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 Se discute muito nos meios culturais o significado do trabalho autoral no cinema, e até que ponto a marca do diretor deve se curvar em relação à história contada - devido às necessidades dramáticas e a capacidade de uma obra de ser vendável dentro de um sistema de estúdios. Quentin Tarantino aparentemente conseguiu a proeza de unir todas estas características em Django Livre (Django Unchained). É um filme onde reconhecemos o mesmo realizador que nos deu a violência quase cartunesca de Kill Bill, os diálogos cheios de espírito de Jackie Brown, aliados a potência narrativa e dramática de Bastardos Inglórios. Novamente temos as multiplas referências de um diretor que construiu uma carreira em cima de homenagens aos gêneros que amou enquanto crescia: os filmes de ação dos anos 80, os filmes B de artes marciais vindos da china com péssimas dublagens e o drama de guerra.

Desta vez, o que temos é um roteiro original que reconstrói os trabalhos do chamado Faroeste Italiano, que imortalizou diretores como Sérgio Leone. O Western é o gênero de cinema americano por definição, que ajudou a levar a indústria de Hollywood para o patamar estelar que possui, hoje, e que ajudou a legitimar a visão higiência do herói e do uso liberal da violência como resolução de problemas. É muito curioso assistir a este filme depois de ver, na semana anterior, o tétrico Jack Reacher. Ambos possuem soluções similares para seus personagens, mas Django é um filme humano e relacionável. Aceitamos melhor a necessidade de resolver as coisas na base do chumbo voador.

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    Tarantino liga esse faroeste consagrado com outro que têm defensores ferrenhos, porém muito contestadores socialmente:a Blaxsploitation americana. A união de black (negro) e exploitation (exploração), é um gênero de cinema originamente marginal que procurava enfrentar o olhar cinematográfico eminentemente branco da indústria. Além disso, dramas sobre a relação entre raças e a visão do negro americano sobre sí mesmo e sobre os outros, são abordados no filme. Foi uma aposta perigosa de Tarantino, trazendo temas delicados como a escravidão e o papel do negro na formação dos EUA, algo que foi relegado ao segundo plano nas produções clássicas dos gêneros americanos, e em particular no faroeste.

Embora possua o mesmo nome de um Western que teve o ator Franco Nero como seu protagonista branco de olhos azuis, Django Livre (no qual o próprio Franco faz uma aparição) é uma história original numa safra de cinema que tem os roteiros adaptados e os remakes como matéria prima. Django (Jamie Foxx, muito à vontade no papel) é um negro escravo, que é libertado pelo 'dentista' e caçador de recompensas King Schultz (Christoph Waltz). Waltz repete sua interpretação que lhe valeu um Oscar pelo coronel Landa em Bastardos Inglórios, e continua igualmente interessante nesta segunda vez. A dupla se une num acordo: Se Django ajudar o Schultz a capturar os irmãos Brittle, três criminosos procurados pela lei e que realmente não prestam, o Doutor ajudará o escravo liberto a encontrar sua esposa. Brunhilda (Kerry Washington), a força motriz de Django, e um personagem bem pobre, se encontra presa na maior e mais opressiva fazenda do mississipi. Candyland é governada por Monsieur Candy (Leonardo DiCaprio, brilhante como vilão) e pelo maquiavélico e idoso Stephen.

Visualmente, Django Livre é uma produção sólida. Embora puxe do faroeste sua temática, a construção visual não é a mesma: Temos poucos dos grandes ângulos abertos que colocam o homem no cavalo como o senhor de tudo que enxerga. Não que o filme seja feio: O trabalho de fotografia de Robert Richardson (Ilha do Medo, a Invenção de Hugo Cabret) é primoroso em sua precisão, mesmo a inspiração dos faroestes B feitos na itália, com movimentos de câmera bruscos e chicotes, muitas vezes colocados como um tipo de piada interna do diretor.

Os diálogos e a montagem são rápidos, mas não sofremos com cortes rápidos-feito-video-clipe-da-MTV que tem aparecido tanto nos cinemas recentemente, como se o editor tivesse um ataque epilético. É uma montagem que serve a bruteza explicita, mas quase surreal em sua escala. Me foi comentado que o diretor tem uma alegria quase infantil em sua violência, e é verdade. Seria possível colocar Tarantino david Cronenberg (Cosmópolis, Método Perigoso) quase em lados opostos na mesma moeda. O sangue explode, e as pessoas voam, e claramente, sentimos que o diretor está se divertindo bastante com o resultado, particularmente com a pontinha que ele mesmo interpreta.

Django Livre é razoavelmente longo, com dois clímaxes bem distintos, mas que graças a um uso sólido de edição e uma trilha sonora que mistura o que existe de bom no som icônico faroeste clássico e da produção de música negra nos EUA, não pesa nem nos olhos ou nos ouvidos. Django Livre é partes iguais de Ennio Moricone, Tupac e James Brown e Johny Cash. É um prato saboroso, mas todos os sabores são bem fortes.

Se existe algum problema sobre a obra é que ele possui tantas referência que está sempre pecando pelos excessos: de referências, de mudanças rápidas do clima, sempre no limite, chamando muita atenção para sí enquanto metafilme e dimunuindo nossa atenção na história.  A primeira metade é um excelente faroeste e um trabalho mais sério sobre a exploração do negro naquela época, dramático e envolvente. A segunda, bem, é Tarantino, com sangue explodindo de forma gloriosa, e mulheres voando em ângulos impossíveis quando são atingidas por tiros de revolver. A habilidade cinematográfica do diretor é inegável, mas as vezes, nos perguntamos se ele não deveria tentar crescer só um pouco e deixar de ser 'o garoto talentoso' que era na época de cãos de aluguel. Já está na hora.

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