O fim de semana é o momento mais aguardado por quem deseja um lazer em família e muito descanso. No entanto, existem pessoas que aproveitam esses dias para trabalhar. “Eu vivia no interior com os meus pais e a vida lá era muito sofrida, então eu sempre trabalhei na casa das pessoas para ganhar uns trocados. Hoje, trabalho geralmente no sábado e no domingo porque não tem ninguém para ficar com o meu filho”, conta Juliana Maria da Silva, uma jovem de 26 anos, que trabalha como diarista para complementar as despesas de casa.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de dezembro de 2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 40,8% das pessoas de 14 anos ou mais ocupadas estão no mercado informal. Em Pernambuco esse número é ainda maior, chegando aos 52% e a área em que mais se concentra esse tipo de mão de obra é o serviço doméstico, com 70,1% dos trabalhadores atuando, por exemplo como diaristas e babás.
##RECOMENDA##Outro ponto mostrado na pesquisa é em relação à escolaridade dessas pessoas. Mais da metade de quem vive de "bicos", como muitos chamam, tem nível fundamental incompleto e 49% terminou o antigo primeiro grau, mas por algum motivo eses trabalhadores desistiram do ensino médio. “Eu cheguei a terminar os estudos, mas nunca levei adiante. Cheguei até fazer um curso de informática e fui monitora, mas não fui até o fim”, explica a jovem diarista, que sonha com um futuro mais positivo. “Eu sou feliz, porém quero sim daqui para frente buscar algo para minha melhoria”.
Popularmente, fazer um bico é realizar serviços para garantir uma renda. Não é algo certificado ou que resguarde direito aos trabalhadores. “Você tem de tudo. Tem aquela pessoa que é pedreiro, tem aquela que está fazendo um bolo para botar para vender no final de semana, quem está fazendo quentinha, tem gente em todos os segmentos. A gente viu que com a crise aumentou muito o número desses trabalhadores, muita gente que perdeu o emprego. Muitos voltaram sem carteira e muitos foram trabalhar por conta própria”, explica a técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Andreia Lameiras.
Sobretudo no Nordeste, os homens são maioria nos serviços domésticos - segmento que reúne o maior percentual de trabalhadores (70,1%) -. Vagas na construção civil e na agropecuária ocupam o segundo e terceiro lugares, respectivamente, nos números de pessoas ocupadas informalmente, com 68,5% e 62,7%. Esse é o caso de Claudemir Freitas, que durante mais de 20 anos trabalhou como porteiro, vigilante, operador de máquina e em diversos outros serviços, mas agora ocupa seus dias em obras residenciais. “O que tiver de fazer a gente faz. O negócio é ganhar o pão”, conta.
Em meio à crise que assola o Brasil há alguns anos, a área da construção civil também foi afetada. As pessoas passaram a economizar e deixar a manutenção das casas para um segundo plano. Para não ficar sem ter o que fazer, Claudemir se adaptou ao momento. “A gente é feito formiga, tem que trabalhar no verão para garantir o inverno. Quando falta serviço não fica muito bom. Hoje em dia a situação não está fácil, nem para mim e nem para ninguém, a gente procura agradar, trabalhar para ajudar, mas não dá para passar necessidade não”.
Mesmo enfrentando algumas intempestividades, o pedreiro, que é especializado em fazer acabamentos, fala com satisfação do trabalho que tem hoje. “Gosto do que eu faço. Acho tão bonito a gente pegar uma casa e entregar ela bem bonita, ser elogiado, dão indicação da gente para os outros. Procuramos fazer o melhor possível”, diz. Claudemir que sempre está na companhia de Paulo Manoel, seu companheiro na hora de construir e reformar os lares dos clientes.
Paulo tinha a carteira assinada, mas há quatro anos se viu desempregado. “Já trabalhei em carga e descarga, operador de produção e hoje como pedreiro. A gente tem que trabalhar com prazer e gostar daquilo que faz. Se não é melhor nem sair de casa. O mais importante é a satisfação do cliente”, afirma.
