“Mesmo que seja dramático, angustiante e sofredor, temos que enfrentar porque ele enfrentou muito mais”. Essa foi uma das principais falas de Ednaldo Bezerra da Rocha, ao descobrir nesta terça-feira (3), a forma como morreu seu irmão Ezequias Bezerra da Rocha. O laudo, que comprova a morte da vítima por tortura, foi exposto pela Comissão da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara (CEMVDHC), na Casa Civil, no bairro das Graças.
Na primeira versão para o caso do geólogo Ezequias Bezerra, ele teria falecido aos 28 anos de idade em 12 de março de 1972. Ele teria sido levado à prisão e ficado em uma cela ao lado da sua esposa. Posteriormente, tinha sido liberado do cárcere por companheiros de militância conforme alegou o delegado da Delegacia de Segurança Social na época, Redivaldo Oliveira Acioly.
##RECOMENDA##No entanto, um dia após o relato de soltura da vítima, um corpo foi encontrado na barragem do Bambu, Engenho Massauassu, Escada, mas com identidade desconhecida. O corpo estava com os pés e mãos amarrados de cordas e envolto com uma rede também de cordas com uma pedra de 30 quilos atada ao corpo, além de outros registros de agressões e tortura. Na época, a família não fez o reconhecimento.
Já em 1991, após a localização do laudo datiloscópico (contendo impressões digitais) houve a comprovação que o corpo era de Ezequiel. Este mesmo laudo foi obtido através da Comissão da Verdade e após 41 anos da morte de Ezequias à família e os pernambucanos podem, de fato, descobrir a causa da morte da vítima. “Foi uma coisa muito forte tomarmos conhecimento deste laudo datiloscópico”, contou uma das relatoras da CEMVDHC, Nadja Brayler, acrescentando ter ficado impressionada ao conseguir as informações. “Para nossa surpresa, recebemos o laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) de forma detalhada”, completou.
Segundo a relatora, na época que o laudo foi elaborado, em 1991, o corpo não foi entregue para a família. “A auditoria militar para encobertar o fato solicitou a prisão de Ezequias quando ele já estava morto”, disse, frisando a colaboração do arquivo público do IML e contando a atuação de Bezerra na sociedade. “Ele teve uma participação nos movimentos estudantis, mas ele não era um militante de frente, ele não militava”, relembrou.
Também presente na coletiva, o coordenador-geral da CEMVDHC, Fernando de Vasconcelos Coelho, comentou como a força política cometia as torturas e manobravam o poder com total segurança de não serem descobertos. “Era uma política de segurança. Não era uma ação individual não”, contou alegando o envolvimento de muitas pessoas nos casos investigados.
Além de ser exposta a comprovação da morte do geólogo, dois outros pontos foram tratados no evento. Com a comprovação da tortura, os relatores solicitarão à Justiça a retificação do atestado de óbito. A outra reivindicação é pela morosidade da União em relação à execução do processo. “O processo até chegar ao Supremo Tribunal Federal demorou mais de 20 anos. Depois que ganhamos em todas as instâncias, o processo voltou para a fase de execução da sentença, o que tem sido extremamente tumultuada por conta da União que através de seus advogados, tentam discutir matérias que estão totalmente blindadas pela sentença transitada e julgada”, disse Frederico Barbosa, um dos advogados da família, avaliando a atitude dos juristas como uma atitude maldosa.
“Durante este período, alguns irmãos de Ezequias já morreram e a demora deste processo é uma verdadeira tortura para os familiares, que além de ter tido o sofrimento de perder o irmão, e de inclusive ser um desaparecido político, ainda hoje a União procrastina o resultado deste processo”, criticou outro advogado da Família, Marcelo Santa Cruz.
Já Ednaldo Bezerra, irmão da vítima, de forma contida, agradeceu ao trabalho da Comissão da Verdade e contou ficar surpreso com o laudo apresentado. “Nós pensávamos que já tinha esgotado todas as provas da prisão dele, mas eis que apresentam agora este documento. Creio que o próximo passo seria encontrar o corpo para a família poder enterrá-lo”, espera o irmão da vítima.
A Comissão da Verdade Dom Hélder Câmara analisa outros 51 casos de crimes políticos. Neste ano, além do caso de Ezequias, as investigações das mortes de Padre Henrique, Odijas Carvalho e Anatália de Souza Alves também foram reveladas.