A palavra Páscoa deriva do termo em hebraico 'pessach', que significa passagem. Passagem do Egito para uma esperança andarilha rumo à Terra Prometida, da morte para a vida, do pecado para o perdão.
Objetos eucarísticos: âmbula com as partículas que serão consagradas e servidas ao povo, cálice e as galhetas com água e vinho
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Antes mesmo do hábito de comemorar a saída do Egito pelos hebreus, diversas religiões existentes no mundo antigo, chamadas de pagãs, já tinham o costume de festejar, nos fins de março e início de abril, a chegada da primavera no hemisfério norte. E a simbologia desta tradição eram o coelho, representando a fertilidade, e os ovos de galinha, que eram pintados e enterrados. E, para os cristãos, a celebração da Páscoa ganha um sentido concreto com a morte e a ressurreição de Cristo.
Para o historiador e professor Paulo Chitunda, mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no momento em que a prática do cristianismo passa a ser permitida, posteriormente se tornando a religião oficial do Império Romano, a religião absorve o calendário pagão já praticado por todos os povos subjugados por Roma durante várias gerações. Mantiveram-se as datas, para não romper severamente com as tradições, mas se transferiu o sentido da festa. Assim, a festa pagã da fertilidade, em comemoração ao início da colheita na primavera, passa a ser comemorada em lembrança ao sacrifício de Cristo na cruz.
Coisa semelhante acontece com o Natal: o nascimento de Cristo precisava de uma data para ser comemorado. A Igreja, então, substitui a celebração do nascimento de Júpiter, comemorado no dia 25 de dezembro. "É uma incorporação das datas pagãs, mas com o intuito de desfocar do paganismo sem romper com ele de forma brusca. Percebe-se que não é uma questão de apenas manter a essência de um culto original que Cristo instituiu, mas sim uma questão política, porque você não está querendo desagradar as pessoas por completo. Isso passa de geração em geração e, até hoje, as pessoas pensam que Cristo nasceu no dia 25 de dezembro e ressuscitou 40 dias depois do carnaval. Na Páscoa, temos o coelho, que não tem nada a ver com o cristianismo, e sim uma simbologia da fertilidade agrícola", comenta Paulo Chitunda. "Hoje em dia, no capitalismo, essas datas cristãs são um verdadeiro festival para o comércio", completa o historiador.
Vela Círio Pascal que fica acesa durante toda a Quaresma
Segundo o Padre Adriano Araújo, da Paróquia de Santo Antônio, localizada no bairro do Arruda, no Recife, a Páscoa é a celebração central do ano litúrgico, que é diferente do ano civil. O calendário litúrgico começa com a celebração do Domingo do Advento – que é o primeiro dia da preparação para o Natal - e passa por todas as celebrações cristãs, até chegar no último domingo anterior ao início do Advento, com a celebração da missa 'Cristo, o Rei do Universo', quando se inicia o outro ano litúrgico.
Conforme esse calendário, a Igreja se prepara intensamente para a Páscoa durante quarenta dias: é o período da Quaresma, que faz alusão aos quarenta dias em que Cristo foi tentado no deserto, e também aos quarenta anos que o povo de Deus vagou pelo deserto após sair do Egito. "A Quaresma tem duração de cinco semanas, incluindo a Semana Santa, em que a igreja revive intensamente os últimos momentos de Cristo como homem na Terra", confirma o pároco. A Semana Santa começa com o Domingo de Ramos e segue a preparação com os três dias mais próximos, chamado de Tríduo Pascal: a Quinta-feira Santa, a Sexta-feira da Paixão e o Sábado de Aleluia para comemorar, enfim, o Domingo de Páscoa.
Na Quinta-feira Santa é celebrada a Missa do Crisma, que só acontece pela manhã e apenas nas catedrais (no caso de Recife e Olinda, essa missa é celebrada na Catedral da Sé pelo Bispo Dom Fernando Saburido) e é quando os padres e o bispo renovam as suas promessas sacerdotais. Em seguida, os padres voltam para as suas paróquias e, durante a tarde, celebram outra missa, a Missa da Ceia do Senhor, na qual se relembra a instituição da eucaristia por Cristo na Santa Ceia, a instituição do sacerdócio e a instituição do mandamento do amor. É neste momento que acontece o 'lava pés'.
Já na Sexta da Paixão não acontece nenhum ato litúrgico. É o único dia do ano em que não é permitida a celebração de missas. O que pode acontecer, e é opcional, é a reunião em torno da cruz, às três horas da tarde, quando se lê a Bíblia, e, num gesto simbólico, a cruz é beijada.
O Sábado de Aleluia é o dia do silêncio, no qual todos pensaram que Jesus estava morto e a Igreja espera pelo amanhecer do domingo da ressurreição. Então é feita uma missa, que jamais poderá ser feita à tarde, pois a ideia é a da vigília. O horário varia entre as igrejas. Na Paróquia de Santo Antônio, a missa começa à meia-noite e vai até o amanhecer no Domingo de Páscoa.
