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Popularizada com o nome de ‘tatuagem’, a técnica de marcar o corpo com desenhos e símbolos, entre outros elementos, é uma prática que acompanha toda a história da humanidade. Presente nas mais diferentes culturas e tradições, desde os tempos antes de Cristo, esse tipo de modificação corporal transcendeu limites políticos e sociais e hoje está inserida nas mais diversas esferas da sociedade, desde as camadas mais pobres às mais abastadas. 

Porém, apesar de popularizada e aceita socialmente enquanto expressão artística na maioria dos espaços hoje em dia, a tatuagem continua esbarrando em alguns padrões coloniais e eurocêntricos que acabam por limitar seu acesso à determinada parte da população. Para as pessoas pretas, a decisão de marcar o próprio corpo com uma tatuagem vai muito além da vontade do indivíduo de tatuar-se, passando por aspectos como raça, racismo e branquitude, preceitos que ainda costumam dinamizar diferentes práticas no nosso cotidiano.  

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A falta de representatividade e informação sobre tatuagem em peles pretas começa na pouca ou nenhuma ocorrência de pessoas negras nos feeds de tatuadores, sites e revistas do segmento, e segue por um caminho de (pré)conceitos estabelecidos pelo senso comum que pregam a ideia de que tattoos só ficam bonitas em peles brancas e claras. Para o tatuador pernambucano Anderson Lopes, também um homem preto, isso não passa de uma ideia racista e preconceituosa: “Tatuagem é para todo mundo.”, afirma durante entrevista ao LeiaJá.

Anderson tatua há uma década e tem como especialidades os estilos fineline e o realismo. Em seu estúdio, localizado no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, ele procura atuar não só como tatuador, mas também como agente multiplicador de informação, aliando ao trabalho com as tintas e agulhas a função de esclarecer dúvidas e desconstruir mitos. “Tatuagem em pele negra fica bom sim, mas a falta de conhecimento das pessoas e a falta da escolha de um bom profissional acaba atrapalhando”.

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O tatuador costuma compartilhar seus trabalhos em peles pretas pelas redes sociais a fim de que esse público se veja representado. Além disso, ele também faz publicações informativas desmistificando o preconceito e dando dicas de cuidados antes e pós-tatuagem que ajudam a garantir o sucesso da tattoo. Segundo o profissional, não há grandes diferenças entre tatuar uma pele branca e uma pele preta, muito embora elas possam comportar-se de maneiras distintas na hora de receber os pigmentos. 

O resultado da tatuagem na pele preta vai depender de alguns fatores como a escolha de um profissional capacitado, que faça uso de tintas de qualidade e equipamentos seguros, além de outros, como por exemplo, o estudo da pigmentação da tinta, do local do corpo onde o desenho será feito e do sombreamento. “A tinta (quando entra) vai pra melanina e fica abaixo dessa camada, que é como se fosse uma película, então, quanto mais melanina mais escura a cor do pigmento fica. Em peles muito escuras os tons acabam não ficando muito destacados mas isso não quer dizer que você não pode ser tatuado. Eu indico tons sombreados. Com um estilo de cor sombreado você consegue deixar uma tatuagem boa.”, explica Lopes.  

Cortesia

Já em relação aos cuidados pós-tattoo, esses são os mesmos para qualquer tipo de pele. É importante se proteger do sol, evitar banhos de piscina e mar, e manter a região bem hidratada até que ocorra a cicatrização. “A tatuagem é um ferimento, então, é necessário cuidar, passar uma pomada, hidratar, beber bastante água. Depois que cicatrizar, basta usar protetor solar, hidratante, ela vai ficar sempre viva e bonita”, ensina o tatuador. 

Tatto para todos

A luta pelo fim do racismo no mundo da tatuagem vem ganhando adeptos em todo o país há algum tempo. Nas redes sociais, é possível encontrar perfis de profissionais especializados em pele preta que, além de compartilharem suas artes, também disseminam conhecimento formando uma rede colaborativa e informativa. Perfis como o @pretosas - que mapeia tatuadoras mulheres e indígenas pelo Brasil -, e o do tatuador aposentado soteropolitano Finho, criador do projeto #pelepretatatuada, somam forças aos de profissionais como o pernambucano Anderson Lopes na luta pela descolonização das práticas da tatuagem no país. 

