Tópicos | Daniel Day Lewis

Steven Spielberg é um cineasta de carreira estável, mas que já teve seus trabalhos acusados de muita coisa. Seus detratores batem bastante na tecla do maniqueismo de seus personagens e na esterilidade quase higiência de suas histórias. Depois de trabalhos visualmente fortes  fortes mas pobres em conteúdo como a animação Tintin, a expectativa era alta num trabalho como a representação da vida daquele que pode ser considerado o presidente mais importante da história americana. Felizmente Spielberg se mostra o mesmo diretor que nos deu Munich, e traz um filme dirigido com mão forte e visão clara.

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Lincoln nos mostra o fim da guerra civil entre norte e sul que terminou com a união dos estados e com o fim da escravatura. Observamos os meses finais do segundo mandato do icônico presidente americano apelidado de Abe, o Honesto, na época em que luta para aprovar a décima terceira emenda da constituição que aboliria a escravatura. O assunto polêmico foi uma das causas da grande guerra entre norte e sul que já durava quatro anos. É um filme com um passo lento e cuidadoso, que procura mostrar bem as múltiplas facetas de um personagem tão complexo quanto este foi. 

E é nisso que brilha o trabalho de Daniel Day Lewis, que encarna o finado presidente como se tivesse nascido vestindo a pele dele. Lincoln é um personagem que é facilmente representado de maneira inumana e unidimensional, como vimos recentemente em Abraham Lincoln, caçador de Vampiros. O que vemos é uma pessoa presa entre o dever do trabalho, o oposição ao filho que deseja arriscar-se na guerra contra a sua vontade, a esposa Mary, em dores devido à perda do primeiro filho em anos anteriores e o papel de pai. E também, felizmente, vemos a rara representação de Lincoln enquanto político matreiro, capaz de dobrar a verdade para satisfazer meias verdades, e usar de vários "toma-lá-dá-cá" nada honestos para garantir a aprovação da mudança da constituição que seria seu legado. A voz cansada e a cadência da fala evocam as complexidades de uma figura histórica que geralmente é adorada quase como uma figura santa pelos americanos. 

Num auxílio de luxo estão os atores coadjuvantes, todos muito bem dirigidos por Spielberg. A grande supresa é a atuação de Tommy Lee Jones como Thaddeus Stevens,o explosivo líder radical do movimento que defende a igualdade total entre negros e brancos, numa atuação particularmente divertida. É sua a grande frase do filme, e que define a história como um todo: A emenda constitucional mais libertadora da história, aprovada via corrupção e vista grossa de um bom homem." É onde vemos que a política é algo cinza e tortuosa, independente de país e época. Os lobistas pagos para subornar e convencer políticos do senado para a aprovação da mudança na constituição são contrapontos de trama imitados diretamente de Shakespeare e são eles que efetivamente tornam a narrativa coesa no nível político. Os diálogos do roteirista Tony Kushner (Munique) são humanos em bem escritos, e as seções na câmara são particularmente fascinantes.

Algo que chama a atenção é a qualidade da direção de fotografia de Janusz Kamisnki ( A Lista de Schindler) que tem trabalho com Spielberg nos últimos quinze anos numa parceria de sucesso que chega ao topo com Lincoln. As cenas são bens construídas com tons cinza-azulados que da ao filme inteiro um aspecto de uma memória antiga, mas não com os tons sépia que associamos às produções de época. 

Um aspecto curioso é observamos o respeito que os americanos tem sobre o processo político, assim como os tabus auto impostos que possuem sobre o que pode ou não pode ser mostrado: Lincoln tem uma das mortes mais icônicas da história para um líder político, sendo assassinado por John Wilkes Booth com um tiro na nuca num teatro. Isto é representado apenas com a notícia sendo dada a seu filho, mas Steve Spielberg não tem problemas em apresentar soldados sem nome tendo suas cabeças sufocadas dentro da lama por botas inimigas até a morte logo no início do filme. Aparentemente, cabeças presidenciais são sagradas, mas soldados com as entranhas espalhadas sob os cascos do cavalo do presidente não são tanto assim. Mas é um filme cortado e lapidado de maneira amorosa, e uma prova de que a política é um minado de gente atrás dos próprios interesses, independente de que época e que causa, e que os problemas não magicamente se resolvem. 

O conflito racial é um tema recorrente nas últimas três premiações do Oscar, com filmes como Preciosa (Precious) e Histórias Cruzadas (The Help), e Django Livre (Django Unchained). Aparentemente os problemas que o presidente se preocupava não estão com a igualdade tão igual como os políticos do século XIX pensavam que estaria no futuro….

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