Tópicos | Ciudad Juárez

Luisa debate com as mães do jardim de infância de seu filho sobre como explicar para os pequenos o motivo pelo qual não vão trabalhar na segunda-feira. Em um restaurante da Cidade do México, Denisse, uma psicóloga de 28 anos, planeja com colegas sua participação no protesto contra os feminicídios no país.

A quase dois mil quilômetros de distância, em Ciudad Juárez, Lydia organiza as manifestações locais e, na fronteira sul mexicana, as militantes do movimento zapatista fazem o mesmo.

##RECOMENDA##

Na década de 1990, centenas de mulheres apareceram mortas em Ciudad Juárez, que fica na fronteira com os Estados Unidos e é um polo da indústria maquiladora. Todas sob um mesmo padrão de tortura sexual que expôs de maneira brutal a violência de gênero no país.

Este ano, as mexicanas se preparam para uma grande marcha em 8 de março e para a jornada #UndíaSinNosotras (#UmDiaSemNós) na segunda-feira, que busca chamar a atenção para o crescente feminicídio no México. Em 2019, foram registrados 1.006 casos, conforme cálculo oficial que os especialistas consideram conservador.

Em fevereiro passado, as mortes de Fátima - uma menina de 7 anos que sofreu abuso sexual antes de ser assassinada - e de Ingrid - uma jovem de 25 anos também cruelmente assassinada por seu parceiro - foram a gota d'água para mobilizar mulheres que acumulam anos de medo e de revolta.

A indignação cresceu de tal maneira que Las Brujas del Mar, um pequeno coletivo feminista de Veracruz, viu sua convocação "¡El nueve nadie se mueve!" (em tradução livre "No dia nove ninguém se mexe!") explodir nas redes sociais em meados de fevereiro. O coletivo Primero Somos, da Cidade do México, também propôs um dia sem mulheres em 9 de março.

"Essa ideia circula (entre as organizações), e nós decidimos colocá-la nas redes sociais", disse à AFP Arrusi Unda, uma publicitária de 32 anos do Las Brujas del Mar, reconhecendo que elas "nunca, nunca" imaginaram "a loucura" que seria.

Unda fez a imagem da convocação em seu celular, de forma improvisada, pois nunca cogitou que a iniciativa ganharia tanta força. Tampouco que receberiam ameaças. O fato é que o tema ganhou espaço na agenda nacional.

Reação ao governo

Depois dos homicídios de Fátima e Ingrid, a primeira reação do presidente Andrés Manuel López Obrador causou ainda mais mal-estar, ao afirmar que os feminicídios obedeciam à decomposição do "período neoliberal" e que, por trás das manifestações, estava a oposição "conservadora".

O governo federal ainda tentou, no último minuto, reduzir a tensão com uma conferência das secretárias de Estado. Uma delas, a ministra do Interior, Olga Sánchez Cordero, alegou que as mulheres "não estão insatisfeitas com o governo, estão insatisfeitas com a violência que continuam sofrendo".

Neste momento - disse à AFP a fundadora do coletivo Las Constituyentes Feministas CDMX, Yndira Sandoval -, "o feminismo põe o Estado mexicano à programa. É um teste para a democracia".

"Não se poderá garantir a democracia, se não se garantir a condição e a vida das mulheres", acrescentou.

As feministas também temem o "oportunismo" do setor empresarial, que rapidamente autorizou suas funcionárias a terem a segunda-feira como dia livre.

"Nosso sistema é tão patriarcal que, quando as mulheres decidem parar, os homens se apressam para nos dar permissão", apontou Sandoval.

Se os empresários pretendem, de fato, sair da ambiguidade, serão obrigados a resolver a questão da desigualdade salarial, a paridade de gênero na hierarquia do mercado e a adotar medidas para evitar o assédio no ambiente de trabalho, argumenta a ativista.

Quarenta corpos, a maioria não identificados, foram exumados nesta segunda-feira (23) em um cemitério público em Ciudad Juárez, no estado mexicano de Chihuahua, informou Yoselyn Guzmán, porta-voz da procuradoria-regional.

"Foram exumados 40 corpos, 35 masculinos e cinco femininos. Morreram entre 2016 e até recentemente por causas violentas e também por causas naturais", disse Guzmán à AFP.

Algumas pessoas morreram no hospital "mas sofreram abandono social, seus familiares não se importaram".

Mas "a maioria morreu por fatos violentos", declarou a funcionária, acrescentando que em Chihuahua, o maior estado do México, a taxa de identificação dos corpos no serviço médico legal é de 86%.

