Não é erro de digitação: é a junção de duas palavras que, sem a pretensão de gerar neologismo, tem o propósito de fazer o contraponto com o melodrama.
Falar em contraponto importa admitir o significado negativo de uma proposta estética à manifestação artística – o melodrama – que foge, inclusive, à origem etimológica grega da palavra que é a junção de música somada à ação dramática.
No intuito de sensibilizar plateias cada vez mais numerosas, o melodramático assumiu um estilo da mensagem hiperbólica, interpretações exageradas e produção de efeitos grandiloquentes cujo apelo tocasse nas profundezas do sentimentalismo das massas. Assim foi no teatro, na ópera, nos folhetins novelescos, no circo (a figura do palhaço é um exemplo) e no cinema.
Muitas vezes, é tênue o limite entre o melodrama e o que chamo de belodrama, um recurso arbitrário de preferência e sensibilidade pessoal que utilizei para etiquetar o filme “Seis sessões”.
Para mim, ir ao cinema já é uma fonte de emoções nostálgicas. A propósito, revivo, entre gratas lembranças, o desenho urbano do Recife que possibilitava, no exercício da cultura de vizinhança horizontal, solidária e fraterna, o espaço de convivência dos cinemas de bairros.
Dependendo do filme, floridas emoções vicejam na pele já sem a fertilidade de outros tempos. À extensa lista de filmes que estão gravados na minha lembrança, não tenho dúvida em incluir mais um: “Seis sessões”.
Embora a produção cinematográfica seja um todo complexo que envolve técnica, fotografia, trilha musical, figurino, maquiagem compondo a sétima arte, dois elementos constitutivos da criação artística, em especial, mexem comigo: o tema-enredo e o desempenho dos atores quando o refinamento da sutileza e a ternura da delicadeza fazem, de um modo geral, a diferença dos gestos e dos atributos humanos.
Em “Seis sessões”, o enredo é baseado na história do jornalista Mark O’Brien, (John Hawkes) a partir do artigo que escreveu para o The Sun. Vítima de poliomielite, Mark, desde os oito anos, ficou paralisado da cabeça para baixo, sobrevivendo com a ajuda de um pulmão de aço. Aos trinta e oito anos, Mark, poeta e jornalista, que escrevia com a boca amparada pela moderna tecnologia digital, resolveu experimentar o prazer sexual, libertando-se da pena capital de uma existência virgem.
A partir de então, Mark recorreu (com perdão dos profissionais da área) uma terapeuta sexual, Cheryl (Helen Hunt), não sem antes buscar no padre Brendan (William Macy) o suporte moral, filosófico, teológico, ou qualquer outro nome que se queira dar, para adotar uma decisão que confrontaria o destino incapacitante, quem sabe, por força de uma Vontade Superior.
Com efeito, os ingredientes do filme a serem explorados estavam postos: a deficiência adquirida, o desejo da sexualidade aflorada, o conflito entre o pecado da luxúria e a virtude castidade, as cenas que poderiam cair na vala da banalidade do amor impossível ou no fecundo terreno do generoso afeto.
O padre caminha pelo equilíbrio, iluminado pelo bom senso; o notável desempenho da terapeuta manifesta sua grandeza ao definir o seu papel com firme objetividade, aparentemente fronteiriço ao de uma prostituta e, na última das seis sessões, ela e o paciente chegam ao orgasmo simultâneo, previamente combinado, com cenas que inspiram na plateia o sentimento de respeito ao que tradicionalmente é guardado pelo segredo de quatro paredes. Cheryl, judia convertida, profissional exemplar, chega a amolecer o coração; resiste e segue sua vida ajudando pacientes a atravessar as fronteiras do impossível.
Mark fala mais com os olhos do que com a boca. E o olhar diz tudo quando segreda a enfermeira que cuidou dele num grave incidente com o respirador artificial: “não sou virgem”. Uma sutil proposta. Com ela vive até aos quarenta e oito anos. A narrativa do filme é simples, atraente e pedagógica. Como síntese da admirável combinação entre sutileza, delicadeza e leveza dos diálogos merece destaque a frase de Mark O’Brien: “Acredito num Deus com senso de humor. Para mim seria intolerável que não se pudesse clamar por isto”.