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É domingo. Nas ruas dos sítios históricos do Recife e Olinda o som dos tambores de maracatu ecoam por todas as esquinas. A variedade de grupos que replicam o batuque das tradicionais nações do brinquedo é imensa e a quantidade de integrantes confirma a força e o valor dessa tradição. Mas, nem sempre foi assim. Em meados dos anos 1970 e 1980, poucos eram os 'bombos' que soavam e Pernambuco chegou a contabilizar a existência de apenas sete nações de baque virado. Foi nesse cenário de esquecimento e desvalorização que surgiu um grupo que ajudaria a mudar o curso dessa história, o Nação Pernambuco. 

Antes mesmo do manguebeat de Chico Science colocar a capital pernambucana no mapa musical do país, o Nação Pernambuco começou a trabalhar para tirar o maracatu do esquecimento. Nascido em Olinda, em 1989, o grupo idealizado por Bernardino José, ator de carreira com experiência no Balé Popular do Recife, se propôs a dar nova cara e destino à essa tradição pernambucana. Ao lado de Amélia Veloso, também atriz e membro do Balé Popular, ele buscou na tradição os preceitos que dariam norte ao novo grupo. "O primeiro passo era manter a rua como referência, a gente surge na rua como um grêmio cultural e carnavalesco, mas com a  proposta de preservar o contato com o chão, que eu chamo de ‘transcurso secular’", conta Bernardino.

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Foi a vivência nos cortejos de rua por Olinda e pelo Recife, numa época em que o Carnaval não era o Multicultural - "ainda era meio abandonado", relembra Amélia -, e  as batucadas que acabavam regadas a 'ponche' na porta de Badia, importante figura que motivou a Noite dos Tambores Silenciosos no Pátio do Terço; que formaram a essência do Nação Pernambuco. O convívio com grandes mestres de nações tradicionais como Roberto Pescocinho (hoje no Nação de Luanda) e Teté (da Nação Almirante do Forte) também colaborou para que o grupo elaborasse sua essência, até hoje, ancorada nos preceitos fundamentais da tradição. 

Bernardino José: "A gente é uma agremiação que tem esse encantamento de botar (o maracatu) no palco"

A veia artística de seus fundadores, no entanto, foi o que fez o grupo ir além, e logo as ruas deram lugar aos palcos em espetáculos que imprimiram nova cara e sonoridade a esse maracatu. "O maracatu até a gente era performático, com a gente, ele passou a ser dramático, ele começou a ganhar voz, diálogo, aí vem a questão da ópera. A gente começou a dar voz às figuras do maracatu, através da música e dos poemas de Solano Trindade", explica Bernardino. 

Em 1992, o Nação Pernambuco estreou seu primeiro espetáculo, Batuque da Nação, no Teatro Beberibe, no Centro de Convenções. Era o início de um novo século, o 20, e também o começo de uma nova era para a cultura pernambucana. O manguebeat, movimento fundado por Chico Science também ganhava corpo e colaborou para o que o maracatu ganhasse maior visibilidade e valorização em todo o mundo.

O próprio Science foi um dos espectadores do Nação e ambos os movimentos acabaram caminhando de forma semelhante: "O maracatu era visto de uma forma muito depreciativa antes. Quando a juventude chegou, tudo ficou melhor. Nem ele (Chico) nem a gente se restringiu ao povo negro, abrimos (o maracatu) para todo mundo. Aconteceram os dois (movimentos) mais ou menos ao mesmo tempo e teve essa disponibilidade de abrir para que as pessoas conhecessem. Foi um período de abertura de cabeças", comenta Amélia. 

A sede provisória do Nação Pernambuco funciona em um casarão emprestado pela Prefeitura de Olinda, no Carmo. 

A história de lá pra cá já é bem conhecida. O Nação Pernambuco ganhou os palcos e ruas do mundo e, agora, do alto de seus 30 anos, é reconhecido como um dos mais importantes grupos da cultura pernambucana trabalhando, além do maracatu, outros ritmos tradicionais do Estado, como o coco, o caboclinho e a ciranda. As sementes desse trabalho  estão espalhadas não só pelo Brasil, como também pela Europa, por meio de alunos saídos das escolas da agremiação e outros grupos que nasceram inspirados e influenciados por ela. Os trabalhos registrados, como os quatros CDs e um DVD, além de cerca de 40 músicas autorais também são ferramentas que disseminam e perpetuam essa trajetória.  

Em sua terra natal, Olinda, o Nação continua trabalhando em função do Carnaval e na manutenção da tradição do maracatu. A luta pela continuidade do grupo, no entanto, é grande, devido à falta de patrocínio. “É murro em ponta de faca, porque a gente não tem apoio pra nada. A gente sobrevive de apresentações mesmo. Não tem diferença de uma batucada de maracatu que tá começando hoje”, diz Amélia. Na sede provisória do grupo, localizada no Carmo, funcionam as escolas de dança e percussão que formam os bailarinos e batuqueiros que vão integrar a nação. O fluxo de interessados é tamanho, que a agremiação já deu vida a muitos outros grupos, como o Congobloco, o Toque Leoa e o Badia, entre outros. 

Esse movimento de multiplicação é, de fato, o grande trunfo do Nação. Todo o trabalho desenvolvido, nas últimas três décadas, vem resultando na valorização da tradição do baque virado e na manutenção desse legado pernambucano para as novas gerações, como bem ilustra Bernardino: "O que a gente tá fazendo aqui é uma preparação para o que vem depois. A gente tá trabalhando todo esse universo e as gerações que vêm começam a assimilar, a gente simplesmente tá dando vida a isso. Quando a gente começou, a gente não se entregou às amarras do sistema político que diz que você tem que fazer ‘isso’ porque é tradicional. Eu não uso palavras como folclore e raiz, a gente é semente". 

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Aniversário

Os 30 anos do Nação Pernambuco serão celebrados com diversas atividades que começam neste mês de dezembro e prometem ganhar o ano de 2020. Neste domingo (15), a sede do grupo promove uma festa que, além de celebrar o Nação, também vai comemorar os 15 anos de uma de suas ‘crias’, o Congobloco. Já no dia 21 de dezembro, uma outra celebração, no mesmo local, vai receber convidados, como o Afoxé Oxum Pandá, entre outros, e aulas de dança. Para janeiro, está prevista uma exposição que contará, em linha cronológica, a história desse grupo que, como gostam de colocar os seus fundadores, "revitalizou" o maracatu. 

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