Padre Adriano na paróquia de Santo Antônio comenta a importância do ritual pascal
É a Missa da Ressurreição, a mais importante, também chamada de Vigília Pascal, quando é feita a retrospectiva de toda a história do povo hebreu, desde a criação até o momento de libertação por Cristo, através da leitura da Bíblia. "Daí a gente celebra a primeira parte, que é também a celebração do Fogo Novo, com a vela Círio Pascal representando o Cristo, e que é uma vela grande e bonita, pintada e que fica acesa desde o Sábado de Aleluia, até o Domingo de Petencostes", afirma o padre Adriano.
No calendário litúrgico, Petencostes é o domingo que marca os 50 dias depois da Ressurreição, em lembrança aos 50 dias que Cristo ficou aparecendo para os discípulos. Passada esta missa, já é manhã do domingo pascal, que é o marco da fé cristã, e, neste dia, acontecem várias missas até a noite.
Nos dias de hoje, no período da Quaresma, não há tantas restrições quanto no passado. Os dias em que não é permitido o consumo excessivo de alimentos, principalmente de carne, são a Quarta-Feira de Cinzas e a Sexta-Feira da Paixão. A intenção da Igreja é a prática do jejum, aconselhável apenas para pessoas maiores de idade que tenham, no máximo, 65 anos. Somente pode tomar a hóstia, inclusive no Domingo de Páscoa, a pessoa que passou por um discipulado, concretizado no batismo e na primeira comunhão, para que possa entender o significado do ato de comungar, antes de praticá-lo.
Para o padre Adriano Araújo, que já foi a Jerusalém e pretende ir mais uma vez ainda este ano, a importância de todo este processo litúrgico está na força do ritualismo praticado pelo próprio Cristo, que comunica mais do que muitas palavras: "Quando vejo os símbolos, não preciso ouvir nenhuma explicação direta, verbalizada, o sinal já fala pra mim por si só. A liturgia católica apostólica romana, e também a oriental, são carregadas de muita simbologia", avalia. "O próprio Jesus falou através de sinais, ele fez gestos simbólicos o tempo todo. Hoje, o círio pascal, o pão, o vinho, a cruz, as cinzas, o fogo, a água, vão ser, pra nós, realidades simbólicas que dizem muito mais do que se simplesmente falássemos", conclui o pároco.
O historiador Paulo Chitunda analisa a Páscoa numa perspectiva histórica
O ato do sacrifício também é muito marcante nas religiões, e, para Paulo Chitunda, tem um grande valor factual diante da história. "Essa coisa de sacrificar o animal puro é muito forte dentro do povo hebreu porque é um povo, sobretudo, pastor. A fonte econômica principal vinha da ovinocultura. Então, é muito representativo que o messias, o salvador desse povo, se apresentasse como cordeiro", explica o historiador, para quem o verdadeiro sentido da Páscoa cristã e judaica está intimamente relacionado ao sangue, que carrega a mais importante simbologia. Sangue do puro, extraído a partir do sacrifício do ser perfeito. Sangue do cordeiro imaculado, que livrou o povo de Deus da última praga no Egito ao ser passado nos umbrais das portas, e que fez, finalmente, o faraó libertá-los ao ver seu primeiro filho morto; sangue de todos os animais puros que serviram de sacrifício para o perdão dos pecados; sangue do único filho de Deus que se apresentou como o próprio cordeiro, puro, que morreu crucificado para o perdão e serviu como último sacrifício para os pecados passados, presentes e futuros. "Quando Deus olha pra gente, não vê o nosso pecado, vê o sangue de seu filho, assim como o anjo da morte, como a última praga do Egito, não entrou nas casas cobertas com o sangue do animal puro", disse o historiador, que é presbiteriano.
O sangue é o que significa a salvação do espírito, o perdão eterno que vem de Deus, mesmo através de sacrifícios. Por isso a liturgia dos festejos cristãos não se baseiam mais no sacrifício de sangue: porque o sangue de Cristo bastou e bastará. "Não podemos prever os atos de Deus, nem entender todas as leis criadas por Ele. Por isso, seguimos em amor, e esse amor é baseado no sacrifício de Cristo e na fé. Essa coisa de que Deus escreve certo por linhas tortas não existe. Ele escreve, apenas. Só que é um Deus imprevisível", afirma o historiador Paulo Chitunda, concluindo: "Os momentos históricos, a sociedade da época, a realidade política, se remodelaram e estruturaram com a morte de Cristo na cruz. A vida do cristão, então, está marcada pelo sacrifício do 'cordeiro'. Tudo na minha vida é inspirado pela entrega de vida de Jesus por mim. Ele sofreu as consequências da culpa do meu pecado, e minha vida está garantida nesse ato de amor. Existe maior amor que este? Adorar a Deus passa por esse pensamento".