Exumar os 14% restantes é uma atividade regular na região, uma das mais afetadas pela violência ligada ao narcotráfico.

O papa Francisco questionou se o encarceramento é capaz de resolver os problemas de segurança, durante sua passagem em uma prisão na Ciudad Juárez, última etapa de sua visita ao México que deve terminar, nesta quarta-feira, com uma missa na fronteira com os Estados Unidos.

"Às vezes parece que os presídios se propõem a incapacitar as pessoas a seguirem cometendo delitos mais do que promover os processos de reabilitação", manifestou o pontífice no Centro de Adaptação Social desta localidade fronteiriça com os Estados Unidos, considerada, no passado, uma das mais perigosas do mundo.

"O problema da segurança não se esgota somente encarcerando", apontou.

O pontífice disse aos presos que "quem experimentou o inferno pode se tornar um profeta na sociedade. Trabalhem para que esta sociedade não continue produzindo vítimas".

"Esta experiência é uma pausa em nossas vidas", disse ao papa à detenta Evelia Quintana, vestida com o uniforme cinza dos presos. "Trabalhamos para que nossos filhos e filhas não repitam esta história", completou a mãe de uma adolescente.

Após a visita ao presídio, Francisco se encontrou com líderes trabalhistas e empresariais, a quem advertiu da falta de oportunidades para os jovens mexicanos.

"Um dos maiores flagelos a que são expostos seus jovens é a falta de oportunidade de estudo e de trabalho (...) gerando, em muitos casos, situações de pobreza. Esta pobreza é o melhor terreno fértil para que caiam no círculo do narcotráfico e da violência", advertiu.

Desde as primeiras horas da manhã, milhares de pessoas com bandeiras e camisas com os dizeres "Eu amo o papa" começaram a se reunir e esperar a missa em uma explanada junto ao fronteiriço rio Bravo, onde, a cada ano, passam centenas de migrantes em busca do sonho americano.

María Cruz Bautista, de 62 anos, fez a viagem desde Chicago para se reunir com sua família em Juárez e ver este dia "histórico" para sua cidade natal, que deixou aos 14 anos.

Disse que esperava ansiosa as palavras que Francisco irá pronunciar como "uma mensagem positiva, não apenas para as pessoas de ambos os lados (da fronteira), mas para os governantes, para que tenham mais piedade e mais consideração com os migrantes".

Repeito aos migrantes

A maioria dos migrantes que atravessam o rio Bravo são centro-americanos que fogem da violência e da pobreza de seus países e se arriscam ao atravessar o México, onde enfrentam extorsões, sequestros e inclusive assassinatos orquestrados pelo crime organizado.

Depois de lançar duras mensagens contra o narcotráfico e a corrupção em sua visita ao México, é esperado que o papa se foque na dramática situação dos migrantes durante a missa, que será retransmitida por um telão ao outro lado da fronteira, em um estádio de El Paso, no Texas.

Perto de onde será realizado o ofício religioso, está o humilde refeitório comunitário "El Pescador", ponto de passagem para muitos migrantes como Isaías Franco, um salvadorenho de 47 anos.

"Nós não faremos mal a ninguém, só saímos de nossos países em busca de um futuro melhor. Só pedimos respeito", expressou este homem que viveu sete anos em Oklahoma antes de ser deportado em 2011.

Nos últimos meses, foi registrada uma onda de deportações no território mexicano, que se somam às que realizam os Estados Unidos, que as intensificou recentemente.

No país americano, posições contra a imigração, como as do aspirante presidencial republicano Donald Trump, têm cada vez mais voz: o magnata lamentou, na terça-feira, que Francisco seja uma personalidade "muito política" que não entende "o perigo de ter uma fronteira aberta", como a que há hoje com o México.

Os anos violentos

A migração é somente um dos problemas que assolam Juárez por sua condição fronteiriça.

Situada no deserto de Chihuahua, esta cidade viveu os piores anos da guerra contra o narcotráfico entre 2008 e 2011, em meio aos confrontos entre o cartel de Juárez e de Sinaloa, de Joaquim "El Chapo" Guzmán.

Dezenas de jovens mulheres desapareceram nesses anos e seus familiares continuam realizando buscas ou exigindo justiça por aquelas que apareceram em pedaços no deserto, voltando à memória a época aterradora dos feminicídios dos anos 1990.

A missa será a última atividade de Francisco no México, que partirá para Roma à noite.

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando