vai ficando ‘maneira’, curada e faço o sinal da cruz. Desço na pessoa todinha e o ramo vai tirando todas as coisas do mal, é a folha abençoada de Deus para tirar as coisas ruins”, acredita o rezador.

Cícero se recusa a receber dinheiro em troca da reza. Na sala de estar de sua casa, no entanto, é comum ver gente com sacolas de frutas, arroz e feijão, na tentativa de contribuir com seu sustento,  que se dá através de uma aposentadoria. “A sabedoria para mim é uma luz tão grande que Deus me deu que quando vejo uma pessoa contente, sai até lágrima dos meus olhos”, responde ao ser questionado sobre a recompensa que recebe ao dedicar boa parte de seus dias a rezar estranhos e conhecidos.

O trabalho com a comunidade também envolve a participação em festas tradicionais, como Dia de São Cosme e São Damião e Dia de Reis. José Cícero, aliás, chegou a ser mestre de reisado na juventude e costuma ser visitado por todos os grupos locais, no período dos festejos. "Na Romaria de Padim Ciço, também recebo os romeiros de todo canto e rezo todos eles. Todos eles ‘sai’ feliz: ‘seu Ciço, fiquei bom da dor!’. Meu padim que me ajuda a cuidar dos ‘fi’ de Deus”, emociona-se.

Beatificação 

No dia 20 de agosto, o bispo da diocese do Crato, Dom Magnus Henrique Lopes, anunciou, durante missa no Largo Capela do Socorro, em Juazeiro do Norte, que o processo de beatificação do Padre Cícero Romão foi autorizado pela Igreja Católica. 

"Queridos filhos e filhas da Diocese do Crato, romeiros de todo Brasil, é com grande alegria que eu vos comunico nesta manhã histórica que recebemos oficialmente da Santa Sé, por determinação do santo padre, o papa Francisco, uma carta do dicastério para a causa dos santos, datada do dia 24 de junho de 2022. Recebemos a autorização para a abertura do processo de beatificação do padre Cícero Romão Batista que, a partir de agora, receberá o título de servo de Deus", declarou Dom Magnus Henrique Lopes, responsável pelo pedido de beatificação.

Para completar a beatificação, o Vaticano realiza um levantamento da biografia do candidato em busca de fatores biográficos que possam impedir o processo. Se nada for encontrado, a igreja emite o Nihil Obstat (nenhum impeditivo), um documento formal, redigido em latim para ser enviado ao bispo, sinalizando permissão para continuidade do processo.

Na sequência, um tribunal eclesiástico diocesano será montado para aferir as qualidades, as virtudes e constatar toda a vida do Servo de Deus. Concluído este procedimento, os documentos são encaminhados para o Vaticano, onde inicia-se a fase romana, com a avaliação de relatos de milagres, graças e atos que balizem o título de beato para o Padre Cícero.

 

 

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