Paulo faz parte da estatística de quem está fazendo algo para garantir o sustento da família, mas que aguarda uma oportunidade para voltar à formalidade. “Eu tenho uns 20 anos de carteira, aí fiquei parado. Agora só sou pedreiro. Dá para me manter. Não dá para enricar, mas dá para viver. Eu gostaria de voltar a ter carteira assinada porque você tem todo assegurado”, ressalta.
Para o economista Rafael Ramos, os trabalhos informais são muito importantes para a economia, mesmo que não desejáveis quando comparado com os formais. “A população precisa receber uma renda para poder consumir os bens, principalmente os de necessidades básicas, como alimentação, muitas vezes só conseguindo a vaga pela informalidade. Então mesmo que seja um perfil com praticamente nenhum direito trabalhista, é algo desejável quando não se consegue empregos com registro em carteira, principalmente em momentos de crise econômica acentuada, pois acaba comprimindo o setor produtivo e fechando muitos estabelecimentos. Para muitas famílias é a única forma de voltar a ter renda e a de se amenizar as dificuldades criadas”, explica.
Liberdade
Reuter Vieira tem 45 anos e desde os 18 recorre ao que sabe fazer para fugir da desocupação. “Sempre trabalhei muito, mas quando as coisas apertavam meus familiares ajudavam”, diz. Reuter é o tipo de profissional que vai se adaptando e aproveitando as oportunidades que aparecem no caminho. Passou 20 anos atuando em áreas ligadas à segurança eletrônica, instalando câmeras, portões, motores e cercas elétricas. Mas a dinamicidade fez com que também trabalhasse no desmanche de navios para venda de peças. “Desmanchava ele todo, tudo que fosse de ferro velho. Depois saí e voltei para área de segurança eletrônica, e depois fui fazer Uber”, conta.
Um dos motivos alegados por Reuter para viver de trabalhos informais é gostar de ser ‘livre’. Ele aproveita o que lhe aparece e desenvolve bem, virando referência na hora que aparece uma nova chance. Quando estava atuando como motorista de aplicativo encontrou um amigo que lhe chamou para voltar à área de ferro velho. “Não gosto de trabalhar preso em um só lugar. Hoje eu estou fazendo móveis de paletes na área de marcenaria”, concluiu o trabalhador.
Consumo X Informalidade
Nos últimos 3 anos, Pernambuco tem tido saldo negativo na geração de postos de trabalho. Só nos três primeiros meses deste ano foram 20 mil vagas fechadas. São 729 mil pessoas trabalhando na informalidade, fazendo com que muitos cidadãos busquem alternativas para ganhar dinheiro.
“O rendimento médio para um pessoa com carteira no setor privado no último trimestre de 2018 foi de R$ 1.693,00, enquanto que para o trabalhador sem carteira ficou em R$ 877,00. É importante destacar que o saldo negativo no início do ano em Pernambuco é influenciado pelo fim do período de produção das atividades ligadas à cana-de-açúcar, que por questões de safra tem a redução das pessoas ocupadas em fevereiro e março”, afirma o economista Rafael Ramos.
Para a técnica de Planejamento do Ipea Maria Andreia Lameiras, a economia padece com o quadro de falta de oportunidades no Brasil, já que enquanto aumenta a quantidade de pessoas vivendo de bicos, diminui o número de gente disposta a gastar. “Como esse movimento é fruto de uma recessão, ele não é um dado positivo, porque quando você está na informalidade não consegue projetar decisões de consumo, você não sabe ao certo sua renda no mês seguinte e isso faz com que as pessoas acabem segurando o seu consumo, evitando tomar decisões de gastos a longo prazo. E se você segura o consumo o que acontece? Se eu não consumo a indústria não tem como produzir, vai produzir para quem comprar? E se a empresa não produz, ela também não contrata novos trabalhadores, ela não investe e aí eu tenho uma economia que continua patinante. O aumento da informalidade acaba segurando o consumo das famílias”.