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Quem odeia os Estados Unidos?

Cristiano Ramos, | seg, 12/09/2011 - 08:55
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Nas segundas-feiras, a coluna Redor da Prosa traz crônicas, que não devem ser lidas por gente séria demais, sob hipótese alguma.

Todo sujeito que odeia os Estados Unidos é como aquele bêbado chato, que sempre termina a noite reclamando da mesma coisa, seja do chefe chato ou da ex-namorada, do irmão que é o preferido em casa ou da programação da Globo. Não tem novidade, os argumentos são os mesmos, noite após noite, grade depois de grade. Mas, nos fins de 2001, encontrei um bem original.

Professor da UFPE naquele tempo (agora é aposentado), ele se sentou à mesa onde eu comia alguma besteira, apresentou-se com jeito de quem ensaiou a fala, disse que acompanhava o programa de TV que eu apresentava e sugeriu uma pauta. Diferente do que eu suspeitei no começo do papo, tinha nada com o atentado às Torres Gêmeas.

– Gibis! Ninguém se dá conta, mas os americanos vêm utilizando os gibis há tempos, são sua principal arma imperialista, porque nos pegam desarmados, desavisados, e fazem a cabeça das nossas crianças.

“Verdade”, eu respondi. Tenho esse péssimo cacoete, quando não estou interessado no papo, fico repetindo “verdade, verdade”. Ou seja, ao invés de uma fala que desestimule, eu incentivo ainda mais o cidadão. Esse foi o caso do paranóico professor, ele anoiteceu naquela teoria da conspiração, sem que eu pudesse fugir, porque esperava uma estagiária da TV ali, para lhe dar carona, e ela sequer tinha celular (é, faz tempo).

– Nossos pequenos brincam de mocinho e bandido americanos, não se interessam pela cultura de outros países, não assistem às aulas!

– Verdade.

–Mesmo quando o personagem é estudante, como o Peter Parker, termina cabulando aula. Como se prender um batedor de carteira fosse mais importante do que ter conhecimento. Ora, aquele ladrãozinho nem existiria, nem precisaria ser vencido pelo Homem-Aranha, se tivesse estudado.

– Verdade.

– Você já viu herói de gibi americano lendo um livro? Depois ainda querem dizer que esse tipo de revista é uma boa entrada no mundo da leitura. É como pensar que comprar álbum de figurinha da Copa do Mundo sirva para o menino sonhar em ser presidente de clube de futebol.

“Heim?”, pensei, começando realmente a me assustar. Porém, após estudar o que dizer, soltei:

– Verdade.

– É como imaginar que jogo de quebra-cabeças é convite à filosofia!

– Verdade (“Meu Deus!”).

– Que brincar de Lego instigue o moleque a ser arquiteto quando crescer!

– Verda... Ei, professor! E se eu disser que brincava de Lego e achava sim que seria legal construir prédios?

– Certo. Mas construiu algum? Ou virou cartola de seu clube? Tornou-se filósofo? Ou um grande leitor? – epa!

– Por que o senhor acha que não sou um grande leitor? Jornalistas, até os apresentadores de TV, também leem, professor.

– Cristiano... É verdade.

– E também fui leitor de gibis, muito, mas não me transformei em um bitolado.

– Verdade.

Lembrei daquele senhor antiamericano por dois motivos: os dez anos do atentado de 11 de setembro tomando conta da mídia durante a semana inteira, e um aluno meu, que estava reclamando porque já era domingo. “Veja o lado bom, amanhã teremos aula”, brinquei. E ele respondeu: “É verdade”.

Sempre gostei de ler crônicas por isso, mesmo assuntos banais, lembranças corriqueiras e aparentemente insignificantes como a paranóia daquela professor, podem dar um bom texto. Como este.

– Verdade.

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