Tópicos | Imóveis Especiais de Preservação

Diz a lei: “Imóveis Especiais de Preservação (IEP) são exemplares isolados, de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural da cidade do Recife”. A proteção de tais imóveis é dever do município, enquanto a manutenção das características originais do imóvel cabe ao proprietário.

O LeiaJá fez uma curta ronda em alguns desses imóveis do Recife, focando-se na Zona Norte da cidade, onde está concentrado o maior número de IEPs. Através deste recorte, é possível ver o puro descaso da gestão pública e dos proprietários em espaços cuja preservação deveria ser um compromisso.

##RECOMENDA##

A situação mais crítica é, com folga, a do chalé nº 176 da Rua da Harmonia, no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife. O imóvel, que por lei deveria estar preservado, se encontra rodeado de escombros, abandonado, com estrutura desgastada e com visível risco de desabar. Das cores vibrantes, apenas pinturas de serviços diversos (como anúncios de restaurantes), além de pichações nos muros e uma placa de cão de guarda.

Algumas pessoas das proximidades divergem quanto ao tempo em que o local está abandonado. Falam em 14 anos ou mais de 20. Lembram que ali funcionava uma escola. Concordam ao dizer que uma construtora teria comprado o terreno.

[@#galeria#@]

“Soube que está na posse de uma construtora”, diz o microempreendedor Luiz Fernando, de 52 anos. Um homem que trabalha na calçada do casarão, que não quis se identificar, disse com firmeza que o local seria da construtora Romarco. “Fico preocupado com o meu negócio. A primeira coisa que vão fazer é me tirar daqui”.

Apesar das pessoas próximas apontarem como proprietária uma construtora, a Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura do Recife informou, com base no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que o registro da casa está em nome de uma pessoa física.

A secretaria informou também que está ciente da situação do imóvel da Rua da Harmonia; o proprietário já foi notificado a recuperá-lo e multado em R$ 20.784,29 pelo mau estado de conservação.

Segundo a nota da secretaria, há um projeto em tramitação na prefeitura para a construção de um edifício multifamiliar no terreno. O projeto, destaca o texto, prevê a restauração completa do imóvel, para devolver ao patrimônio suas características originais.

A mesma lei citada no início desta matéria, a 16.284/97, detalha as punições para quem não presta os devidos cuidados com tais patrimônios, como o abandono do imóvel e a execução de obras ou serviços que modifiquem as características originais do prédio.

Entre as punições cabíveis está a proibição, pelo prazo de dez anos, de construir qualquer edificação no local onde existia o IEP.

[@#video#@]

Avenida 17 de Agosto, nºs 1788 e 1790

A situação dos imóveis 1788 e 1790 da Avenida 17 de Agosto só não pode ser classificada como pior que a do chalé da Rua da Harmonia porque eles nem existem mais. A 17 de Agosto, no bairro de Casa Forte, possui uma grande lista de IEPS, inclusive o bem cuidado Museu do Homem do Nordeste.

Entre essas várias casas centenárias, os imóveis vizinhos 1788 e 1790 são apenas uma fachada branca com porta e janelas tapadas com tijolos, dificultando a visão da área interna. Apenas uma das portas de madeira permite, através de uma apertada brecha, enxergar que lá dentro não existe mais imóvel algum.

Na fachada, há uma placa de “aluga-se”. A corretora explicou que os imóveis estão com aluguel de R$ 3,5 mil cada. As casas caíram, mas é possível construir qualquer coisa na área interna, desde que a fachada seja recuperada e preservada, diz a empresa.

Sem querer se identificar, uma moradora vizinha do local conta que os imóveis não caíram apenas, mas foram derrubados. “Foi a maior confusão, a obra foi embargada. Eles não tinham licença para fazer aquilo”, lembra.

A Secretaria de Planejamento Urbano reforçou que os imóveis da 17 de Agosto ainda são registrados como IEPs. Disse também não haver registro na Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC) sobre judicialização referente às casas.  Os dois endereços possuem projetos de reforma e restauro aprovados pela DPPC, datados de setembro de 2015. A validade é de um ano, logo os interessados terão que apresentar novos projetos para avaliação. Segundo informação da corretora, uma galeria estaria sendo planejada para o local.

Por sua vez, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano afirmou também que não há registro de licença de demolição (ou seja, não poderiam ser derrubados) ou notificação por demolição irregular. Em fiscalização realizada em 2013, os proprietários foram identificados e notificados por mau estado de conservação. Com base nos documentos, a assessoria da pasta informou que a suspeita é de o imóvel ter desabado devido ao desgaste do tempo.  

O LeiaJá encontrou a recomendação de 2013 da promotora Belize Câmara - na época titular da área de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Históricocultural - sobre a derrubada dos imóveis. À Imobiliária Paschoal Ltda, que seria a proprietária, e à Richard Construções, empresa contratada para a limpeza do local, ela solicitou que não fossem feitas quaisquer intervenções, exceto conservação, antes de apurar as circunstâncias dos danos causados ao patrimônio.

