Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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A Impontualidade

Gustavo Krause, | sab, 21/12/2013 - 17:29
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O cara está sempre atrasado. Aliás, o Brasil está atrasado. A propósito, a impontualidade é paixão ou mania nacional? É cul-tu-ral, responderão os sábios. Cultural é a vovozinha! No mínimo, é falta de educação e desrespeito às pessoas. Voltarei ao tema das “causas”.

Mais urgente é alertar as vítimas da impontualidade para o verbete que o impontual, o atrasado (usarei sem distinção) lançam mão para justificar a completa falta de compromisso com o horário:

1. Foi o trânsito. Mentirinha cansada de guerra, eventualmente salva pela “guerra dos protestos”.  O caos na mobilidade urbana afeta nervos, produtividade geral de uma nação, polui, esculhamba tudo, mata gente (esta semana, por duas vezes, ia sendo atropelado por motos velozes e furiosas transitando pela calçada. Atenção nobres autoridades, costumo andar a pé!) e compromete os negócios. Basta dizer que um amigo, empresário organizado, sério, trabalhador, me mostrou uma conta impressionante: somou as horas que passa no trânsito e o resultado foi o equivalente a um mês entalando e entalado nas ruas. O jeito é sair mais cedo de casa. Aliás, cada dia mais cedo, menos sono, menos qualidade de vida. O que não é correto é chegar atrasado.

2. Já, já ou logo... Significa nunca porque quando o impontual chega ao compromisso, a reunião acabou.

3. Um minutinho... Uma eternidade. Senta, amigo, e espera porque não se trata de sessenta segundos.

4. Entrego no máximo... A lambança já estava feita. Trata-se de uma prorrogação sempre prorrogável.

5. Sem falta...Irmã gêmea da anterior. Mas muito usada quando a espera não é mais suportável.

6. Veja bem... A espera chegou ao limite. Faz parte do dialeto de concessionária, de oficinas autorizadas e similares, diante do consumidor a um passo do Procon. Segue o “veja bem” a desculpa esfarrapada. Não se deixe vencer pelo cansaço. Vá à luta. Justiça neles e boca no trombone.

7. Verbos no gerúndio... Muito comum na gestão pública. Muito usado pelo burocrata perverso. Engana o chefe, o contribuinte, a sociedade. Fazendo, concluindo, andando é o disfarce da preguiça, do descompromisso e da promessa de campanha indo (gerúndio) para o vinagre.

Leitoras e leitores (exigência do insuportável politicamente correto que traz saudade do neutro latino), agora vamos explorar as razões da impontualidade.

Trata-se de um traço comum aos países subdesenvolvidos. Em 2003 o Equador criou um programa a “hora equatoriana” para combater a impontualidade. No Peru, o presidente Alan Garcia criou uma campanha, em 2007, “A hora sem demora” por conta dos prejuízos econômicos decorrentes da impontualidade.

De fato, a existência de cidadãos de primeira, segunda, terceira classe e uma multidão de excluídos geram odiosa hierarquia onde a autoridade ou o mais poderoso se sentem donos do outro e do seu tempo. Mais que incivilidade e efeitos da sub-cidadania, é uma resistente herança da obra da escravidão. A única coisa que o sujeito tem é o dia e a noite, ou seja, o tempo. Pois bem a impontualidade coloca o tempo no rol das coisas materiais das quais somos meros e passageiros depositários.

E aí tome chá de cadeira. Fazer-se esperar revela uma idiota, porém, real importância social.

E os eventos? Seminários, palestras, shows, etc... todos têm, convencional e injustificadamente, um “atraso regulamentar” que varia de 15 a 30 minutos. Chegou no horário? Pois bem, será desrespeitado. Casamento? Só há um jeito: o padre (ou o celebrante de qualquer religião) se mandar. Um abuso. E há quem ache que é IN ou CHIQUE. Um registro oportuno: existem nações que olham o impontual como um ladrão do tempo alheio.

Ser pontual não é virtude. É o simples cumprimento de obrigação assumida na hora aprazada. Nada de neurose, nem ansiedade. A pontualidade simplesmente permite o uso do tempo de modo que ele não se torne escasso nem prive as pessoas da liberdade de fazer escolhas. Há tempo para tudo desde que dele se faça bom uso.

E quando alguém, em tom de jocosa censura, indagar a por quê você está saindo muito cedo para um compromisso, responda como o dono de uma bodega na Torre, seu Mané Serapião respondeu à mulher, com o jeitão de matuto, casca grossa por fora e espírito de fineza por dentro: “E eu vou esperar que fique tarde?” 

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