Tópicos | Diogo Barreto

Há 50 anos as principais avenidas das capitais políticas do Brasil – nos estados do Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais e Brasília – estavam começando a ser inundadas por militares que tomariam, entre os dias 31 de março e 1º de abril de 1964, o governo do presidente João Goulart (Jango) e dos governadores estaduais, entre eles o de Pernambuco, comandado à época por Miguel Arraes. Com a promessa de restaurar a democracia, segundo os militares, ameaçada pelo comunismo cubano, a tropa comandada pelo general Olímpio Mourão Filho, saiu de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro, dando início ao que culminaria no golpe de estado, proporcionando ao país os 21 anos de repressão, censura e cerceamento da liberdade.

Jango enfrentava uma forte oposição conservadora, por causa da afeição com os movimentos sociais reformistas e a defesa pela participação trabalhista na construção da democracia. Em 64, os militares não estavam sozinhos na intenção de depô-lo. Vários parlamentares, em sua maioria da UDN e PSD, e até governadores-conspiradores apoiavam o golpe, entre eles Carlos Lacerda (RJ). Além destes, o movimento também contou com o apoio da CIA, que treinou a maioria dos oficiais, a partir de uma operação intitulada por “Grande Irmão”.

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“O João Goulart começou a implantar uma série de reformas, abrangendo a área educacional, urbana, política, tributária e, entre outras, uma reforma agrária, que era a grande discordância entre o congresso e as forças armadas do país. Estas atitudes eram vistas como propensas a instalação de ‘uma nova Cuba’. Outro agravante foi que muitos militares tiveram problemas de promoção e salários atrasados. Antes do golpe, houve a revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro, contra as condições do trabalho e os salários atrasados. Este foi quase o estopim, para o Golpe. Às vésperas, no dia 30 de março, Jango se reuniu com generais das Forças Armadas e auxiliares onde fez um discurso forte, criticando o auxílio das forças estrangeiras”, contextualizou o pesquisador dos períodos da Ditadura Militar e responsável pela distribuição dos arquivos da época no Acervo Público de Pernambuco, Diogo Barreto. 

A série de ações do presidente, de 1961 a março de 1964, foi sepultando pouco a pouco o seu mandato. Após a deposição, Jango, em busca de segurança, viajou do Rio, onde se encontrava no momento do golpe, para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência aos militares. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai. O presidente só retornou ao Brasil para ser sepultado, em 1976.

Em Pernambuco, o então governador Miguel Arraes passou a noite, daquele 31 de março, reunido no Palácio do Campo das Princesas com seus assessores e secretários, buscando uma forma de se livrar do golpe. A maioria dos aliados políticos de Arraes o aconselharam a sair da capital e seguir para a região que hoje está localizada a cidade de Palmares, na Mata Sul, no entanto o governador decidiu que resistiria até o fim, enviando apenas a esposa, Madalena Arraes, e os filhos para a casa de familiares no interior do estado. Na manhã do dia 1º de abril, o Campo das Princesas já estava rodeado de militares. A tarde, após uma negociações sem êxito, o governador foi escoltado, dentro de um fusca, para seguir ao exílio. Primeiro Arraes foi para o arquipélago de Fernando de Noronha, e, depois, seguiu para a Argélia, retornando ao Brasil, em 1978. 

“Arraes lutou até o último momento e falou que não sairia o Palácio e a polícia diz que vai invadir e tirar ele a força, naquele momento ele diz ‘eu não vou obedecer a ordens, porque entrei pela porta da frente pelas mãos do povo e ei de sair também pela porta da frente, pelas mãos do povo, é um mandato democraticamente construído’, mas os militares disseram ‘a democracia vai ser restaurada’”, contou Barreto. 

Assim como Arraes, o então prefeito do Recife, Pelópidas Silveira, foi deposto e preso para que se evitasse a continuação do governo pró-comunismo no estado. Silveira e Miguel Arraes eram adeptos ao Movimento Cultural Popular (MCP) e engajados com artistas e escritores como, Abelardo da Hora, Hermílio Borba Filho e Ariano Suassuna. 

O governo de Pernambuco, após a deposição de Arraes, é interinamente assumido por Augusto Lucena, enquanto as primeiras leis do governo militar vão aparecer, e o primeiro governador pró-ditadura, que assume o Campo das Princesas, é o de Paulo Pessoa Guerra, em 1966. Guerra já começa a fazer realizações baseado no governo de Castelo Branco. 

Os anos mais duros

O golpe militar de 1964 desencadeou uma violenta repressão no país. Os anos, até 1985, são intitulados, pelos que viveram à época, como os “mais duros”. Os militares iniciaram uma intensa luta contra os setores politicamente mobilizados à esquerda no espectro político, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). 

Milhares de pessoas foram presas de modo irregular e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. Um dos exemplos marcantes da história em Pernambuco foi o fuzilamento dos dois jovens Jonas Albuquerque e Ivan da Rocha, no primeiro dia do regime. Ambos participavam de manifestações no Recife, em frente à Faculdade de Direito. 

Com o passar dos anos a repressão foi se unindo a censura. Os brasileiros começaram a ser coagidos, de maneira mais eficaz, após o início da elaboração dos Atos Institucionais (AI). Eles passaram a reger o país quando os militares decidiram suspender a Constituição, e colocarem em prática uma legislação para beneficiar a ditadura e deixar ainda mais difícil a vida dos brasileiros, principalmente aqueles que se posicionavam a favor do retorno da democracia ou da instalação do comunismo no país. 

De acordo com Diogo Barreto, apenas cinco AI’s são relembrados pela população. “No total foram 17, mas apenas cinco são lembrados. Todos implantados sem que fossem aprovados pelo Congresso”, afirmou o historiador. Completando que “em 1967, unindo todos os Atos, foi aprovada a Constituição a favor dos militares, recebendo uma emenda em 1969, com o mais forte, o AI-5”. 

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A revolta do povo contra a ditadura

A revolta da população contra a Ditadura Militar começou imediatamente após o golpe, em abril de 1964. A UNE, CGT e a JUC endossaram mobilizações intensas pelo país. Em 1966, centenas de estudantes iniciaram viagens Cuba, onde eram treinados pelo Partido Comunista, com o intuito de organizarem mobilizações e guerrilhas armadas. 

Um dos atos, talvez o principal, foi Passeata dos Cem Mil. O ato aconteceu em junho de 1968, no Rio de Janeiro, e contou com a participação de artistas, intelectuais e outros setores da sociedade brasileira. Um dos motivos da Passeata foi o assassinato do estudante Edson Luiz, de 18 anos. O secundarista foi morto com um tiro à queima roupa após uma reunião no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. 

“Desde 64 eles começaram a criar a sua resistência aos dispositivos do golpe, mudanças que começaram a acontecer. Os estudantes, após a morte de Edson Luiz, saem novamente às ruas com cartazes dizendo ‘a ditadura matou um estudante e se fosse o seu filho, o que você faria?’, então de certa forma jogam a sociedade de vez contra o regime”, pontuou o pesquisador. “Por isso que elas partiram com tudo para cima dos estudantes e foi aí que veio o AI -5 para sepultar qualquer forma de subversão”, acrescentou.

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