Já à Prefeitura do Recife, através da Diretoria de Preservação do Patrimônio Histórico do município, a promotora pediu uma vistoria nos 1788 e 1790 para atestar a situação e os responsáveis pela destruição, além das providências necessárias à sua conservação e restauração. Quanto à Diretoria de Controle Urbano (Dircon), foi solicitado a vigilância dos imóveis especiais de preservação 1788 e 1790 e que o órgão informasse ao Ministério Público sobre qualquer ameaça à integridade física da estrutura. A Dircon também deveria se abster de conceder licenças para intervenções ou obras sem prévia autorização da DPCC.

O promotor Ricardo Coelho, atual titular na área de patrimônio disse desconhecer o caso dos 1788 e 1790. “Mas se a recomendação não foi cumprida, os envolvidos podem responder criminalmente, porque é crime derrubar um IEP; e na esfera civil, para que sejam obrigados a recuperar os imóveis”, explicou.

Outros casos

Ainda na 17 de Agosto, a reportagem encontrou outras casas classificadas IEPs com característica de abandono – com lixo no interior -  ou com a pintura desgastada.

No número 1752, o proprietário Maurício César Lima, 25, abriu a Oficina Cabrón, mostrando que os prédios antigos têm totais condições de serem reaproveitados. A oficina é uma barbearia que, além do corte de cabelo e barba, oferece música, loja de vestuário, acessórios e cerveja.

“A gente passou um tempo procurando e quando a gente viu esse lugar achou ideal”, conta Maurício. Ele, entretanto, pintou a fachada do salão de cinza e acabou sendo notificado pela prefeitura. “Eu disse que havia pintado da mesma cor que era antes, mas vou ter que ir à prefeitura me justificar”, conclui.

A lista secreta dos imóveis de preservação

De acordo com a Secretaria de Planejamento Urbano, Recife conta com 260 imóveis classificados como Especiais de Preservação, protegidos pela Lei Municipal 12.284/1997. Na primeira etapa de classificação, em 1997, foram registrados 154 imóveis de imediato e os demais foram efetivados por meio de decretos posteriores.

Entre 1997 e 2012, apenas mais duas casas passaram a integrar a lista. A pasta aproveitou para destacar que a partir de 2013 foram classificados 104 imóveis.

Apesar disso, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) acredita que este número poderia ser muito maior. E talvez até o próprio órgão da prefeitura acredite o mesmo.

Houve uma análise da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC) que verificou 415 imóveis com potencialidades – valores histórico e cultural - para serem catalogados como IEPs.

Em 2014, o promotor Ricardo Coelho ingressou com uma ação civil pública na Justiça estadual para que a prefeitura divulgasse os endereços verificados e protegesse os 415 prédios. Em 2015, passados cinco meses, Coelho denunciou que a prefeitura descumpria a medida judicial que obrigava a divulgação da lista e colocava uma multa diária de R$ 5 mil caso isso não fosse feito.

Depois de todo esse tempo, o impasse ainda não foi resolvido. “A prefeitura não apresentou essa listagem. A ação está tramitando na Justiça”, conta o promotor. “Ela [a prefeitura] alega que a verificação dos imóveis não obriga o prefeito a classificá-los com IEPs. Nós não entendemos assim. Os imóveis identificados devem ser protegidos, até porque nós sabemos que há uma ação muito forte das construtoras na cidade”, complementa Coelho.

O Shopping Boa Vista recebe até o final de julho a exposição “Olhares da Boa Vista”, que tem por objetivo conscientizar o público sobre a importância da preservação patrimonial e contar a história do bairro através de sua arquitetura. A ação é realizada em parceria entre a Prefeitura do Recife e o centro de compras, e funciona de segunda a sábado, das 9h às 21h; domingos, das 11h às 19h.   

O bairro escolhido reúne 55 Imóveis Especiais de Preservação (IEPs) num total de 260 existentes no Recife. Segundo a PCR, essas estruturas fazem parte da memória ativa do Recife e a sua preservação também protege a identidade cultural da cidade. Foram selecionados alguns desses prédios para compor a mostra, dentre eles a casa onde a escritora Clarice Lispector morou durante a infância, o Ginásio Pernambucano, o Cinema São Luiz e o Hotel Central – onde se hospedaram Getúlio Vargas, Carmem Miranda e os tripulantes do Zeppelin. 

##RECOMENDA##

São 15 painéis com 55 ilustrações e textos sobre a memória do patrimônio arquitetônico, além de um painel com a linha do tempo desses quatro séculos de história e uma maquete do bairro, contemplando as 55 edificações. 

Os 25 prédios selecionados receberam placas para convidar a população a visitar a mostra. Após o período de exposição a maquete irá percorrer escolas da rede municipal com o intuito de fortalecer a educação patrimonial.

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando