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Da arte de conviver com escritores I – os cabotinos

Cristiano Ramos, | seg, 11/06/2012 - 17:41
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Amigo Sidney Rocha repete o conselho: Dê menos atenção aos geniosos, escreva sobre os geniais! Não ouso discordar. Mas que os geniosos têm um charme especial, isso têm. É um charme que cansa, vale só por um dia ou dois, nem por isso deixa de merecer registro. De cabotinos, por exemplo, todos guardam alguma história.

Publicaram-me em livro uma crônica sobre rapaz que encontrei no banco, junto ao caixa, que jurava de pés juntinhos ter escrito uma obra-prima. Mas nada demais, nem chegou perto do Cabotino da Jaqueira. Este, o do bairro da Jaqueira e adjacências, parecia adivinhar a hora de minhas caminhadas (prefiro crer que era somente isso, adivinhação). Ele emparelhava comigo e, sempre, sem maiores ou menores constrangimentos, soltava o aviso: “Você ainda vai ouvir falar muito de mim”!  

Primeira vez, tive medo. Aquele vaticínio podia servir para qualquer coisa, principalmente as que puxam cadeia. Aquele senhor, no entanto, que fazia jogging com sapatos mocassins e meias sociais, fazia parte da família dos cabotinos. Na espécie escritores, esse ramo é vasto, variado e vigilante, não deixa escapar oportunidade de divulgar suas excelsas qualidades narrativas ou poéticas.

O Cabotino da Jaqueira era chato, muito, quase insuperável. Mas tinha seus momentos. Um deles era quando repetia que, quando vencer o Jabuti, não irá receber, mandará um índio pankararu, pois assim serão duas tapas no sistema:

– Como romancista dos marginalizados, lembrarei que no país de Lula nem tudo é peixe gordo, que tem gente ainda desprovida de seus direitos históricos. Como escritor independente, realizarei meu protesto contra o mercado editorial e seus prêmios de encomenda.

Esse Marlon Brando das letras faz tempo que não aparece em minhas caminhadas. De repente, desistiu de me cooptar para seu fã clube, e agora faço parte do sistema que não lhe dá o justo reconhecimento.

Nas redes sociais, existem dezenas de cabotinos. Alguns são bem conhecidos. De três em três dias (ou duas em duas horas), publicam imagens das capas de seus livros, legendadas com inesgotável acervo de elogios aos seus próprios e indiscutíveis dotes literários.

Um deles, que publicou romance histórico, é do tipo Moisés, não cansa de propalar que escreveu um “divisor de águas, que devolverá Pernambuco ao mapa dos grandes autores”. Estão duvidando? Então fiquem de olho nas minhas redes sociais. Ele está por lá, todo ancho, esperando pipocos dos fogos de artifício que celebrarão sua chegada ao Panteão!

Eles seriam até engraçados, cativantes, se fossem apenas pitorescos. Aporrinhação, contudo, é que muitos cobram espaço seriamente, são grosseiros, acusam você de ser uma das carrancas do sistema, sempre tentando afugentar os grandes escritores que surgem. Um deles é cordelista, e suspeito que também sofre de esquizofrenia, pois escuta vozes, rebate críticas que você não fez, defende-se de ofensas que você não disse (ainda que ele merecesse). E deve ter parte com o demo, porque quando você tenta lembrar quem ele é, quando foi desrespeitado, logo vem a resposta: “Nós somos muitos”! Ou esse doido se refere aos cordelistas, que supostamente seriam perseguidos pelos críticos literários e pela mídia, ou Àquele-que-fede-a-enxofre-e-chega-na-desgraça! Seja lá como for, resolvi excluir de minha rede social.

O mais recente cabotino foi sutil, enviou mensagem com a pergunta: “Quando você vai escrever sobre mim na sua coluna”? Perguntou de forma tão delicada, próxima, íntima mesmo (apesar de eu nunca tê-lo visto nesta e nas anteriores vidas), e às vésperas do Dia dos Namorados, que não resisti...

Eis sua coluna, meu querido! E não reclame, porque toda forma de amor vale a pena.

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