Tópicos | Victor Bastos

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Faz exatamente um mês e, naquele momento, o ponteiro do relógio ainda não havia passado das 9h. O calendário marcava 14 de junho de 2013. Com os olhos esbugalhados, o repórter fotográfico Francisco Peixoto me acordou: “levanta, corre... Vamos para o Mané Garrincha, está rolando um protesto lá”. Mesmo que involuntariamente, meio que instintivamente, aquilo chamava atenção de alguma forma. Era estranho. Era atípico. Era a expressão do inacreditável.

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Faltava apenas um dia para a abertura da Copa das Confederações. Véspera de Brasil x Japão, no estádio de um bilhão de reais. Mesmo que sem saber, não era apenas o futebol que estava no caminho. Pela primeira vez escutava algo que se perpetuaria na história do país: “o Gigante acordou”. O Gigante. Sim, com letra maiúscula. Assim como uma instituição. Mas essa não tinha um representante.  Passou de centenas para milhares. Milhões. Multiplicação de pernas, gritos, cartazes, gargantas. Multiplicação de sonhos. Também de bombas, tiros, pedradas, vitórias, derrotas. A pauta, definitivamente, virou.

Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. Não necessariamente nessa ordem. Não apenas as seis cidades-sede da competição. O Brasil pulsou forte. Explodiu forte. O povo ganhou as ruas ou as ruas ganharam o povo?  Parceria que andava apagada no Brasil. Deu certo. Como sempre. Um privilégio viver e contar cada uma dessas tabelas.

Cada um por seu motivo ou razão. Seja ela qual for. Mesmo que seja a causa do “nada”. Era a instigante atmosfera do “basta”! Talvez, justamente por isso, fosse envolvente. Ninguém sabia ao certo porque estava ali ou acolá. Mas, certamente, sabia que deveria estar. Que era essencial naquilo.

Mas e o crachá no peito? Estampar o emblema da Fifa ofendia. E as máscaras dos ativistas? E as fardas sem identificação dos policiais? Manifestantes, populares, policiais, jornalistas. Intimidam. Incomodam. Cada um com sua postura e peculiaridades. Relação indecifrável. Misteriosa e perigosa. Convívio perigoso. Um tiro de bala de borracha machuca. Spray de pimenta arde. Gás lacrimogêneo rouba o precioso ar. Mas existem ações que não debulham o corpo, mas lanceiam a honra.

Ironicamente, no dia que presenciei a postura mais exemplar (e preparada) da Polícia Militar, em Fortaleza, quando evitaram o confronto contra os ativistas diversas vezes, fui ameaçado por um soldado da Força Nacional. O cano daquele fuzil apontado para as pernas e os gritos de bravata machucaram. Era o reflexo do incômodo desse convívio perigoso entre as três partes. A partir dali, já com a ação da Força Nacional, começava mais um desnecessário conflito. Esse sem testemunhas usando crachá. Assim como tantos outros desse período, apenas com máscaras e fardas sem identificação.

Convivo com a certeza que o poder público nunca se arrependeu tanto. 20 centavos nunca custaram tão caro. Convivo com a certeza que os homens de paletó viveram, mesmo que por algumas semanas, um desespero ímpar. Ficaram incomodados. Era o desespero do possível adeus da vida pão e circo. “A terra do humor fala sério”, chorava um cartaz também na capital cearense.

O Brasil ganhou a Copa das Confederações, antes mesmo de Fred, deitado no chão, marcar aquele gol. Antes mesmo de David Luiz (incrível e também gingante) salvar aquele gol. Antes mesmo de Felipão, exalando patriotismo, mandar um jornalista inglês olhar os problemas do país dele.

A Copa das Confederações acabou e o Gigante adormeceu novamente. Porém, deixou o recado. O lençol encobrindo a cabeça e deixando os pés nus incomoda. Não deve demorar muito para atacar (e ser atacado) novamente. Algumas coisas mudaram. Outras não. Faz parte. Existiu um legado, é inegável.

A pauta virou. Acrescentei alguns quilômetros nas canelas. Senti orgulho e medo. À minha memória peço, com complacência, que nunca esqueça desse período. O coração, esse sim, já fez um voto de eternidade. Faz exatamente um mês que acordar cedo, uma das coisas que mais expurgo, mudou minha vida.

Gigante, um grande abraço e até 2014,

Victor Bastos 

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