Uma das integrantes da equipe do estúdio de Anderson, a body piercer Carla Moana, complementa a discussão apontando a falta de referências no segmento: “Precisamos destruir essa cultura. Sobretudo aqui no Nordeste, as pessoas aqui não têm a pele clara como as que moram na Europa. É importante trazer essas informações para essas pessoas que têm tanto medo de se tatuar”. 

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A profissional lembra ainda que, para além do apelo estético das tattoos, essas também funcionam como ferramenta de autoestima, pertencimento e afirmação. Sentimentos que não podem nem devem ser limitados a determinada parcela da população, sobretudo em virtude de sua raça e cor de pele. “É uma questão estrutural. Esse racismo que sempre coloca que o negro é menor, que ele não pode ... Precisamos trazer essas informações pra mostrar que essas ideias são pura maldade”. 





 

Os acordes do violino indicam uma peça famosa daqueles compositores antigos dos quais não conseguimos lembrar os nomes. O som clássico invade o ambiente mas esbarra em um outro ‘barulho’: um ruído de motor que mais parece daqueles instrumentos de dentista, porém, na verdade, vem de uma máquina de tatuar. A união de tais sons pode parecer inusitada, mas já é comum em um estúdio de tatuagem localizado no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, o Ateliê do Rasta. Em uma fusão de culturas, o lugar acaba reunindo diferentes artes com o objetivo de promover o bem estar e diversão dos clientes. 

A experiência de colocar a música erudita em meio ao ambiente da tatuagem começou muito por acaso. O violinista, Eduardo Azevedo de Andrade, de 26 anos, decidiu fazer uma visita ao amigo Anderson Lopes de Souza, o Rasta, tatuador e proprietário do estúdio, e levou consigo seu fiel escudeiro: o violino, instrumento que ele toca há cerca de quatro anos. Os dois foram muito bem recebidos no local e em retribuição, Eduardo mostrou um pouco da sua música. 

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A visita voltou a se repetir e começou a agradar aos clientes do estúdio. Para o Rasta, que diz “não funcionar” sem música, a presença do amigo violinista tem tudo a ver com o que ele sonhou para seu ateliê de tatuagem. “Eu sempre tive essa pegada diferencial, eu quero que aqui  seja um estúdio de arte e como tenho muitos amigos artistas, eu acho massa essas conexões”, disse em entrevista ao LeiaJá. 

Segundo o tatuador, os clientes adoram acompanhar a música ao vivo durante as sessões de tatuagem e já tem gente procurando marcar horários durante as visitas de Eduardo, para prestigiar suas apresentações. “Quando as pessoas pensam: ‘vou fazer uma tatto’; já imaginam um cara bem ignorante, rolando uns rocks pesados, umas paradas pesadas, e aqui a gente tá tentando mostrar arte. O Dudu toca muito bem e é bom pra tranquilizar (os clientes), criar aquela vibe suave", diz Anderson.

Para Eduardo, dividir o som de seu violino com o ruído da máquina de tatuar tem sido uma experiência a mais em sua carreira como artista de rua. Habituado a tocar em espaços públicos, como o metrô, o músico comemora a boa recepção dos tatuados à sua música. “Eu vejo como um espaço onde eu posso mostrar minha arte e posso tá oferecendo essa possibilidade de também mudar o ambiente onde Anderson trabalha. É bem diferente, sempre que posso levar a arte com o violino pra algum lugar, eu levo. Às vezes você não tem noção do quanto aquilo causa de impacto em volta”.

O jovem músico tem no repertório desde as peças clássicas até sucessos da música popular brasileira e garante que aceita pedidos. Durante o Carnaval de 2021, ano em que a festa não ocorreu por conta da pandemia do coronavírus, ele brindou os clientes do ateliê com frevos e marchinhas, por exemplo. Todas as ‘apresentações-visita’ são compartilhadas pelo Instagram do ateliê e a repercussão tem sido gratificante para ambos os profissionais, de acordo com eles.

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Sendo assim, Eduardo garante que as visitas ao amigo tatuador e seus clientes continuarão, assim como sua vontade de romper os limites da arte e levar seus acordes para todos os lugares. “Quando as coisas voltarem mais ao normal, eu penso em voltar pra rua (para tocar). Meu plano é viver disso. Eu continuo minha insistência na música por gostar muito, claro que tem uma questão financeira, mas o que me motiva mais é a coisa de gostar muito, então, pretendo seguir carreira”. 

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